"Eu não sei mais se quero morrer,
porque eu quero conversar com você."
Dambis escreveu isso na última página do caderno, rabiscou a borda do papel com os dedos, mas não arrancou. Ele nunca arrancava. Cada palavra ficava ali, presa, como um segredo que não ousava escapar.
Olhou para Yami, que estava sentada no parapeito da janela, observando o céu cinza lá fora. Seus pés balançavam levemente no ar, como se tentassem tocar algo invisível. Ela não falava muito de manhã. Apenas ficava ali, ouvindo o mundo respirar.
Ele fechou o caderno e o empurrou para debaixo do travesseiro.
— Você sempre escreve, mas nunca me mostra — Yami comentou, sem virar o rosto.
Dambis hesitou.
— Algumas coisas precisam ficar escondidas.
— Porque têm medo de serem lidas ou porque são verdadeiras demais?
Ele não respondeu.
Yami riu baixo, como se já soubesse.
Dambis observou o caderno dela sobre o colo. Estava fechado, com a caneta descansando sobre a capa.
— Você também escreve — ele apontou.
— Escrevo.
— Mas nunca mostra.
Yami olhou para ele de relance, o olhar afiado como um segredo guardado por tempo demais.
— Algumas coisas precisam ficar escondidas — repetiu suas palavras.
Ele entendeu.
Por algum motivo, isso não o frustrou.
O tempo passou devagar. O hospital continuava com seu ritmo lento, feito de passos arrastados pelos corredores e vozes abafadas em salas distantes. Médicos vinham e iam, enfermeiros trocavam os soro, os relógios giravam, giravam, giravam...
Mas ali, entre os dois, o tempo parecia pausado.
Yami pegou o caderno e, sem olhar para ele, murmurou:
"Se tudo fiz, não fui feliz.
Porque logo agora, Deus?
Deixe-me morrer.
Mas não sou quem decide
pular do penhasco ou ficar."
As palavras ficaram suspensas no ar, como um eco que não se dissipava.
Dambis sentiu um aperto no peito, algo entre entendimento e dor.
— Isso foi… — ele começou, mas não terminou a frase.
— Apenas palavras — Yami disse, fechando o caderno com um movimento lento.
Ele não acreditou.
Porque desde que a encontrou naquele hospital, algo mudou.
Algo nela. Algo nele.
E talvez fosse isso que o assustava mais do que a morte.
Talvez fosse isso que o fazia continuar escrevendo.
Dambis não sabia o que responder. As palavras de Yami pareciam presas no ar, como se ainda estivessem ali, ecoando dentro dele. "Deixe-me morrer, mas não sou quem decide pular do penhasco ou ficar."
Ele olhou para ela, tentando encontrar algo nos olhos escuros que agora observavam a chuva lá fora. Mas Yami sempre escondia bem o que sentia. Talvez porque, no fundo, ela mesma não soubesse.
Dambis deslizou os dedos sobre o caderno, sentindo a textura do papel. Então, pegou a caneta e escreveu algo antes de falar:
— Você já pensou em pular?
Yami virou o rosto devagar, encarando-o como se ele tivesse acabado de perguntar algo proibido.
O silêncio se estendeu.
— Já — ela respondeu, sem rodeios.
Dambis apertou a caneta entre os dedos.
— E por que não pulou?
Yami piscou algumas vezes, como se estivesse tentando encontrar uma resposta que já sabia, mas não queria admitir.
— Porque não sou eu quem decide — repetiu, dando um leve sorriso sem emoção.
Dambis assentiu. Ele entendia.
Ele entedia melhor do que queria admitir.
Mas, ainda assim, pegou o caderno e virou para ela.
No papel, havia apenas uma frase:
"E se a gente apenas ficasse?"
Yami leu, seus olhos escaneando as palavras com atenção.
Depois, desviou o olhar para ele.
— Isso é um pedido?
Dambis deu de ombros.
— É só um pensamento.
Ela ficou em silêncio, mas algo em sua expressão mudou. Um pequeno brilho em seu olhar, quase imperceptível.
— Talvez — Yami disse depois de um tempo — talvez a gente possa tentar.
Dambis sorriu de canto.
A chuva lá fora começou a diminuir.
E, por um breve instante, parecia que o tempo não era mais um inimigo.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 31
Comments