CAPÍTULO 3

No dia seguinte.

     Eu estava no meio de um raro momento de descanso, mergulhado num sono leve, quando senti algo saltar na cama. Num reflexo enraizado em anos de sobrevivência, minha mão disparou sob o travesseiro e agarrou a Glock. O ferro frio em meus dedos era quase reconfortante... até ver dois olhos arregalados me encarando.

Nicole.

Merda.

Guardei a arma rapidamente, o peito ainda arfando.

— Papai... assustei você? — ela perguntou, a voz fina carregada de uma inocência que me despedaça mais do que qualquer bala.

Suspirei, tentando recuperar o controle da respiração.

— Não, pequena... — murmurei, forçando um sorriso enquanto a mentira queimava na língua. — Eu só... só estava brincando. Um jogo de adultos, entende?

Ela soltou uma risadinha e, como se nada tivesse acontecido, começou a pular na cama, os cabelos desordenados dançando no ar.

— A Nana disse que tá fazendo panquecas com carinha feliz! E com calda! Muita calda! — disse, empolgada como se fosse o Natal.

Sorri de canto. Como alguém tão pequena podia carregar tanta luz num mundo tão imundo?

Me levantei e a puxei para o colo com um único braço, como quem apanha uma boneca viva prestes a despencar da beira da cama.

— E essa boca cheia de alegria aí... já viu a escova de dentes hoje, diabinha? — provoquei, arqueando uma sobrancelha.

Ela fez uma careta, encolheu os ombros e negou com a cabeça.

— Imaginei... — falei, fazendo um gesto dramático com a mão diante do nariz. — Porque o bafo de dragão já chegou antes de você, pequena. Marchando pro banheiro. Agora.

Ela soltou um gritinho e saiu correndo, tropeçando nos próprios pés de tanto rir. Eu ri também, baixo. Mas por dentro, ainda sentia o gosto amargo da culpa.

     Me vesti com calma. Camisa de tecido fino, abotoada até o colarinho, jaqueta de couro preta por cima. O reflexo no espelho ainda era o mesmo homem de sempre. Frio. Armado. Preparado pra guerra. Mas agora com uma boneca cor-de-rosa na sala de estar.

Após o café, era hora do interrogatório. Ou como chamaram na agenda: entrevista com as babás.

Me recolhi no escritório, acendendo um charuto sem pressa enquanto um dos seguranças trazia as candidatas.

A primeira entrou. Elegante demais, perfume forte demais. Um sorriso que mais parecia ensaiado que genuíno.

— Sente-se — disse seco, observando cada movimento dela como se estivesse diante de uma informante duvidosa. — Me diga uma coisa... Se alguém tocar um fio de cabelo da minha filha e você estiver por perto, quantos segundos levaria pra arrancar a cabeça desse maldito?

Ela riu. Achou que eu estava brincando.

Errou.

A entrevista terminou rápido.

     A segunda candidata nem chegou a sentar. Tremia tanto que parecia que ia desmaiar. Mal abriu a boca, soltou uma desculpa qualquer sobre um "problema de última hora" e correu antes que eu pudesse dizer mais uma palavra.

E então veio a terceira.

Eu estava escrevendo algo no papel quando murmurei, sem sequer levantar o olhar:

— Chame a próxima.

A porta se abriu e se fechou logo em seguida.

— Sente-se — ordenei, ainda concentrado na anotação.

Quando finalmente levantei os olhos, pronto pra mais uma decepção... engasguei na própria respiração.

Franzi o cenho.

Ela.

Scarlett.

A mulher da loja de brinquedos.

— Você...? — dissemos os dois ao mesmo tempo, como se o universo estivesse pregando uma peça maliciosa.

Ela olhou por cima do ombro, quase como se quisesse sair dali. Mas eu fui mais rápido.

— Sente-se — repeti, desta vez com um tom firme e definitivo.

Ela obedeceu, mas não por medo. Nos olhos dela, havia surpresa... talvez um pouco de desconfiança, mas medo? Nenhum.

— Quanta coincidência — murmurei, com um meio sorriso enigmático. — Scarlett... — deixei o nome pairar no ar, esperando que ela preenchesse os espaços.

— Scarlett Cole — disse, erguendo o queixo. — E você... você deve ser o senhor Gabriel Martinéz.

     Eu assenti lentamente, o olhar preso nela como se eu pudesse arrancar os segredos só com a força da minha presença.

Por que caralhos essa mulher me intriga tanto?

— Me fale sobre você, señorita Cole... — falei, cruzando os braços e deixando a voz escorregar mais grave — Pelo sobrenome, presumo que seja americana... estou errado?

