A chuva batia suavemente contra a vidraça do meu quarto, acompanhada pelo leve estalar da lenha na lareira. O ar estava impregnado com o aroma da madeira queimada, um perfume familiar que, naquela noite, parecia incapaz de aquecer o nó apertado no meu peito.
Sentada diante do espelho de moldura dourada, observei meus próprios olhos verdes refletirem a inquietude que eu tentava esconder. Passei os dedos pelos fios negros do meu cabelo recém-tingido, sentindo a textura macia escorregar entre as pontas dos meus dedos. Ainda era estranho me ver assim — como se a garota do outro lado do vidro não fosse a mesma que conheci durante dezessete anos. Mas, ao mesmo tempo, havia algo libertador naquela mudança. Como se, de alguma forma, eu tivesse reivindicado uma parte de mim que sempre esteve aprisionada.
O vestido de cetim azul que usara durante o jantar ainda estava sobre a poltrona junto à lareira. As camadas de renda e os pequenos botões de madrepérola pareciam pertencer a outro mundo — o mundo ao qual esperavam que eu me conformasse. Mas, sentada ali com uma camisola simples de algodão branco, eu sentia que podia respirar. Pelo menos, até o som de passos no corredor interromper a ilusão de liberdade.
Alguém bateu à porta, duas batidas leves e hesitantes.
— Entre — chamei, com a voz mais firme do que eu esperava.
A porta se abriu devagar, revelando a silhueta esguia de Edmund. A luz trêmula das velas destacou os traços marcantes do meu irmão, mas seu semblante trazia uma sombra de preocupação.
— Mamãe já está fazendo planos para o próximo encontro com Lorde Pembroke — anunciou, sem rodeios.
Senti o ar sair dos meus pulmões em um suspiro pesado. Desviei o olhar para a janela, onde as gotas de chuva escorriam como lágrimas silenciosas.
— Não estou surpresa — respondi, quase em um sussurro.
Edmund fechou a porta atrás de si e se aproximou em passos lentos, como quem pisa em solo frágil. Parou ao meu lado, o olhar refletido no espelho tão intenso quanto o meu.
— Hellie, você não precisa aceitar isso.
Virei-me para encará-lo diretamente.
— E o que sugere que eu faça? Fuja para Paris? — ironizei, mas a tentativa de leveza se perdeu em minha própria amargura.
— Talvez não seja uma ideia tão ruim — retrucou ele, com um meio sorriso que logo desapareceu. — Ou, ao menos, lute pelo que deseja. Sei que não quer se tornar a esposa obediente de um homem como Pembroke.
Apertei os braços do cadeirão, o tecido da camisola se franzindo sob meus dedos.
— Você sabe tão bem quanto eu que não é tão simples, Edmund. Cada escolha que faço é observada. Cada palavra é julgada. Não existe espaço para… para querer algo diferente.
— Então, faça-os ouvir a sua voz. — A intensidade em seu olhar me fez prender a respiração. — Você não precisa gritar para ser ouvida, Hellie. Só precisa se recusar a se curvar.
As palavras dele reverberaram dentro de mim como uma nota que ecoa em uma sala vazia. Eu queria acreditar que ele estava certo. Que, de alguma forma, minha vontade poderia moldar o curso da minha vida. Mas as correntes invisíveis que me prendiam eram forjadas não apenas pelas expectativas da sociedade, mas também pelo amor à minha família. Por mais que desejasse a liberdade, não poderia simplesmente romper os laços que me uniam a eles.
O som suave da chuva preencheu o silêncio entre nós. Edmund passou a mão pelos cabelos castanhos e desviou o olhar para o fogo crepitante na lareira.
— Se precisar de mim, estarei ao seu lado — disse ele, a voz mais baixa, quase um sussurro. — Sempre.
Antes que eu pudesse responder, um leve ruído veio do lado de fora da janela. Meu coração deu um salto no peito. Levantei-me rapidamente, cruzando o quarto até a janela. A cortina de veludo verde estava fria ao toque quando a afastei, revelando o jardim encharcado pela chuva. Sob a luz tênue do lampião do jardim, uma silhueta se movia entre as sombras.
— O que foi? — perguntou Edmund, aproximando-se atrás de mim.
— Não sei… — estreitei os olhos, tentando distinguir a figura através da chuva. Então, por um breve instante, a luz capturou o contorno de um rosto familiar. Meu coração apertou no peito. — Owen…
— O quê? — Edmund inclinou-se para enxergar melhor. — Ele está maluco? Com essa chuva…
Sem pensar duas vezes, peguei o xale que estava sobre a poltrona e o joguei sobre os ombros.
— Hellie, o que você está fazendo?
— Vou até lá.
— Nem pense nisso! — Ele segurou meu braço, os olhos arregalados. — Se alguém a vir…
— Ninguém vai me ver — retruquei, com a voz firme. — Não posso deixá-lo ali.
Antes que Edmund pudesse me impedir, abri a porta do quarto e saí pelo corredor deserto, sentindo o coração martelar contra o peito. O tapete macio abafava o som dos meus passos enquanto descia as escadas, cada batida do relógio de pêndulo ecoando em meus ouvidos como uma contagem regressiva.
Ao alcançar a porta dos fundos, parei por um instante, respirando fundo. O ar frio da noite invadiu meus pulmões quando girei a maçaneta e saí para o jardim.
A chuva fina molhava meu rosto enquanto eu caminhava entre as sombras das roseiras, o barulho dos galhos balançando ao vento misturando-se ao som distante das carruagens passando na rua. Então, finalmente, o vi.
Owen estava junto ao portão de ferro, o sobretudo negro encharcado e os cabelos grudados na testa. Quando nossos olhares se encontraram, algo dentro de mim pareceu se partir e se remendar ao mesmo tempo.
— Hellie… — A voz dele mal foi ouvida sobre o som da chuva, mas a intensidade em seus olhos dizia tudo o que as palavras não podiam.
Aproximei-me sem hesitar, o coração pulsando em cada centímetro do meu corpo.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, a respiração entrecortada.
— Eu… eu precisava vê-la. Depois do que aconteceu ontem, não consegui dormir. Precisava ter certeza de que você está bem.
As gotas de chuva escorriam pelo rosto dele, mas seus olhos cor de mel brilhavam com uma mistura de preocupação e algo mais — algo que eu não ousava nomear.
— Owen, se alguém nos vir…
— Sei que é arriscado, mas não me importo. Não suportei a ideia de você estar sozinha, sufocada naquele salão… com ele.
O nome de James Pembroke pairou entre nós como uma sombra, mas, naquele momento, tudo o que importava era o calor da presença de Owen, mesmo sob a chuva fria.
— Não estou sozinha — sussurrei, sem saber ao certo se tentava convencer a ele ou a mim mesma.
— Não, você não está — ele respondeu, a voz rouca de emoção. — E eu… eu prometo que, enquanto eu puder, vou estar ao seu lado. Mesmo que… mesmo que o mundo diga que não devo.
O silêncio que se seguiu foi preenchido apenas pelo som da chuva e pelo ritmo descompassado do meu coração. Por um instante, o mundo pareceu diminuir ao nosso redor, até restar apenas o espaço entre nós dois.
Eu não sabia o que o futuro nos reservava. Não sabia se poderia escapar das correntes invisíveis que me cercavam. Mas, ali, sob a chuva londrina e o olhar de Owen, senti que talvez… talvez ainda houvesse uma chance de escrever a minha própria história.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Angela M.
Este romance me inspirou a seguir meus próprios sonhos e paixões.
2025-02-21
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