Ruína

A noite envolvia a cidade com seu manto de luzes cintilantes, refletindo o luxo e o poder que permeavam o topo do arranha-céu onde a festa acontecia. Arthur Castellani, o renomado CEO do Grupo Castellani, brindava ao sucesso ao lado de sua esposa Verônica e de seu melhor amigo e sócio, Hugo Meireles.

O salão estava repleto de convidados ilustres, todos celebrando os lucros recordes da empresa. Arthur, com um sorriso confiante, agradecia a presença de todos, sem imaginar que aquela seria sua última noite de glória.

A cobertura do Grupo Castellani pulsava com música suave, risos abafados e taças de cristal tilintando em brindes intermináveis. O céu noturno da cidade se estendia como um manto de promessas, refletido nas janelas de vidro fumê que cercavam o salão. Tudo ali gritava poder, prestígio, eternidade.

Arthur Castellani vestia um terno sob medida italiano, o olhar afiado de quem dominava impérios e corações. Ao seu lado, a esposa Verônica exibia um vestido vermelho sangue, justo o suficiente para destacar sua beleza fatal, largo o bastante para esconder suas intenções. E entre eles, sempre sorridente e leal, o sócio e melhor amigo Hugo Meireles, o braço direito... e o punhal escondido nas costas.

Arthur ergueu a taça, a voz firme ecoando pelo salão:

— Aos nossos lucros, aos nossos sonhos. E ao amor.

Sorrisos. Palmas. Um beijo teatral de Verônica. Tudo falso.

Horas depois, quando o salão já se esvaziava, Arthur caminhou até seu escritório com passos leves — mas a mente já começava a se inquietar. Uma notificação estranha no celular. Um arquivo anônimo anexado. Contratos. Transferências. Fraudes.

E uma assinatura.

A de Hugo.

A de Verônica.

Arthur sentiu o estômago virar. O sangue, que outrora lhe dava poder, agora queimava como veneno nas veias. Eles haviam transferido o controle da empresa, esvaziado contas, manipulado documentos. Tudo por trás dele.

A porta do escritório se abriu sem aviso. Verônica entrou primeiro, o salto batendo no mármore como uma sentença. Hugo a seguia, as mãos nos bolsos, como se não tivesse nada a temer.

— Então... — disse Arthur, mostrando os papéis. — É isso?

Verônica cruzou os braços, os olhos gelados como lâminas.

— Você sempre foi brilhante. Mas lento quando se tratava de quem estava ao seu lado.

— Nós só adiantamos o inevitável — completou Hugo, sorrindo com desprezo. — O mundo muda, Arthur. E você ficou... ultrapassado.

— Você era meu irmão, Hugo. Eu confiei em você! — Arthur gritou, a mão tremendo sobre a mesa.

— E você confiou demais — disse Verônica, aproximando-se. — Nunca te amei. Sabe disso, não sabe?

O silêncio que seguiu foi o mais cruel de todos.

Arthur levou a mão ao peito. Uma dor aguda. Uma pontada que rasgava do peito até a alma. Cambaleou. Caiu.

Hugo deu um passo. Mas não para ajudar.

— Está sofrendo um infarto? — perguntou, com um arquejo de ironia.

— Talvez o coração esteja cobrando por todas as suas arrogâncias.

Arthur tentou alcançar o telefone. Verônica chutou o aparelho para longe.

— Você já perdeu, Arthur. Morra com um pouco de dignidade.

O magnata tombou no chão, os olhos fixos na mulher que um dia amara. Verônica. A mulher que agora lhe assistia morrer como quem vê uma vela se apagar: sem emoção.

A cidade acordou com a manchete:

**“Arthur Castellani, o magnata das telecomunicações, morre aos 49 anos após infarto fulminante.”**

Verônica, agora viúva, chorava em frente às câmeras. Hugo surgia como o novo herdeiro do império, legitimado por uma papelada bem forjada. E nos bastidores, o testamento de Arthur sumia misteriosamente, enquanto o nome do único filho — **Bruno Castellani**, de apenas oito anos — desaparecia dos registros oficiais.

