O sol nascente tingia o céu de um laranja pálido quando Aurora deixou o hotel. Com o coração apertado e a mochila nas costas, ela sabia que continuar fugindo só a levaria para dentro de um labirinto sem fim. Precisava entender quem ele era. O que o ligava a ela. Porque, entre todos, ele a havia escolhido.
Foi até um café discreto, onde se sentou no fundo com seu notebook. Pela primeira vez, decidiu confrontar o desconhecido com o que tinha: as poucas pistas deixadas por ele. Vasculhou cada e-mail, cada bilhete, cada foto. Procurava um padrão, um erro, um detalhe que ele pudesse ter deixado escapar. E então, algo chamou sua atenção.
Um número — gravado discretamente no canto de uma das fotos. Um código. Digitou-o no navegador, acompanhando de uma intuição incômoda. Foi redirecionada a um fórum obscuro, escondido nas profundezas da internet. Um lugar onde obsessões eram compartilhadas como troféus. Relatos de perseguição. Registros de vigilância. E entre os perfis, um nome a fez gelar.
ShadowThirst. (sede de sombra)
Havia fotos dela. Textos. Frases que ele escrevera nos bilhetes. Ele não apenas a perseguia — compartilhava cada passo com outros como ele. Transformava o medo dela em espetáculo.
Aurora sentiu náuseas. Seu corpo tremia enquanto lia cada postagem. Uma delas era recente: "Ela correu. Mas como toda presa cansada, vai parar. E quando parar, eu estarei lá. Pronto para torná-la minha."
Fechou o notebook de repente. As pessoas à sua volta pareciam alheias ao horror que ela enfrentava. Sentia-se invisível, sufocada por uma realidade paralela que ninguém enxergava.
Decidiu ir até a polícia. Pela primeira vez, a ideia de se calar parecia pior do que o medo de enfrentá-lo. Entregou tudo: os bilhetes, as fotos, os prints. O detetive que a atendeu, um homem de expressão dura e olhos cansados, ouviu em silêncio. Fez anotações. Perguntou pouco.
— Vamos investigar — disse ele, com a frieza que a burocracia impõe. — Mas sem provas diretas, não há muito que possamos fazer. Nenhuma câmera, nenhuma digital. Ele é cuidadoso.
Era como se ela estivesse pedindo socorro em uma língua que ninguém compreendia.
Naquela noite, Aurora voltou ao hotel. Mais lírios. Outro bilhete, preso ao espelho do banheiro:
"Você está linda quando luta. Mas ainda mais quando desiste."
Ela caiu no chão, em prantos. Mas, entre as lágrimas, algo diferente começou a nascer. Não era coragem. Era fúria. Um instinto primitivo. Um desejo de virar o jogo.
Pegou seu notebook novamente. Voltou ao fórum. Criou um perfil falso. Começou a responder às mensagens. A se infiltrar. Descobrir padrões. Nomes. Vidas. Descobriu que ShadowThirst usava uma rede de dispositivos com IPs mascarados. Mas havia um erro — um comentário feito a partir de uma localização não protegida. Um café em uma cidade vizinha. No dia em que ela esteve lá.
Ele estava sempre próximo. Mais do que ela imaginava. Talvez até tivesse passado por ela na rua.
Na madrugada seguinte, armada com uma pequena câmera escondida e o celular gravando tudo, Aurora voltou ao mesmo café. Sentou-se no mesmo lugar. Esperou. E observou.
Um homem sentou-se duas mesas à frente. Alto, bem vestido, barba bem feita. Carregava um livro. Não parecia perigoso. Mas seus olhos encontraram os dela por um instante, e havia algo ali. Algo escuro.
Ele sorriu.
Aurora sentiu a pele arrepiar. Olhou para o telefone. A gravação seguia. Quis sair correndo. Mas precisava saber. Precisava ter certeza. E então ele se levantou. Deixou o livro sobre a mesa. Saiu calmamente.
Aurora esperou alguns segundos, depois se aproximou. Abriu o livro com as mãos trêmulas.
Dentro, havia uma flor seca. Um lírio. E uma página marcada com uma única frase escrita à mão:
"Você me vê, mas ainda não me enxerga. Em breve, verá tudo."
Ela deixou o café cambaleando. A certeza era cruel: ele não era apenas um psicopata à espreita. Ele era meticuloso, paciente e completamente obcecado. Mas agora, ela também estava preparada. Se ele queria jogar, ela aprenderia as regras. E talvez, só talvez, o usasse contra ele.
Durante aquela noite, Aurora revia a gravação do café inúmeras vezes. Em câmera lenta, em loop. O homem do sorriso suave. O momento exato em que ele a olhou. Era como se houvesse uma camada oculta naquela troca de olhares — algo que ele quis que ela percebesse. Não era uma ameaça explícita, era uma provocação, um lembrete de que o controle estava com ele.
Ela começou a montar um mural de conexões no quarto do hotel. Nomes de usuários do fórum, horários de postagem, locais que coincidiam com suas rotas. Usou mapas impressos, fios vermelhos, anotações em papéis. Estava virando parte daquilo. Mas, ao mesmo tempo, tomava controle. Estava assumindo a narrativa.
No meio da madrugada, o telefone do quarto tocou. Aurora congelou.
— Alô? — sua voz mal saiu.
— Gosto de vê-la assim. Desperta. Viva. — a voz dele vinha abafada, quase como um sussurro. — A cada passo que você dá, sinto você mais perto de mim. Está sentindo também?
Ela desligou. O corpo inteiro tremia, mas sua mente estava alerta. Anotou a hora exata da ligação. Correu até a recepção, exigiu saber de onde vinha a chamada. O funcionário, confuso, explicou que ninguém havia passado a ligação. O telefone tocou diretamente, como se ele soubesse a linha interna.
Naquela noite, Aurora não dormiu. Estava cansada, exausta, mas não podia parar. A perseguição agora era mútua. Ela precisava encontrá-lo. Precisava desmascará-lo.
Ou ele a consumiria por completo.
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Atualizado até capítulo 26
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