Sangue, Metal e Sobrevivência

O chão do porão era feito de concreto rachado, sujo de óleo, suor e histórias que ninguém ousava contar em voz alta. As lâmpadas fluorescentes piscavam no teto baixo, zumbindo como insetos irritados, lançando luz pálida demais para esconder o horror, mas forte o bastante para escancarar cada gota de sangue. O ar era denso. Quente. Umidade misturada com fumaça barata e a tensão de dezenas de corpos apertados ao redor de uma jaula improvisada.

A multidão em volta urrava como uma matilha de cães famintos. Camisas rasgadas, dentes amarelados, olhos injetados de adrenalina e apostas ilegais. Eles não estavam ali por esporte — estavam ali por violência. Queriam ver carne rasgada, ossos quebrando como galhos secos. Queriam a queda. A humilhação. O grito final. Mas havia algo que queriam mais ainda: ver Kang Ryu sangrar.

E ele sabia disso.

Ryu estava no centro da jaula. Nu da cintura para cima, com o tronco esculpido em dor. Cada músculo seu parecia estar ali não por genética, mas por necessidade. Veias saltadas. Pele molhada de suor. Marcas e cortes se cruzavam como mapas de uma guerra contínua, como se cada parte do corpo dele já tivesse perdido e vencido ao mesmo tempo. Seus ombros largos sustentavam o peso de um mundo que ele nunca pediu. E seus olhos… ah, os olhos.

Olhos frios.

Opacos.

Sem vida.

Não havia ódio neles. Só vazio.

Como o de uma arma descarregada, que ainda assim assusta pelo que já fez.

A boca de Ryu estava entreaberta, respiração controlada, lenta. Ele girava os punhos enfaixados com faixas manchadas, os dedos feridos, os nós dos dedos rachados como vidro trincado. E ainda assim... firme. Letal. Um deus caído. Um monstro domesticado só o bastante para entreter.

Do outro lado da jaula, o oponente rugia. Um brutamontes chamado Jun-Ho, conhecido por esmagar maxilares como se fossem frutas. Careca, com uma tatuagem de dragão desbotada no pescoço, os olhos brilhando com a ilusão de vitória. Idiota.

O treinador de Ryu, um velho chamado Seo-Gwan, observava com um cigarro apagado entre os lábios, sempre mastigando o filtro com os dentes como se quisesse matar o gosto da decepção. Ele não falava muito — sabia que Ryu não ouvia ninguém. Era um cão que só respondia à própria dor.

— Sem misericórdia, moleque — murmurou Gwan, mais por hábito do que por instrução.

Ao redor, os companheiros de treino, todos menores, mais jovens, mais humanos, batiam os pés no chão. Eles torciam por Ryu, mas sabiam que ele não era como eles. Ryu era diferente. Um animal ferido que nunca voltou ao estado selvagem porque nunca saiu dele. Dormia com os olhos abertos, comia como se alguém fosse roubar, treinava até sangrar os dedos dos pés. Eles o respeitavam. Temiam. Admiravam. E mantinham distância.

O gongo bateu.

Jun-Ho partiu como um touro. Ryu não se mexeu. Esperou. Calculou. O primeiro soco passou raspando. O segundo, ele absorveu com o ombro. Sentiu o impacto vibrar nos ossos, mas não cedeu. Não piscou. Não gemeu.

Fraco, pensou.

Todos são. Quando têm algo a perder.

Ryu revidou. Um direto seco, sem aviso. O som foi algo entre carne esmagada e osso cedendo. Jun-Ho cambaleou, surpreso. Um corte abriu-se no supercílio. Sangue escorreu. A plateia vibrou.

Ryu avançou. Silencioso. Metódico.

Dois chutes baixos, um gancho na costela.

Jun-Ho recuava, mas Ryu não era uma tempestade. Era um veneno. Lento. Preciso. Fatal.

Não penso, só destruo, disse a si mesmo, desviando de outro soco com um giro sutil.

Penso demais fora da jaula. Aqui, sou o que sou.

A parede da jaula parecia assistir com olhos invisíveis. As correntes rangiam como se sofressem com cada pancada. Uma garrafa de soju caída no canto refletia a luz como se também estivesse bêbada do ambiente. O sangue de Jun-Ho respingava no chão e se misturava com o suor de lutas antigas, como se os fantasmas anteriores dançassem em círculos invisíveis, aplaudindo Ryu em silêncio.

Por fim, ele terminou.

Um cotovelo seco no maxilar.

Um estalo. Um grito. Um silêncio breve.

Jun-Ho caiu como um saco de carne.

A plateia explodiu.

Gritos. Apostas pagas. Cigarros sendo acesos. Mãos batendo em barras de ferro.

Ryu permaneceu de pé.

Respiração regular. Os olhos ainda vazios.

Seu corpo tremia, não de esforço, mas de adrenalina contida. Ele se abaixou, passou a mão no sangue fresco e limpou na própria calça. Nem olhou para o treinador. Nem para o derrotado. Nem para o dinheiro.

Ele saiu da jaula sozinho.

Frio como o aço.

A multidão o seguia com os olhos, mas nenhum deles se aproximava. Porque mesmo entre monstros, havia lendas. E Kang Ryu era uma.

Uma lenda suja, cansada e prestes a explodir.

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Comments

Escarlathe ( >~< )

Escarlathe ( >~< )

NOSSAAAAAA.....ADOREI DE MAIS.....Se eu for pra lá eu poderia marta rouba sem ninguém mim dizendo que é errado....Mais ou mesmo tempo também é ruim pois lá tem gente que só planta ódio com ódio.....

2025-04-21

1

Escarlathe ( >~< )

Escarlathe ( >~< )

Imaginei o ryu em uma ilha fantástica onde tem animais raros e aventuras perigosas.......

2025-04-21

1

Escarlathe ( >~< )

Escarlathe ( >~< )

Tem como ficar pior do que essa situação....kakakakak

2025-04-21

1

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