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A boa notícia é: eles finalmente saíram do inferno de concreto mofado que chamavam de kitnet.
A má notícia é: eles ainda são os mesmos.
A vida melhorou, claro. Uma casinha modesta, comprada com muito suor e quase nenhum sono. Um lugar com dois quartos — um para as crianças e outro para o pai — onde ele pôde, com orgulho e uma leve culpa, enfiar um mini escritório no canto, entre a cama e a parede descascando. Coisa de vencedor, sabe?
Ha Joon-sik, agora aos vinte e oito, era um pouco mais magro, um pouco mais calado, e talvez um pouco mais feliz. Mas nada alarmante. Sentado no sofá, com um laptop no colo, digitava relatórios como quem costura o próprio caixão com linhas de Excel. O barulho das teclas preenchia o cômodo como chuva fina — constante, ignorada, quase terapêutica.
Os filhos estavam no chão. Aliás — corrijo — no tapete. Porque agora eles tinham um tapete. Pequeno, felpudo, comprado em promoção com cheiro de lavanda e promessas.
Na frente da TV, os três meninos vegetavam em paz aparente, cercados por brinquedos que pareciam menos brinquedos e mais oferendas num ritual caótico.
A televisão vomitava cores. O som era de desenho animado. Mas a conversa, ah… a conversa era de guerra fria.
— Não era pra você brincar com ela, Ji-hun. — Hyun-woo rosnou, sem levantar a voz, mas com os olhos faiscando.
— Ela é minha amiga, não sua. — Ji-hun retrucou com aquele olhar de quem já assinou a sentença do irmão e só está decidindo como executá-la.
— Você nem gosta dela, você só tá fazendo isso pra me irritar!
— E se eu tiver? Você vai fazer o quê, Hyun-woo?
E então, o duelo começou. Silencioso, passivo-agressivo, infantil, e deliciosamente tóxico. Como toda boa tragédia começa.
Hyun-woo estava possesso. Não só pelo irmão do meio, mas pelo caçula também, que agora tinha amigos. Ji-yoon, com seus cinco anos de realeza silenciosa, havia entrado na escola. E claro, virado o queridinho da professora, das colegas, dos colegas, do porteiro, do chão, da parede — e, aparentemente, de Deus.
O problema é que Hyun-woo não queria dividir ninguém. Ninguém. Seus irmãos eram dele. Não por carinho. Por direito.
Sim, direito.
O primogênito não queria uma família. Ele queria um harém emocional.
E Ji-hun… ah, Ji-hun também não estava ali para ser dominado.
Se Hyun-woo era ciumento como um amante infantil, Ji-hun era orgulhoso como um pequeno ditador territorial. Eles não sabiam o que faziam. Só sentiam.
No meio dos dois, esparramado como um sultão entre dois generais em guerra, estava Ji-yoon.
Deitado no tapete com as pernas esticadas e uma almofada nas costas, ele estava pouco se lixando.
Queria assistir televisão. Só isso.
— Vocês vão calar a boca? — perguntou com a doçura de um bisturi deslizando pela carne.
— Eu tô tentando ver desenho aqui. Se quiserem brigar, vai lá fora.
Ah, Ji-yoon. O pequeno tirano mascarado de cordeiro. Seu único interesse era manter sua zona de conforto: televisão, brinquedos e silêncio. Os irmãos? Peças úteis — quando calados.
Enquanto isso, Joon-sik continuava ali, ausente. Suas orelhas talvez tivessem captado algo, mas seu cérebro já aprendera a filtrar tudo que não fosse boletos, prazos e relatórios. Na superfície, era um pai responsável. No fundo… bom, ninguém desce até o fundo. Ainda.
Três alfas, brincando de amor e ódio, plantando sementes de guerra psicológica como quem planta margaridas. Crianças... ah, crianças... como é adorável quando o trauma ainda vem de fralda, né?
Eles se amam, claro.
De um jeito possessivo, ardente, grudado.
Como mãos demais num mesmo brinquedo — como corpos demais num mesmo abraço.
Eles também se odeiam.
De um jeito cúmplice, violento, silencioso.
Mas são irmãos.
E ninguém nunca acha que isso pode ser um problema.
Até ser tarde demais.
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Atualizado até capítulo 20
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