A casa estava mais silenciosa do que o normal, mas era um silêncio carregado, como se os próprios móveis soubessem que algo estava prestes a acontecer.
Desci as escadas devagar, tentando ignorar a sensação de inquietação que crescia a cada passo. O cheiro do jantar se espalhava pelo ar — cordeiro assado, batatas ao molho de ervas e vinho encorpado, um menu preparado para impressionar.
Quando alcancei o salão de jantar, a cena à minha frente confirmou minhas suspeitas. Minha mãe estava sentada à cabeceira da mesa, impecavelmente vestida em um vestido azul profundo, seu sorriso afiado como uma lâmina bem polida. Ao lado dela, o Sr. James Pembroke erguia sua taça de vinho com um ar de superioridade calculada.
Ele me viu primeiro.
— Senhorita Helenora. — Ele se levantou levemente, fazendo uma reverência educada.
Minha mãe virou-se, e seu olhar examinou-me rapidamente, buscando qualquer traço de rebeldia que pudesse comprometer sua encenação de “família respeitável”. Vi seus olhos pararem em meu cabelo, e uma sombra de irritação passou por seu rosto antes de ela compor um sorriso treinado.
— Hellie, querida, venha sentar-se. O Sr. Pembroke estava ansioso para conhecê-la melhor.
Engoli a vontade de revirar os olhos. “Conhecer-me melhor” era um eufemismo para algo muito mais calculado.
Sentei-me ao lado dela, e uma criada imediatamente serviu meu prato. O silêncio que seguiu foi desconfortável.
James Pembroke era exatamente como eu imaginava. Trajava um terno perfeitamente ajustado, o cabelo castanho claro penteado para trás com precisão cirúrgica. Seu olhar avaliava tudo ao seu redor, como se estivesse inspecionando mercadorias em uma feira de luxo.
— Então, Srta. Helenora… — Ele sorriu, cortando um pedaço do cordeiro. — Sua mãe me contou que você gosta de ler.
Soltei uma risada curta.
— Entre muitas outras coisas.
Ele ergueu uma sobrancelha, claramente não acostumado com respostas que fugiam do script.
— E quais seriam essas outras coisas?
Minha mãe pigarreou discretamente, como um aviso para que eu me comportasse. Ignorei.
— Gosto de caminhar pela cidade, observar as pessoas, ouvir suas histórias…
— Ah, então aprecia a poesia do cotidiano?
— Pode-se dizer assim. Mas também gosto de desafiar convenções que considero injustas.
Minha mãe fechou os olhos por um breve momento, como se estivesse rezando por paciência.
James, por outro lado, riu.
— Uma jovem com espírito livre. Isso é raro.
— Ou apenas inconveniente — respondi, tomando um gole do vinho.
O sorriso dele vacilou um pouco antes de se recompor.
— Certamente um espírito que precisa ser bem direcionado.
Aquilo me fez soltar a taça sobre a mesa com mais força do que pretendia.
— E quem seria responsável por esse direcionamento, Sr. Pembroke? O senhor?
Minha mãe tossiu discretamente, mas a tensão na sala era palpável. James sorriu, mas seu olhar agora tinha um brilho diferente, algo entre a diversão e o desafio.
— O tempo e as circunstâncias costumam ser os melhores professores, Srta. Helenora.
A comida já não me apetecia mais.
Naquele momento, a porta se abriu, e um criado entrou, inclinando-se levemente para minha mãe.
— Perdão pela interrupção, milady, mas o jovem Sr. Owen está à porta.
Meu coração disparou.
Minha mãe, por outro lado, franziu os lábios.
— O que ele quer?
— Não disse, senhora, apenas pediu para falar com a Srta. Helenora.
James Pembroke deslizou o olhar para mim com um interesse renovado.
Minha mãe hesitou por um instante antes de se virar para mim.
— Você sabe que temos um convidado, Hellie.
James cruzou os dedos sobre a mesa, estudando-me.
— Não há problema algum. Talvez possamos todos conversar.
Ele disse aquilo como quem já sabe que venceu.
Olhei para minha mãe, depois para James, depois para o criado.
E então tomei minha decisão.
Levantei-me, endireitando os ombros.
— Perdão, Sr. Pembroke, mas acho que esta conversa terá que esperar.
E, sem esperar resposta, caminhei em direção à saída, sentindo cada olhar cravado em minhas costas.
