Entre a Noite e o Sempre

A chuva cessou ao amanhecer. Restaram apenas as gotas pesadas escorrendo pelos vidros do hospital, como lágrimas que a noite havia deixado para trás. O ar ainda tinha um cheiro úmido, misturado com o odor frio dos corredores brancos e solitários.

Dambis despertou antes do sol nascer, mas não se moveu. Ficou ali, deitado, ouvindo a respiração baixa e ritmada de Yami no outro leito. Não sabia se ela dormia de verdade ou se apenas fingia.

O tempo era estranho no hospital. Dias e noites se misturavam, e às vezes parecia que nada ali realmente existia. Como se o mundo de fora fosse um sonho distante, algo que nunca mais voltaria a tocar.

Yami se mexeu, virando-se para ele. Seus olhos estavam abertos, mas não havia surpresa em seu olhar.

— Você também não dorme? — perguntou, sua voz rouca pelo silêncio da madrugada.

Dambis deu de ombros.

— Acho que o sono não gosta de mim.

— O sono não gosta de ninguém aqui. — Ela soltou um meio sorriso antes de se sentar na cama, abraçando os joelhos. Seu cabelo caía sobre os ombros magros, bagunçado.

Ele olhou para o lado e pegou o caderno, virando algumas páginas rabiscadas.

— Por que escreve? — perguntou, devolvendo a pergunta que ela fizera no dia anterior.

Yami ficou em silêncio por um tempo. Não parecia surpresa com a pergunta, mas também não tinha pressa para responder.

— Porque a vida precisa de testemunhas.

Dambis ergueu uma sobrancelha.

— Testemunhas?

Ela assentiu.

— Se ninguém escreve, ninguém se lembra. Se ninguém se lembra, foi como se nunca tivéssemos existido.

Ele refletiu sobre aquilo.

— Mas se o tempo esquece de qualquer forma… então qual a diferença?

Yami sorriu, mas havia algo melancólico naquele sorriso.

— A diferença é que enquanto alguém nos lê, ainda estamos vivos.

Dambis desviou o olhar para o céu do lado de fora da janela. Estava limpo agora, as nuvens negras haviam se dissipado, dando espaço para o azul fraco do amanhecer. Ele se perguntou quantos dias ainda restavam para ele.

Quantos amanheceres ainda veria?

— Você tem medo? — perguntou, sem encará-la.

O silêncio se estendeu entre eles.

— De quê? — Yami devolveu a pergunta.

Ele sabia o que ela queria dizer.

— Do fim.

A resposta demorou, mas veio.

— Eu tenho medo de não deixar nada para trás.

Dambis olhou para ela. Pela primeira vez, viu algo além da ironia e da calma forçada. Viu uma verdade crua nos olhos dela.

— Você vai deixar — ele disse, sem saber exatamente por que estava tão certo daquilo.

Yami riu baixinho.

— Você também.

O sol começou a aparecer no horizonte, pintando o céu com cores suaves. O tempo não parava, não esperava. Mas ali, naquele instante, parecia que ainda havia algo a ser escrito. Algo que ainda precisava ser dito.

Yami pegou o caderno e rabiscou algumas palavras antes de fechá-lo com um estalo leve.

— O que escreveu? — Dambis perguntou.

Ela sorriu, mas não respondeu.

E, por algum motivo, ele sentiu que um dia descobriria.

O tempo ainda estava correndo. Mas, por enquanto, eles estavam ali.

E isso era o suficiente.

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