Ela arqueou um canto da boca num meio sorriso. Mas não abaixou o olhar. Isso já me dizia muita coisa. Não era uma coelhinha assustada.

— Sim... — respondeu, firme — Meus pais vieram pra Espanha quando eu era pequena. Vivi a vida toda aqui. Eles... se foram. E eu tive que me virar. Estudei, me formei, trabalhei como professora infantil por alguns anos... — ela empurrou o currículo sobre a mesa. — Está tudo aí.

     Eu a encarei, absorvendo cada palavra. Ela falava como alguém que passou por merda... mas sobreviveu. E não só isso. Cresceu com isso.

Mas como o filho da puta desconfiado e calejado que eu sou, puxei o laptop e comecei minha própria investigação enquanto ela falava. Ninguém entra na minha casa sem eu saber até quantas obturações tem na boca.

— Me passa seus documentos, por favor — pedi, seco, já digitando.

Ela abriu a bolsa e me entregou como quem entrega o café da manhã. Tranquila. Demais.

Enquanto eu checava, o silêncio se estendeu. Eu lançava olhares rápidos entre a tela e ela. Esperando alguma reação, algum vacilo. Mas Scarlett continuava impassível. Sentada com a postura de quem sabe o próprio valor.

Todos os dados batiam. Os documentos eram reais. O histórico profissional? Limpo. Sem manchas. Sem tretas.

— Bom... aqui estão seus documentos de volta — disse, empurrando pra ela.

Me recostei na cadeira, cruzando os dedos diante da boca.

— Gostei do seu perfil, Scarlett... — deixei o nome escapar com gosto. — Mas você sabe que vai ter que morar aqui, né? Isso faz parte do pacote.

Ela assentiu sem hesitar.

— Isso não é um problema pra mim — disse, direta, como se estivesse me falando que o céu é azul.

— E você... — soltei, inclinando o rosto, deixando o olhar escorregar devagar por ela — Não tem ninguém? Um namorado possessivo? Um amante ciumento?

Era uma pergunta disfarçada. Mas eu queria saber. Porque carne nova naquele território... eu sempre dava um jeito de provar.

Ela me encarou. De frente. Sem um pingo de medo.

— Não, eu não tenho. — E então se inclinou levemente sobre a mesa, como se dissesse "te escuto, mas não me quebro fácil". — E mesmo que tivesse... não teria importância. Estou aqui pra cuidar da sua filha. Não pra fazer parte de qualquer outra... função.

Essa mulher.

Quebrava todos os padrões. E isso, puta madre, me excitava mais do que qualquer coisa.

Me levantei, rodeei a mesa, parando bem na frente dela.

— Bom... então seja bem-vinda à casa Martinéz. — Sorri de canto, mas meu tom mudou, mais baixo, quase num sussurro ameaçador. — Mas deixa eu deixar uma coisa bem clara, senhorita... se você machucar minha filha, se deixar algo passar, se um arranhão sequer aparecer nela por descuido seu... eu não vou gritar, nem chamar a polícia... Eu mesmo vou te enterrar. E vai ser devagar.

Qualquer outra mulher teria engolido seco, gaguejado ou simplesmente fugido. Mas Scarlett?

Ela apenas levantou uma sobrancelha. Não disse nada. Nem se moveu. E esse sangue frio todo me deu vontade de sorrir.

Ela se levantou com calma. E claro... meu olhar desceu por instinto. Aquela bunda empinada num jeans justo foi como um murro no peito. Porra.

Ela saiu do escritório sem dizer mais nada.

E eu fiquei ali, parado.

Scarlett Cole. Você vai me dar dor de cabeça, não vai?

E, por algum motivo, eu gostei disso. Eu gostava de uma boa diversão temporária...

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Comments

Mônica

Mônica

GABRIEL, vc tem uma missão: fazer q esse livro seja melhor q o do Ramon, missão difícil devo admitir.
Scarlatt, e a sua devo dizer q é, quase, impossível.
Luna é inexplicável, apaixonante, determinada, destemida, forte. MULHER.

2025-04-15

41

Samara Nogueira de Freitas

Samara Nogueira de Freitas

acho q tem cheiro de vingança por aí, talvez ela seja uma federal disfarçada. sei não Conor, abre bem os olhos, pense com a cabeça e seu instinto e não cm a cabeça de baixo.

2025-04-15

6

Ana clara Lima

Ana clara Lima

Ele esconde segredos demais. Acho que é o mais machucado dia três. Desculpa autora vou esperar você terminar tudo, se não fico muito ansiosa e acabo esquecendo detalhes crucias dela, mas amo sua escrita ainda vou ver seus livros no Kindle volto em breve🐝

2025-04-21

0

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