Eu precisava ver Owen.
Saí do salão de jantar sem olhar para trás, minha respiração ligeiramente acelerada. Assim que a porta se fechou atrás de mim, senti o peso dos olhares se dissipando, mas ainda havia uma tensão latejante dentro de mim.
Owen estava ali.
Atravessar o corredor até a entrada principal pareceu levar mais tempo do que deveria. O silêncio da casa aumentava minha ansiedade. Quando finalmente cheguei à porta, parei por um instante para recompor minha expressão. Não queria que ele percebesse o turbilhão dentro de mim.
Um criado já havia aberto a porta, e ali, parado na soleira, estava Owen.
A luz do lampião do lado de fora projetava sombras no rosto dele, destacando o brilho dourado de seus olhos cor de mel. O vento bagunçava seu cabelo preto, raspado dos lados, e seu sobretudo escuro estava ligeiramente desalinhado, como se ele tivesse vindo às pressas.
— Hellie. — A voz dele era grave, mas havia um tom de urgência ali.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, cruzando os braços. Não queria que ele notasse o alívio que senti ao vê-lo.
Ele deslizou o olhar para dentro da casa por um breve instante, depois voltou para mim.
— Eu precisava falar com você.
O criado hesitou ao lado da porta, como se estivesse esperando uma ordem, mas ergui levemente a mão, dispensando-o. Assim que ficamos a sós, saí para o lado de fora, puxando meu xale ao redor dos ombros.
— Fale.
Owen passou a mão pelos cabelos, um gesto típico dele quando estava inquieto.
— Eu soube que James Pembroke está aqui.
Soltei uma risada curta.
— E você veio me resgatar?
Ele franziu a testa.
— Hellie… eu sei o que sua mãe está tentando fazer.
— Todos sabemos. Minha opinião só não foi considerada no processo.
— Por isso estou aqui. — Ele deu um passo mais perto, e seu olhar encontrou o meu com uma intensidade que me fez prender a respiração. — Eu não podia simplesmente… deixar isso acontecer sem te dizer nada.
Fiquei em silêncio por um momento. Owen nunca fora do tipo que falava mais do que o necessário, e o fato de ele estar ali, naquela noite, me dizendo isso, significava mais do que ele estava deixando transparecer.
Mas o que ele poderia fazer? O que eu poderia fazer?
— Não estou interessada em James Pembroke — falei, minha voz saindo mais firme do que eu esperava.
— Isso eu sei. Mas a sua mãe está. E ele também.
Havia algo no tom de Owen que me fez estreitar os olhos.
— O que você sabe?
Ele hesitou.
— Ouvi comentários. Pembroke não quer apenas um casamento vantajoso, Hellie. Ele quer alguém que possa moldar ao gosto dele.
Um arrepio percorreu minha espinha, mas mantive minha expressão neutra.
— Homens como ele sempre querem isso.
— Mas você não é alguém que pode ser moldada.
Aquela afirmação me pegou desprevenida.
Ele me conhecia bem demais.
Owen respirou fundo, olhando para o lado como se estivesse pesando as palavras antes de dizê-las.
— Você não precisa aceitar isso.
— E o que você sugere? Que eu fuja para um convento?
Ele sorriu de lado, aquele sorriso que sempre me desconcertava.
— Um convento não combina com você.
Eu revirei os olhos, mas não consegui conter um leve sorriso.
— Então, qual é o seu plano brilhante?
— Para ser sincero, eu não tenho um. — Ele deu de ombros. — Só sei que você merece mais do que isso.
Aquelas palavras, ditas tão simplesmente, me atingiram mais do que qualquer discurso elaborado poderia.
Fiquei em silêncio por um longo momento.
O vento noturno trouxe consigo o cheiro distante da chuva, e pela primeira vez naquela noite, senti que podia respirar.
Owen me olhava como se estivesse esperando algo, mas eu ainda não sabia o que dizer. Então, antes que qualquer um de nós pudesse quebrar aquele momento, a porta se abriu atrás de mim.
— Helenora.
A voz da minha mãe cortou o ar como uma lâmina afiada.
Endireitei os ombros antes de me virar para encará-la. Seu olhar passou por Owen por um breve instante antes de pousar sobre mim, avaliando a situação com um desagrado mal disfarçado.
— Nosso convidado está esperando.
