Terça passada passou. Hoje é quarta. Quarta é rotina. Quarta é possessão.

O amor deles começa cedo. Tóxico, claro, mas cedo. A raiz das coisas feias é quase sempre regada com leite morno, beijos na testa e mãos que seguram com força demais.

Ha Joon-sik estaciona o carro em frente à escola como se estacionasse a própria alma. Motor desligado, cabeça baixa por dois segundos. Apenas dois. O suficiente para lembrar-se de que é quarta-feira. Nada muda às quartas. E isso é mais assustador do que qualquer imprevisto.

Os filhos, três versões dissonantes de um mesmo erro bonito, descem do carro.

— Tchau, meus amores... — diz ele, beijando a cabeça de cada um. A mão grande afaga cabelos desobedientes, mas não impede as guerras internas que se seguem.

Hyun-woo desce primeiro, já com a aura de general em miniatura. Puxa os outros dois com naturalidade doentia. Uma mão em cada irmão. Leva Ji-yoon até a sala dele, entrega a mochila como quem oferece um tributo. Em seguida, conduz Ji-hun e repete o gesto, como se estivesse dizendo ao mundo que “eles são meus”. E eles são. Na cabeça dele, pelo menos.

Ninguém ousa se aproximar deles no corredor. Não por respeito — crianças não respeitam — mas por desconforto. Há algo na maneira como Hyun-woo se movimenta, como um cão de guarda elegante, como se os irmãos fossem suas propriedades e qualquer contato externo fosse uma invasão. E talvez... fosse mesmo.

Ji-hun aceita, como sempre, até onde lhe convém. Recebe a mochila das mãos do mais velho e vira de costas sem agradecer. O silêncio dele fala. Alto. É o tipo de silêncio que irrita o Hyun-woo profundamente. E ele sabe. Ji-hun sabe de tudo. Mas finge ignorância com maestria.

Domina em silêncio. Não precisa gritar. Só precisa existir. E isso, para Hyun-woo, é insuportável.

Ji-yoon, o caçula, desliza para sua sala como um sultão satisfeito. Não diz nada. Não retribui o toque. Não questiona. Só... aceita. Com o tipo de indiferença que faria qualquer outro irmão chorar no banheiro da escola. Mas Hyun-woo está acostumado. Ji-yoon é assim. Lindo, intocável, assustador.

O menino mais novo senta-se em sua carteira com o mesmo ar de quem senta num trono: perninhas cruzadas por baixo, mãos unidas sobre a mesa, olhos fixos na janela. O mundo lá fora era mais interessante. Menos barulhento. Menos Hyun-woo. Menos Ji-hun. Menos... tudo.

E Joon-sik?

Joon-sik já tinha voltado para o carro. Já ligava o rádio. Já entrava em outra quarta-feira igual a todas as outras. Relatórios, reuniões, café frio e um sentimento estranho de que alguma coisa, lá dentro, estava se quebrando. Não nele.

Nos filhos.

Mas ele ainda não sabia disso.

Ou talvez soubesse... mas escolhia fingir.

Afinal, crianças brigam, certo?

Mas e quando o que está nascendo ali não é briga... é vício?

Cuidado, Joon-sik.

A infância também sabe acorrentar.

---

(Parte 2) – Intervalos, Vigilâncias e Reafirmações de Posse

Hyun-woo não estuda. Ele mapeia.

Na sala, enquanto a professora fala sobre vogais e consoantes, ele já traça a próxima investida. Anota pouco. Mas anota mentalmente os minutos exatos em que poderá levantar a mão e dizer:

— Professora... posso ir ao banheiro?

E ela permite, sempre. Hyun-woo é educado, mesmo quando está prestes a fazer algo que ninguém pediu.

Ele caminha rápido pelos corredores, mas diminui o passo nas duas esquinas que realmente importam. A primeira, onde fica a sala de Ji-yoon. E, como sempre, ele espreita com o canto dos olhos.

Ji-yoon está lá. Cercado de vozes, risadinhas, mãos tentando puxá-lo para conversas imaginárias. Mas ele continua estático, elegante demais para parecer parte daquilo. A mochila perfeitamente alinhada do lado, os braços cruzados com uma calma teatral.

Hyun-woo observa. Mas não sente raiva. Ele sabe.

Sabe que Ji-yoon não liga para nenhum deles. São apenas... enfeites. Figurantes de um palácio que existe só na cabeça do caçula.

O problema não é Ji-yoon.

É Ji-hun.

A próxima esquina revela o segundo irmão. E Hyun-woo já antecipa o incômodo antes mesmo de ver. Porque ele sabe. Ji-hun faz de propósito.

Lá está ele. Sentado ao lado da tal garotinha. A tal que sempre inventa desculpas para pedir o lápis dele, rir alto demais ou encostar o ombro no dele. Paixonite infantil. Daquelas puras, inofensivas.

Inofensiva? Hyun-woo não pensa assim.

E o pior? Ji-hun sabe que está sendo observado. Ele sempre sabe.

Então ele vira o rosto, olha direto para o irmão parado na porta como uma sombra — e sorri.

Aquele sorriso.

Sorriso de quem diz:

“Você me possui. Mas eu te domino.”

Um pacto. Um duelo. Um jogo.

Hyun-woo abaixa os olhos. Depois segue.

Mas o sangue já começou a ferver.

---

No intervalo, os três se reencontram. Têm esse privilégio raro: mesma hora, mesmo pátio.

Mas ninguém mais se aproxima. Hyun-woo trata de garantir isso.

Ele chega primeiro, escolhe o banco mais isolado, posiciona-se ao centro, braços cruzados. Quando Ji-hun e Ji-yoon chegam, já sabem: não há espaço para terceiros. Só para eles.

— Com fome? — pergunta Hyun-woo, abrindo as lancheiras como quem divide o espólio da guerra.

— Um pouco — responde Ji-hun, pegando o lanche sem muito entusiasmo.

Ji-yoon nem responde. Apenas estica a mão. Pega o que quer. Como um príncipe alimentado por servos.

Se Hyun-woo está de bom humor — ou seja, se Ji-hun não flertou com ninguém e Ji-yoon manteve sua distância imperial — a conversa segue leve. Trocam pequenas observações sobre a aula, sobre o desenho que viram ontem, sobre o céu que está nublado demais.

Mas basta um detalhe fora do script...

— Aquela menina ainda tá te seguindo? — Hyun-woo solta, de repente.

Ji-hun ergue uma sobrancelha. Finge inocência.

— Que menina?

— Você sabe qual.

Ji-hun dá aquele meio sorriso. Lentamente morde o lanche.

Ji-yoon, do outro lado, assiste calado. Como se assistisse a uma peça em reprise.

Hyun-woo fecha as mãos. Respira fundo.

— Vocês são meus. — diz baixo. Como uma afirmação óbvia. Como quem diz “o céu é azul” ou “água molha”.

Ji-hun não responde. Mas olha. Sempre olha.

E Ji-yoon apenas assente com um bocejo preguiçoso. Como quem aceita a posse desde que continue confortável.

O sinal toca.

Eles se levantam. Em sincronia.

E voltam cada um para a própria sala, deixando no ar uma névoa estranha. Uma mistura de laço e corrente. De amor e algema. De irmãos... e prisioneiros.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!