O cheiro do café preenchia o ar, mas nada na cozinha parecia acolhedor. Clara ainda mantinha os olhos firmes em James, esperando por uma resposta que mudaria tudo. Ele respirou fundo, ergueu a cabeça e começou a falar com uma voz baixa, quase ofendida:
— “Clara... por favor. Não fala assim. Como você pode pensar isso de mim? Eu nunca faria mal à Sophie.”
Ela não respondeu. Apenas esperava. Ele continuou, agora com as mãos espalmadas sobre a mesa, como se precisasse parecer mais sincero:
— “Você sabe o quanto eu amo essa menina. Eu tô aqui desde que ela era um bebê. Troquei fralda, botei pra dormir, ensinei a andar de bicicleta. Eu só... só queria dar carinho, dar atenção.”
Clara estreitou os olhos, mas não o interrompeu.
— “Mas ela tá numa fase difícil, você sabe. Adolescente... cheia de manias, de drama. Qualquer coisa vira uma tempestade. Ela tá mimada, Clara. É isso. Tá sensível demais.”
Clara apertou os lábios. A imagem da filha tremendo na calçada, sem conseguir dizer uma palavra, atravessou sua mente como um raio.
— “Você acha mesmo que foi só isso?” — ela perguntou, com a voz mais baixa ainda, como se estivesse medindo cada sílaba.
James se inclinou pra frente, tentando soar convincente:
— “Clara, por Deus. Você acha que eu ia querer... isso com a filha da minha mulher? Isso é doentio. Eu só tentei chamar ela pra sentar comigo, como já fiz tantas vezes. Talvez ela entendeu errado, talvez eu tenha agido de um jeito estranho, eu admito... mas nunca foi com maldade.”
Clara ainda não dizia nada. Ele se endireitou na cadeira, voltando ao tom defensivo:
— “Ela tá ficando rebelde, é isso. Já não escuta mais a gente, não conversa. Fica nesses livros o tempo todo, se isola. Eu só queria me aproximar, mas qualquer coisa agora é motivo pra drama. Eu tô cansado, Clara. Tô tentando ser pai, mas até isso me condenam.”
Ela olhou pra xícara ainda cheia, as mãos pousadas sobre o colo, quietas. Havia algo na voz dele — aquela mistura de vitimismo e justificativas — que a deixava desconfortável. Como se cada palavra estivesse sendo cuidadosamente moldada pra não parecer o que realmente era.
Mas mesmo em dúvida, mesmo com o medo, algo dentro dela já não voltaria mais ao que era antes. A semente da desconfiança tinha brotado.
E, no fundo, ela sabia: pais de verdade não causam medos em seus filhos.
O céu alaranjado começava a pintar os telhados da pequena cidade enquanto Clara dirigia com Sophie ao lado, quieta no banco do passageiro. A menina abraçava um dos livros contra o peito, com os olhos perdidos pela janela, como se procurasse respostas no horizonte. Clara manteve o silêncio. Não queria pressionar — só queria protegê-la.
A casa dos pais de Clara ficava num bairro tranquilo, cercado por árvores altas e com uma cerca branca que precisava de pintura. A casa era simples, mas o aroma de café fresco e biscoitos caseiros que vinha de dentro era um abraço que aquecia por dentro. Clara apertou a mão de Sophie antes de bater na porta. A menina sorriu pela primeira vez naquele dia.
— “Vai ficar com a vovó e o vovô hoje, tá bem? Eles estavam morrendo de saudade de você.” — disse Clara, suavemente.
Sophie assentiu, e logo correu para os braços da avó que vinha apressada do fundo do corredor. O avô a esperava na poltrona, sorrindo com um jornal no colo.
Mais tarde, depois do jantar, Clara pediu um momento sozinha com sua mãe. Subiram até o antigo quarto dela, agora transformado num pequeno ateliê de costura, mas ainda com traços da adolescência estampados nos móveis. Sentou-se na beira da cama e suspirou, mexendo nervosamente nos dedos.
— “Mãe... eu tô com um aperto no peito. Eu precisava falar com alguém.”
A senhora, de olhos bondosos e cabelos presos num coque baixo, largou a almofada que costurava e sentou-se ao lado da filha, com atenção plena.
— “É o James?”
Clara assentiu lentamente.
— “Tem algo... estranho acontecendo. Com ele. E com a Sophie.” — fez uma pausa — “Hoje de manhã eu conversei com ele. Perguntei direto. Se ele tinha alguma má intenção. Ele negou, claro. Disse que só estava tentando ser pai, que a menina tá rebelde, mimada, essas coisas…”
A mãe de Clara apertou suavemente sua mão.
— “Mas não é só isso, né, minha filha?”
Os olhos de Clara marejaram.
— “Não, mãe. A Sophie saiu de casa tremendo, assustada... E eu vi. Eu senti. Alguma coisa aconteceu. Mas ao mesmo tempo... eu olho pra ele e vejo o homem que cuidou da minha filha desde o nascimento. Eu me sinto como se estivesse traindo ele só por pensar isso.”
A mãe respirou fundo, firme:
— “Você não tá traindo ninguém. Você tá protegendo a sua filha. Instinto de mãe nunca falha. Se tem algo aí, por menor que pareça... confie na sua intuição. James é adulto. Ele sabe se defender. Mas a Sophie... ela só tem você.”
Clara enxugou discretamente uma lágrima e assentiu.
— “Obrigada, mãe. Eu precisava ouvir isso. Hoje ela vai ficar aqui, amanhã eu venho buscar. Só... me promete que se ela disser qualquer coisa, você me conta?”
— “Claro, minha filha. E se você quiser, pode deixar ela por mais dias. Aqui ela tá segura.”
Clara se levantou, deu um beijo carinhoso na testa da mãe e saiu do quarto com o coração pesado, mas um pouco mais firme. Sabia que a estrada à frente não seria fácil. Mas pela filha, ela enfrentaria qualquer tempestade
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Atualizado até capítulo 110
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