Meu coração pesou.
Olhei para Owen uma última vez. Havia algo em seu olhar que parecia dizer não deixe que decidam por você.
Respirei fundo e me virei para entrar.
O jogo ainda não havia acabado.
Minha mãe permaneceu imóvel na entrada, o rosto impassível, os lábios pressionados numa linha fina de desaprovação.
Owen ainda estava ao meu lado, e por um instante desejei que ele segurasse minha mão. Um toque, um gesto qualquer que me ancorasse àquele momento, que me lembrasse que eu não estava sozinha. Mas, claro, isso não aconteceria. Não ali, não sob os olhos vigilantes da minha mãe e da sociedade que nos cercava.
Respirei fundo e dei um passo para dentro.
O calor do salão de jantar contrastou com o frio da noite, mas não foi reconfortante. Pelo contrário, era sufocante. As chamas das velas tremulavam suavemente, lançando sombras ao longo das paredes adornadas com pinturas emolduradas em ouro. James Pembroke estava sentado à mesa, conversando com meu pai. Quando me viu entrar, sorriu de maneira educada, mas seus olhos me analisaram com um interesse que me fez sentir como se estivesse sendo avaliada como um bem à venda.
Minha mãe fechou a porta atrás de nós e deslizou ao meu lado.
— Helenora, já conversamos sobre aparências — sussurrou ela, seu tom tão frio quanto os talheres de prata na mesa.
Owen hesitou na porta por um instante, como se quisesse dizer algo, mas então me lançou um último olhar — um que parecia uma mistura de preocupação e um pedido silencioso para que eu não perdesse a mim mesma naquela noite — antes de se afastar.
Eu estava sozinha.
Ajeitei os ombros e me aproximei da mesa. James se levantou, um gesto de cavalheirismo ensaiado, e puxou uma cadeira para mim.
— Senhorita Hale, é um prazer conhecê-la. Sua mãe já me falou muito sobre a senhorita.
Claro que falou.
— Espero que apenas coisas boas — respondi, forçando um sorriso enquanto me sentava.
— Naturalmente. — Ele riu, acomodando-se de volta. — Ela me contou que a senhorita é uma jovem muito distinta, com uma mente aguçada.
Observei-o por um instante. Ele era um homem de traços elegantes, com cabelo castanho bem penteado e um terno que parecia ter sido feito sob medida. Cada gesto seu era estudado, cada palavra cuidadosamente escolhida.
— E o senhor, Lorde Pembroke? O que posso saber sobre o senhor?
Ele pareceu se divertir com minha pergunta.
— Ah, não há muito a dizer. Sou um homem prático, valorizo a ordem e a tradição. — Ele inclinou levemente a cabeça, os olhos castanhos observando-me com interesse. — Acredito que uma casa bem administrada e uma esposa sensata são as bases de uma vida bem-sucedida.
— Uma esposa sensata? — levantei as sobrancelhas. — E o que seria, exatamente, uma esposa sensata?
Minha mãe pigarreou discretamente ao meu lado, mas ignorei.
James sorriu, como se estivesse gostando do jogo.
— Uma esposa que compreenda o papel que desempenha na sociedade. Que saiba equilibrar a independência com a obediência.
Tão previsível.
— Uma combinação difícil de encontrar, imagino — murmurei, pegando minha taça de vinho.
— De fato. Mas acredito que algumas jovens ainda possuem esses valores.
Ele sustentou meu olhar, esperando alguma reação.
Sorri, mas não respondi.
O jantar seguiu com conversas triviais, minha mãe fazendo questão de destacar minhas qualidades "adequadas", enquanto meu pai permanecia relativamente silencioso, apenas acenando em concordância quando necessário.
Eu me sentia sufocada.
E então, um murmúrio chamou minha atenção.
Meu irmão, Edmund, estava sentado ao meu lado e sussurrou:
— Se precisar de uma desculpa para sair, posso derramar vinho na sua saia.
Suprimi uma risada.
— Tão heroico, Edmund.
Ele deu de ombros, escondendo um sorriso.
Ao menos alguém estava disposto a me resgatar daquela noite.
Mas eu não precisava ser resgatada.
Não, se alguém irá decidir o meu destino, esse alguém será eu mesma.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Roronoa Zoro
Estou ansiosa pela próxima parte!🙏
2025-02-21
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