Calista chegou em casa sem fazer barulho.
A casa onde morava era grande, mas não muito. Ao contrário das outras Famílias que residiam em mansões, a Família Haut morava em um terreno de casas compartilhadas. A casa tinha somente os cômodos necessários e os vizinhos eram simpáticos. De todas as Elites, eles eram os mais pobres. Viviam sendo excluídos de reuniões, de negócios e Calista duvidava muito que qualquer outra Família iria propor casamento para ela.
Ela era defeituosa, afinal. E seu irmão mais novo tinha apenas oito anos.
Nenhum deles era interessante o suficiente.
– Você chegou! – a voz do seu irmão era animada. Calista sorriu ao vê-lo correndo em sua direção. Os cabelos escuros curtos e olhos verdes brilhando para ela. Por um momento, ela pensou que ele iria abraçá-la, mas não, quando chegou perto o suficiente ele parou, consciente de sua pele.
– Você quer me dar um abraço?
– Sua pele…
– Está tudo bem. – seu irmão não hesitou em se jogar em seus braços. E droga. Doeu demais, mas Calista suportou, afinal que tipo de calor ele teria nessa casa se não fosse o dela? Sua mãe faleceu há anos e seu pai não os via já tinha muito tempo. Bete, a empregada da casa, era estranha e não falava quase nada com eles – Como foi na escola hoje?
– Foi legal. Hoje fizemos cálculos, a professora disse que eu sou um menino muito inteligente.
– E você é.
– Talvez. – disse tímido – E eu cresci também, meu uniforme já está batendo nas minhas canelas.
– Mesmo? Antes das suas aulas acabarem eu vou passar na alfaiataria e pedir para arrumarem para você.
– Tá bom... E você, maninha? Alguém te convidou para o Baile?
Calista caminhou tranquilamente para a cozinha, reparando no jantar que Bete fez para eles. Hoje seria ensopado de legumes. Perfeito.
– Hm... Não.
– Então não temos escolha. Eu vou com você!
– Alekos, eu fico lisonjeada mas não precisa. – ela pegou seu prato e colocou duas colheres cheias de caldo – Eu posso ir sozinha, de qualquer forma, só estou indo porque será bom para a Família Haut.
– Mas a nossa família somos só eu e você, Cali. O papai não liga para a gente.
Calista apertou o cabo da colher, o entortando um pouco. Era óbvio que o pai não se importava com eles, mas para que destruir boas memórias de Alekos?
– Eu acho que ele está muito ocupado, só isso.
– O ano todo?
– Você sabe se a Bete trouxe meus remédios? – ela tentou mudar de assunto.
Alekos assentiu, com um olhar sombrio demais para uma criança.
– Eu vou estudar muito para conseguir um bom emprego e tirar a gente daqui, Cali. Eu mesmo vou ter condições de comprar seus remédios e até comprar roupas melhores para você. Não vamos precisar mais do papai, nem da Bete. Só vamos precisar um do outro.
– Mal posso esperar por esse dia. – ela sorriu confiante – Até lá, estude muito. Eu vou ser todo o apoio que você precisar.
A expressão de Alekos se suavizou um pouco, o que deixou Calista melhor.
Depois do jantar, ela foi conferir se seu irmão fez o dever de casa enquanto ele tomava banho. Faltavam poucas semanas para o fim das aulas do ano, ela realmente não entendia porquê a professora ainda passava essas lições. Pelo menos Alekos havia acertado tudo. Assim que o pequeno saiu, ela o colocou na cama e contou uma história para ele. Uma história feliz de dois irmãos que ficaram ricos e viajaram pelo mundo colecionando tesouros.
Calista notou um pequeno sorriso nos lábios dele enquanto dormia e saiu devagar fechando a porta.
Finalmente ela podia desabar perante a realidade que viviam.
Alekos não estava errado.
Ninguém se importava com eles.
Sempre foi e sempre será ambos contra todo o resto.
Ela voltou para a cozinha, olhando para o vidro de remédio em cima da pia. O remédio impedia que sua pele ficasse muito mais sensível e reduzia as dores constantes que sentia. Não resolvia totalmente seu problema mas era eficaz.
Ela tomou três cápsulas de uma vez.
– Senhorita. – a voz de Bete soou neutra atrás dela – Hoje seu treinamento será de resistência a fogo.
Claro.
Calista não podia se esquecer que mesmo que sua pele fosse delicada, ao mesmo tempo não era. Ela era uma Haut afinal. Vinha de uma família com a pele capaz de fazer coisas que as outras Famílias não podiam. Ela treinava com Bete desde que se lembrava por gente. Resistência a fogo, a lâminas, a gelo, a substâncias e até tiros. Mesmo que ela implorasse para não ter aqueles treinamentos, não havia misericórdia. Bete não se importava se ela desmaiasse de dor em minutos, o que acontecia vezes demais para seu gosto. Seu corpo e sua mente tinham que aguentar. Mas Calista já não aguentava mais. Quando teve a rara chance de se encontrar com seu pai e perguntar o motivo disso, a resposta foi que ela era perfeita demais.
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Atualizado até capítulo 23
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