Odeio levantar cedo em manhãs frias de outono, mas desde os meus dez anos faço todos os dias a mesma coisa. Me levanto, penteio os cabelos, me visto com o que tenho e ajudo minha avó a vender bolos nas ruas da cidade.
— Alina, deixe de preguiça e venha logo. Já dormimos com fome ontem, quer dormir hoje também?
— Vó, já lhe expliquei que um grupo de moleques me derrubaram no chão e atacaram os bolos, levei chutes enquanto estava no chão e não pude pegar a cesta de bolos a tempo.
Ela me olha irritada e me culpa mais uma vez por não termos comido nada ontem a noite. As vendas são divididas, ela vende para comprar mais material para fazer bolos e eu vendo para termos o que comer todos os dias.
Ontem foi meu aniversário de dezenove anos, não estudei porque minha avó não tinha condições de manter meus matérias de escola e uniforme. Sempre tivemos que escolher entre algo que eu precisava e nosso alimento.
A história que minha avó, Ariela, conta para mim é que meu pai iludiu a filha de uma vizinha dela aqui da rua. Quando essa mulher engravidou meu pai fugiu para o sul da cidade para a casa de uns primos dele.
Minha avó materna foi até a casa da minha avó Ariela e disse que minha mãe não iria criar uma bastarda e que quando eu nascesse iria me entregar para ela. Desde então a única mãe que conheço é minha avó Ariela.
Ela é ranzinza, mas acho que deve ser porque se viu sozinha tendo que criar um bebê que não era dela nas condições precárias que vive.
— Alina, hoje você não sairá de perto de mim, precisa vender o suficiente para que eu possa pelo menos fazer uma sopa. Você já é magra e baixa se ficar sem comer vai desaparecer.
— Me perdoe por ontem, vó.
Abaixo minha cabeça e saímos para mais um dia cansativo andando por horas. Aprendi a ler com a ajuda da minha vó e escrevo bem pouco, sei assinar meu nome e minha caligrafia é linda. Mas do que adianta se sei escrever poucas palavras?
Enquanto andamos percebo que minha avó parou mais vezes do que ela costuma parar, colocou a mão no peito algumas vezes e isso me preocupa. Não temos dinheiro para pagar consulta médica.
— Vó, vamos para casa, o que eu fiz dá para fazer uma sopa apenas para a senhora. Eu não estou com fome mesmo.
— Não diga besteiras, menina. Ainda tenho três fatias de bolo para vender, se formos embora agora como irei fazer bolos para amanhã?
Minha vó sempre foi muito teimosa e não há nada que a faça mudar de idéia. Ela só teve um filho vivo, meu pai, sua segunda gestação sua filha morreu uma hora depois do parto.
Ela costuma dizer que o que é ruim sempre sobrevive e o que é bom Deus leva para ele. Será que sou ruim e por isso estou aqui?
Voltamos para casa debaixo de chuva gelada, minha avó fez um fogão a lenha já que a madeira é mais fácil de encontrar do que comprar gás. Enquanto ela deita no pequeno sofá de dois lugares eu corro para esquentar água para um banho.
— Vó, a água do nosso banho já está esquentando. Espera só um pouquinho. — Quando eu iria me levantar ela segura minha mão.
— Alina, minha neta, preciso te contar uma coisa.
— Pode ser depois do banho, vó. Vou fazer nossa sopa. — Mas ela segura firme na minha mão e insiste.
— Eu sempre amei você, desde o momento que a sua mãe a entregou para mim, sempre amei você.
— Vovó, por que está falando isso agora?
— Se fui severa com você foi para ensiná-la a lidar com a vida lá fora, eles não serão gentis e tentarão te enganar assim como seu pai fez com sua mãe. Não me odeie, minha neta... Eu te amo.
Após essas palavras vi o rosto da minha avó perder o brilho, seus olhos se fecharam e nunca mais abriram. Fiquei ali sentada por duas horas chorando feito uma louca até que uma vizinha entrou e viu a cena mórbida.
Ela se juntou com outros vizinhos e me ajudaram com o enterro, deixaram algumas travessas com comida na mesa para mim. Não toquei em nada, peguei o agasalho da minha avó e me deitei na sua cama, dormi pesadamente.
— Alina? — sinto alguém me empurrar — Alina, acorde.
Ao abrir meus olhos e ver o rosto que sumiu por dez longos anos meu coração se aperta. Ele está aqui, meu pai está aqui.
— O que está fazendo aqui? Você não a amava.
— Olha como fala comigo, sua insolente. Você não vai ficar aqui sozinha. Vai morar comigo.
— Não! Eu não vou, te odeio.
— Prefere morrer de fome? Não demore para fazer sua trouxa de roupas, eu tenho pressa.
Ele sai de perto e eu abraço com força o travesseiro da minha avó... O que será de mim agora?
Alina
Calliope(melhor amiga)
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Simone
Já estou gostando do início da estória. Bora autora, publicar mais capítulos. 🥰
2025-03-13
32
Euridice Neta
Esse pai dela porque só apareceu agora? Deve ser algum idiota que não gosta de ter responsabilidades e com certeza vai envolve-la em suas falcatruas e vícios...
2025-03-24
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Ester menezes
só quem já passou por situações desse tipo entende essa vozinha 🥲 na minha casa já vivemos situação parecida , mas Deus sempre esteve presente pra nós socorrer 🙏
2025-04-29
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