Bruno, órfão da primeira esposa de Arthur, era visto como um empecilho. Verônica se livrou dele como se se livra de uma roupa velha. Internado num orfanato distante, esquecido pela mídia, ignorado pelo sistema. Um herdeiro arrancado de tudo, jogado entre paredes frias, camas de ferro e olhos que não tinham piedade.

**

Anos se passaram.

Bruno cresceu escondendo as lágrimas, engolindo a dor com a mesma fome com que comia os restos da cantina. Era bonito — um menino moreno de olhos claros e feições fortes —, mas isso só lhe causava mais problemas. As cuidadoras o desprezavam. Os colegas o invejavam. E quando os castigos não bastavam, vinham os abusos.

Tentou fugir uma vez, com doze anos. Foi pego. Apanhou. Jurou que nunca mais tentaria. Mas não por medo. Por estratégia. Ele aprenderia a escapar do jeito certo.

Aos vinte anos, Bruno já era alto, sarado de tanto carregar o peso do mundo nas costas. Os olhos, antes inocentes, agora eram espelhos partidos — reflexos de tudo que viram, de tudo que perderam. Naquela noite, uma das cuidadoras tentou invadir seu quarto. Ele a empurrou, pulou pela janela e correu.

Para sempre.

**

As ruas não eram mais cruéis do que o orfanato. Ele sabia se virar. Roubar um lanche. Dormir nos fundos de lojas. Evitar confusão. Mas naquela madrugada chuvosa, o destino decidiu brincar mais uma vez.

Viu uma mulher sendo cercada por dois homens. Um a puxava pela bolsa, o outro segurava seu braço. Bruno não pensou. Avançou com raiva acumulada por anos. Um chute, um soco, uma corrida dos agressores.

A mulher caiu sentada na calçada, ofegante. Molhada. Com o salto quebrado e os olhos cheios de lágrimas.

— Você tá bem? — ele perguntou, com a voz rouca.

Ela olhou para ele com espanto. O rapaz parecia uma pintura quebrada — sujo, maltrapilho, mas com um rosto que fazia o coração acelerar.

— Eu... sim. Acho que sim. Eu... perdi tudo hoje. Um caso importante. O chefe disse que se eu não ganhar algo até sexta, tô fora. E agora isso...

Ela começou a rir de nervoso. Depois chorou.

Bruno não sabia o que fazer, então apenas se sentou ao lado dela na calçada.

— Eu sou Bruno — disse.

— Lorena.

O silêncio entre eles foi sincero. Pela primeira vez em anos, Bruno sentiu que podia falar. Contou sobre o orfanato. Sobre o pai morto. Sobre a madrasta. Sobre o sócio. Contou com raiva, com tristeza. Mas também com dignidade. Ele nunca se fez de vítima. Só queria justiça.

Lorena ouvia como se ouvisse um romance trágico. Mas a cada palavra, sentia algo mais forte: propósito. Aquilo não era apenas uma história triste. Era um caso.

— Você sabe que é filho de Arthur Castellani, não sabe? — ela perguntou, com os olhos brilhando.

— Eles fingem que não. Como se eu nunca tivesse existido.

— E se a gente provasse que você é o verdadeiro herdeiro? Que houve fraude, ocultação de herança, falsidade ideológica?

Bruno a olhou com ceticismo.

— E você acha que eles vão pagar pelo que fizeram?

Lorena sorriu. Um sorriso torto, carregado de falhas, derrotas e esperanças feridas.

— Eu perdi todos os meus casos. Mas nunca tive um motivo de verdade pra lutar.

Ela se levantou, estendeu a mão para ele.

— Vamos mudar essa história, Bruno Castellani. Começando pelo seu nome.

Enquanto o sol surgia no horizonte da cidade, Bruno e Lorena caminhavam juntos. Ele, com um novo destino pela frente. Ela, com um novo motivo para acreditar.

Mas nenhum dos dois sabia o que os aguardava: reviravoltas, perigos, armadilhas — e um amor tão perigoso quanto a própria vingança.

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Arleson Quadros

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2025-04-20

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