O sábado chegou abafado e preguiçoso, com o sol encoberto por nuvens pesadas. Clara terminou suas tarefas mais cedo do que o normal, trocou o uniforme por um vestido simples e ajeitou o cabelo solto com os dedos. Estava ansiosa — não pelo encontro com as amigas, mas pela chance de respirar longe daquela casa. Longe dele.
Minutos depois, entrou no carro de Ana, sua melhor amiga desde a adolescência. No banco de trás, Letícia já a esperava com um sorriso travesso no rosto.
— Até que enfim, né? Tava achando que o patrão não ia deixar você sair — provocou Letícia, sempre afiada.
— O patrão não manda em mim — Clara respondeu, tentando soar firme, mas o calor subiu pelo rosto sem sua permissão.
Ana lançou um olhar suspeito pelo retrovisor.
— Tá vermelha. O que aconteceu?
Clara hesitou por um segundo. Parte dela queria guardar aquilo só pra si. Fingir que não significava nada. Mas bastou Letícia soltar um “Você ficou com ele, né?” pra que a parede desabasse.
— Ele me beijou — confessou, baixinho.
O carro explodiu em gritos e gargalhadas.
— O quê?! E você deixou? — Letícia arregalou os olhos, já montando o filme na cabeça.
— Eu não deixei. Quer dizer... foi do nada. Ele só apareceu e... aconteceu.
— E aí? — Ana perguntou, mais séria. — Você gostou?
Clara ficou em silêncio por alguns segundos, encarando a paisagem passando pela janela. As árvores, as casas, o céu cinzento — tudo parecia mais quieto do que sua mente naquele momento.
— Eu não queria gostar — respondeu enfim. — Mas foi... intenso. E confuso. E o pior é que desde então, ele fica aparecendo o tempo todo. Me provoca, me desafia. E eu não sei se quero bater nele ou beijar de volta.
— Isso é desejo, amiga — Letícia disse, rindo. — Bem-vinda ao clube das encrencadas por caras impossíveis.
— Mas ele é seu chefe — Ana completou, mais cautelosa. — E você sabe como essas coisas podem terminar. Ainda mais com o histórico que você tem...
Clara assentiu. Sabia disso. Sabia que se deixasse o coração escolher, podia se machucar — de novo. E talvez ainda mais fundo.
— Eu pedi pra ele se afastar — disse, tentando se convencer de que aquilo bastava. — Ele disse que sim… “por enquanto.”
As amigas se entreolharam. Nenhuma disse o que pensava em voz alta, mas Clara sentiu o peso no ar.
— Só não deixa isso te engolir, tá? — Ana disse, pegando sua mão. — Seja o que for, escolhe o que te faz bem. Não o que te destrói.
Clara forçou um sorriso, mas o coração apertou.
Porque no fundo… ela sabia que o que fazia bem e o que fazia mal estavam começando a se confundir.
Quando voltou pra casa, já à noite, Clara encontrou a sala vazia e as luzes apagadas. Mas sentia... ele estava ali. Observando, esperando. Subiu as escadas com o coração apertado, sentindo o ar pesado, como se o silêncio guardasse palavras não ditas.
Sabia que aquela história estava longe de terminar. E que o jogo apenas começara.
Ao entrar no quarto, tirou os sapatos devagar, tentando não fazer barulho. Mas antes que pudesse fechar a porta, ouviu a voz dele, baixa, vinda do corredor.
— Se divertiu?
Ela congelou. Sabia que ele estava lá. Sabia que aquela conversa viria. Mas ainda assim, o som da voz dele a desarmava.
Virou-se devagar, encontrando Rafael encostado na parede, braços cruzados, expressão indecifrável.
— Sim. Me diverti. — disse, firme.
Ele apenas assentiu, mas seus olhos diziam outra coisa. Não era ciúme. Era algo mais profundo. Um incômodo que ele não conseguia esconder.
— Que bom. — respondeu, antes de desaparecer na escuridão do corredor.
Clara ficou ali parada, sentindo que aquela noite ainda não tinha terminado — e talvez nem tivesse começado de verdade.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 37
Comments