Distância segura.

Clara evitou Rafael durante todo o dia. Cumpriu suas tarefas no andar de baixo e passou o restante do tempo no jardim, onde o silêncio era menos sufocante. Cada vez que ouvia passos pela casa, o coração disparava. E isso a irritava ainda mais do que o próprio beijo.

Ela odiava não estar no controle.

No fim da tarde, entrou discretamente para preparar o jantar. Rafael não estava por perto, e ela agradeceu mentalmente. Talvez ele tivesse entendido o recado. Talvez aquele beijo tivesse sido um erro impensado que já passou.

Mas assim que virou com a travessa de arroz nas mãos, deu de cara com ele parado na porta da cozinha.

Ela respirou fundo, mantendo o olhar firme.

— Vai ficar me perseguindo agora?

— É minha casa — ele respondeu, se encostando no batente, braços cruzados. — Quem devia sair era você.

Clara estreitou os olhos.

— Se quiser me mandar embora, mande. Mas não vou tolerar suas jogadas. Estou aqui pra trabalhar, não pra brincar de gato e rato com você.

Rafael suspirou, passando a mão pelo cabelo.

— Não tô brincando, Clara.

Ela o olhou desconfiada.

— Jura? Porque parece que você tá tentando me testar o tempo todo.

Ele se aproximou um passo. Só um.

— Talvez. Mas não é só isso. Você é diferente de todo mundo que já passou por aqui. Não me trata como se eu fosse um prêmio, nem tenta agradar. Você me encara. Me desafia.

— Porque você não é melhor do que ninguém — ela retrucou, firme.

— E ainda assim, é a primeira pessoa que me faz pensar que talvez eu não precise ser. — A sinceridade em sua voz a pegou desprevenida.

Clara desviou o olhar, sentindo o estômago revirar. Não sabia como reagir àquilo. Rafael não era só arrogância. Havia algo por trás daquele olhar intenso, algo quebrado, talvez. Mas ela não podia se deixar levar.

— Isso não muda nada. O que aconteceu ontem… não pode se repetir.

— Por quê? — ele perguntou, dando mais um passo. — Porque você tem medo do que sentiu?

Ela mordeu o lábio inferior, nervosa.

— Porque eu não vim aqui pra isso. Eu tenho uma vida fora dessa casa. E você… você é problema demais.

Ele sorriu, mas havia dor naquele sorriso.

— Eu sou. Mas você também não parece ter uma vida muito simples, Clara.

Ela ficou em silêncio, encarando o chão. Ele não sabia de nada. Mas, de alguma forma, parecia enxergar através dela.

— Fica longe de mim, Rafael — pediu, num sussurro. — Por favor.

Ele assentiu, respeitando o limite. Pela primeira vez, deu dois passos pra trás.

— Por enquanto.

E saiu, deixando Clara com o coração disparado e a cabeça cheia de perguntas que não queria responder.

Clara ficou ali parada por longos segundos depois que ele saiu. Sentia as pernas trêmulas, como se algo tivesse sido arrancado de dentro dela e ela ainda não soubesse o que. Respirou fundo, apoiando as mãos no balcão.

Ela não podia se permitir sentir nada por ele. Rafael era um homem complicado, intenso demais, e ela não queria mais confusão na própria vida. Já bastava o que tinha deixado para trás.

Mas havia algo naquele olhar que a desconcertava. Ele carregava mágoas, ela sabia. Do tipo que ninguém vê, mas que pesam o suficiente para mudar um homem. E aquilo mexia com ela, mesmo que não quisesse admitir.

Mais tarde, enquanto lavava os pratos, pensou nas palavras dele. "Você também não parece ter uma vida muito simples." Como ele podia ver isso? Ela sempre foi boa em esconder. Sempre foi forte o suficiente pra não deixar ninguém perceber.

Mas Rafael... Rafael parecia ver tudo. E isso a assustava mais do que qualquer beijo roubado.

Subiu para o quarto e deitou-se de lado, encarando a parede. O silêncio da noite era quebrado apenas pelo som do vento lá fora. Mas dentro dela, o barulho era ensurdecedor.

Ela estava se afundando numa história que mal havia começado.

E não sabia mais se queria fugir disso ou se, no fundo, estava esperando que ele cruzasse a linha de novo.

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