Capítulo 5 – Um passeio inesperado
A manhã começou silenciosa, como sempre. Luiza acordou antes do sol nascer, com o ronronar suave de Nuvem aninhado contra seu pescoço. O gato já se sentia em casa — diferente dela.
Sentou-se na cama e olhou em volta. O quarto era grande, confortável, mas ainda estranho. Nada ali tinha sua cara. Nem suas coisas. Nem seu cheiro. Era como viver numa vitrine: tudo bonito demais, mas sem alma.
Seu estômago doía. Já fazia dois dias que ela praticamente não comia. Apenas uns goles de água e, vez ou outra, um pedacinho de fruta. O luto era como um buraco negro dentro do peito.
Ela acariciou Nuvem com os olhos úmidos. — Pelo menos você não vai me deixar... né?
O gatinho respondeu com um miado baixo, como se entendesse.
Foi quando escutou passos firmes no corredor. Ela sabia exatamente quem era. Reconheceria o som das botas de Sebastian mesmo em meio a um furacão. Ele tinha uma presença que invadia qualquer ambiente — até sem dizer uma palavra.
A porta se abriu devagar.
— Bom dia — ele disse com a voz baixa, quase gentil. — Já acordada?
Ela apenas assentiu com a cabeça.
— Tô pensando em sair pra comprar algumas coisas pro Nuvem. Caixa de areia, ração... essas coisas. Quer vir comigo?
Luiza o encarou com surpresa. Ele... estava convidando ela para sair?
— Eu posso ficar aqui. Você pode comprar o que quiser sozinho — ela disse, abraçando os joelhos. — Não tô muito a fim de... lugares.
Ele respirou fundo.
— Luiza, eu sei que tá sendo difícil. Mas você precisa sair um pouco. Pelo menos pegar um pouco de ar.
Ela mordeu o lábio, hesitando. A verdade era que ela queria sair. Parte dela queria fingir, por alguns minutos, que a vida não estava em ruínas. Queria ver o mundo lá fora. Mesmo que fosse só para comprar ração de gato.
— Ok... mas só se for rápido — murmurou.
Sebastian assentiu com um leve sorriso no canto da boca.
— Prometo. Só a loja e de volta. E... podemos passar numa cafeteria, se quiser.
— Sem cafés — ela rebateu. — Me lembram do meu pai.
Ele não insistiu. Apenas virou-se de costas.
— Te espero no carro em 20 minutos.
O carro preto parecia mais um trono sobre rodas. Vidros escuros, couro impecável, cheiro de perfume amadeirado e poder. Luiza se sentia pequena ali dentro. Deslocada. Como uma boneca de porcelana perdida entre os leões.
Sebastian dirigia em silêncio, uma mão no volante, a outra apoiada na janela. Tinha um terno escuro impecável, como se estivesse indo fechar um contrato milionário e não comprar areia higiênica.
— Você parece que vai pra uma reunião importante — ela comentou, sem olhar diretamente pra ele.
— Esse é meu uniforme — ele respondeu, sem tirar os olhos da estrada. — Hábitos antigos.
— Você não cansa de viver como se estivesse num filme de máfia?
Ele olhou pra ela, rápido, com um sorriso de canto.
— E quem disse que não estou?
Ela revirou os olhos, mas o canto da boca ameaçou um sorriso. Era a primeira vez que trocavam uma provocação sem um clima pesado entre eles.
A loja de pets era enorme e moderna. Luiza ficou paralisada na entrada, encarando as prateleiras infinitas com tudo o que ela poderia imaginar — brinquedos, rações, caminhas, arranhadores, roupinhas.
— Escolhe o que quiser pra ele — Sebastian disse. — Tudo.
— Tudo?
— Tudo.
Ela hesitou. Parte dela queria correr entre as prateleiras e pegar cada coisa fofa que visse. Outra parte só queria se enfiar num buraco.
— Ele vai querer um arranhador — ela sussurrou, pegando um com formato de castelo.
— Parece caro — Sebastian comentou, provocando.
Ela o olhou, séria.
— Você disse tudo.
Ele ergueu as mãos em rendição.
— Eu cumpro o que prometo.
Luiza começou a se soltar, mesmo que aos poucos. Escolheu uma caminha peluda azul, duas tigelas de cerâmica, um ratinho de pelúcia e um potinho de biscoitos. Sebastian apenas observava de longe, com aquele olhar atento que sempre parecia enxergar mais do que devia.
— Ele vai se sentir em casa agora — ela disse, já no caixa.
— E você? Vai se sentir em casa também?
Luiza engoliu em seco. A pergunta pegou em cheio.
— Ainda não sei — respondeu baixinho.
Eles voltaram para o carro em silêncio, mas dessa vez o clima era menos tenso. Quase... confortável.
No meio do caminho, Sebastian parou em frente a uma pequena padaria.
— Não é uma cafeteria. Mas tem pão de queijo e suco de laranja fresco.
Ela sorriu de leve.
— Você sempre tenta dar um jeito nas coisas?
— Só quando vale a pena.
Luiza ficou vermelha e virou o rosto pra janela.
De volta à mansão, ela passou a tarde montando o espaço do Nuvem com cuidado. Colocou a caminha ao lado da sua, os brinquedos perto e ajeitou as tigelas no canto do quarto.
Sebastian apareceu na porta no fim da tarde, encostado no batente com os braços cruzados.
— Tá bonito o cantinho dele.
— Ele merece.
— E você? Vai montar um cantinho pra você aqui?
Ela suspirou e o encarou, dessa vez com sinceridade.
— Ainda tô tentando entender se essa casa tem espaço pra mim... ou só pro que restou de mim.
Sebastian não disse nada de imediato. Entrou no quarto devagar, sentando-se na beirada da cama.
— A casa é sua agora, Luiza. Mas mais do que isso... você é minha responsabilidade. Eu prometi ao seu pai que cuidaria de você. E vou cumprir isso. Mas não como uma obrigação. Eu quero cuidar de você.
Ela abaixou os olhos, confusa, tocando as orelhas do gato que dormia.
— Mesmo que eu seja um fardo?
— Você não é um fardo. Você é... o que sobrou de alguém que eu amava muito. E se eu puder fazer você sorrir de novo, nem que seja uma vez por dia... já vai valer a pena.
O silêncio se instalou entre eles, cheio de significados não ditos. Luiza sentiu o peito apertar de um jeito diferente. Não era dor. Era... um calor estranho. Uma sensação de ser vista.
Pela primeira vez, ela não quis fugir do olhar dele.
Talvez... só talvez... Sebastian não fosse apenas o homem perigoso que todos falavam.
Talvez ele fosse exatamente o que ela precisava agora.
Alguém que não a deixaria quebrar sozinha.
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Atualizado até capítulo 39
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