Capítulo 3 – Frio como o silêncio
Doze dias.
Foram doze dias sem que Luiza dissesse uma única palavra a Sebastian.
Doze dias trancada no quarto, se alimentando mal e chorando em silêncio.
Ela não queria estar ali.
Na verdade, ela não queria estar em lugar nenhum. Queria o pai. Queria a antiga vida de volta. As risadas nas manhãs de domingo, as dancinhas na varanda, os abraços longos e seguros. E agora... só o vazio.
Mas naquela manhã, algo nela estalou.
Talvez tenha sido o cheiro do café recém-passado vindo da cozinha. Ou talvez tenha sido a exaustão de tanto se esconder da realidade. A dor ainda estava lá, profunda, sufocante... mas ela precisava respirar. Nem que fosse só por cinco minutos.
Luiza empurrou a porta devagar. O corredor da mansão era silencioso, quase solene. As paredes em tom escuro e os móveis antigos deixavam tudo com uma aparência fria, impessoal. Era como se a casa refletisse o homem que agora era seu responsável.
Desceu as escadas devagar, sentindo o chão de madeira ranger sob seus pés descalços. Estava pálida, mais magra, com olheiras profundas. A camisa larga e o short pareciam engolir o corpo.
Na cozinha, Sebastian estava de costas, preparando o café. Ao ouvir os passos, virou lentamente.
Os olhos dele encontraram os dela, mas ele não disse nada.
Luiza também não.
O silêncio entre os dois foi quase sufocante.
Ela desviou o olhar e caminhou até a bancada, puxando uma caneca. As mãos tremiam levemente, mas ela se obrigou a ignorar. Despejou o café, sentindo o aroma forte subir até o nariz. Era estranho como um cheiro tão comum podia ser tão reconfortante.
Sentou-se à mesa, tomando o primeiro gole. Estava quente. Forte. Quase amargo.
Assim como ele.
— Achei que ia passar a vida no quarto — a voz dele finalmente quebrou o silêncio, grave e firme.
Ela não respondeu.
— Pensei que você ia desmaiar de fraqueza — continuou, cruzando os braços e se encostando na pia. — Mas fico feliz que tenha saído.
— Não fiz isso por você — ela murmurou, sem encará-lo.
— Eu sei.
— E não quero conversar.
— Também sei.
Ela ergueu os olhos, encarando-o com mais firmeza agora.
— Só tô aqui porque... meu pai confiava em você. Só por isso.
Sebastian não reagiu. Apenas observou. A postura dele era sempre a mesma: rígida, contida, como se controlasse cada palavra antes de sair. Como se carregar o mundo nas costas fosse um hábito.
— Eu nunca pedi pra vir pra cá — ela disse, a voz embargada.
— E eu nunca pedi pra perder meu melhor amigo.
A resposta foi seca. E atingiu como um tapa.
Luiza mordeu o lábio inferior, tentando conter as lágrimas. Mas elas estavam ali, sempre à espreita, prontas pra escorrerem quando menos esperava. Levantou da mesa, deixando a caneca pela metade.
— Isso aqui... não é a minha casa. Nunca vai ser.
— Também não é a minha ideia de família perfeita, se isso te consola — ele respondeu, e havia algo em seu tom que beirava o sarcasmo.
Ela bufou, virou as costas e subiu as escadas de novo.
Mas naquela noite, comeu.
Nos dias seguintes, Luiza começou a sair do quarto com mais frequência. Não por vontade. Mas por necessidade.
O clima entre os dois continuava o mesmo: cortante. Ela mal falava com ele. Quando o fazia, era com frieza. E Sebastian... bem, ele não fazia questão de mudar isso.
Ele respeitava o espaço dela. Não forçava conversas. Mas observava tudo. Sabia cada passo, cada olhar cansado, cada suspiro no corredor.
E Luiza... notava. Mesmo quando não queria. O jeito como ele a estudava em silêncio. O modo como mantinha tudo sob controle, como se estivesse sempre pronto para o pior.
À noite, ela o ouvia falando ao telefone, em voz baixa. Palavras em italiano, ordens secas, tom sério. Ela sabia que ele estava envolvido com coisas perigosas — o pai dela sempre dizia que Sebastian era o tipo de homem que comandava no silêncio, com o olhar. E que ninguém ousava desafiá-lo.
Mas ali, dentro daquela casa, ele parecia... contido. Um animal ferido que escondia bem as cicatrizes.
Naquela noite, ela não conseguiu dormir. Desceu até a cozinha, silenciosa, procurando algo pra comer. Mas ao virar o corredor, deu de cara com ele.
Sebastian estava sentado na varanda dos fundos, camisa aberta, cigarro na mão, olhos perdidos no escuro da noite.
Ela ficou parada, sem saber se voltava ou falava algo.
— Tá com fome? — ele perguntou, sem virar o rosto.
— Um pouco.
— Tem torta de frango na geladeira.
Ela hesitou, depois entrou na cozinha. Pegou um pedaço e voltou, devagar. O frio da madrugada arrepiou sua pele. Sebastian estava quieto, olhando pro nada.
— Você conhecia meu pai há muito tempo? — perguntou, baixinho, sentando no sofá oposto.
Ele assentiu.
— Desde que você nem sonhava em existir.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, depois murmurou:
— Ele falava de você... mas eu nunca imaginei que um dia... você fosse...
— A última pessoa no mundo que te restou? — ele completou, olhando pra ela pela primeira vez.
Luiza sentiu o coração apertar. Não por ele. Mas pela verdade crua daquelas palavras.
— Não precisa gostar de mim, Luiza. — A voz dele era firme, sem emoção. — Só precisa sobreviver.
— E você? — ela perguntou. — Tá sobrevivendo?
Ele deu uma longa tragada no cigarro, depois soltou a fumaça no ar gelado da noite.
— Há anos.
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Atualizado até capítulo 39
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