O Acidente
Gabriela
Você está brincando não é mamãe?
narrador
Gabriela ergueu a voz mas sem perder o tom delicado que sempre mantinha mesmo quando estava contrariada.
Cecília: Não estou Gabriela. É o melhor para nossa família e para você.
narrador
Respondeu a mãe com o tom frio e calculado que costumava usar para decidir sobre tudo na vida da filha.
narrador
Gabriela apertou os braços do sofá em que estava sentada.
Gabriela
Eu nem o conheço....Como espera que eu me case com alguém que nunca vi na vida?
Cecília: Você o conhecerá no dia do casamento. Ele é um bom partido educado e rico. É o suficiente.
Gabriela
Suficiente? E o amor? Mamãe eu…
narrador
O pai que até então estava em silêncio interrompeu.
Roberto: Gabriela já está decidido. Nosso patrimônio depende disso. Você embarca amanhã.
narrador
Ela sabia que argumentar seria inútil. Seus pais jamais se importaram com o que ela realmente queria. Sempre foi sobre a família os negócios as aparências.
narrador
Na manhã seguinte Gabriela embarcou no jato particular da família. A janela do avião revelava um céu claro e ela observava as nuvens com a mente inquieta. Era como se algo dentro dela gritasse para não ir mas...mais uma vez ela silenciou sua intuição.
narrador
A turbulência começou repentinamente sacudindo o avião com violência. O som de alarmes ecoava na cabine enquanto os passageiros entravam em pânico. Gabriela sentiu o pânico crescer dentro de si enquanto os comissários gritavam instruções que pareciam abafadas pelo caos.
Por favor apertem os cintos. Preparem-se para o impacto.
narrador
Um grito escapou dos lábios dela antes do impacto violento. Tudo ficou escuro.
narrador
Gabriela acordou horas talvez dias depois. Seu corpo doía sua cabeça latejava e algo estava errado com seus olhos. Ela abriu e fechou as pálpebras mas tudo permaneceu negro.
Gabriela
Alguém…? Tem alguém aí?
narrador
Sua voz saiu fraca quase um sussurro.
narrador
Ninguém respondeu. O cheiro de terra úmida e queimado enchia o ar. Tentando se levantar ela percebeu que estava sozinha. O mundo ao seu redor estava em completo silêncio exceto pelo som das árvores balançando ao vento.
narrador
Ela tateou o chão com as mãos tentando entender onde estava mas a dor em suas pernas e a cegueira a deixavam desesperada.
Gabriela
Meu nome… meu nome é Gabriela…
narrador
Ela sussurrou para si mesma como se tentar lembrar seu próprio nome fosse o suficiente para manter sua sanidade. Mas não havia mais nada. Sua mente era um vazio assustador.
Sem saber o que fazer ou para onde ir Gabriela começou a rastejar pela floresta guiada apenas pelo som distante de um rio. Cada movimento era uma luta mas ela não desistiu.
narrador
Dias se passaram. Sem memória sem visão e sem ninguém para ajudá-la Gabriela acabou nas ruas de uma pequena cidade. A jovem rica e educada estava agora irreconhecível suja com as roupas em farrapos pedindo ajuda a estranhos que a ignoravam ou a tratavam com desprezo.
Gabriela
Por favor… só um pouco de comida…
narrador
Ela pedia estendendo as mãos mas quase ninguém parava para ouvi-la.
Uma criança se aproximou segurando uma maçã.
Toma moça. Você tá com fome né?
Gabriela
Muito obrigada… Qual é o seu nome?
narrador
Respondeu o menino alegre.
Antes que pudesse perguntar mais a mãe do menino o puxou pelo braço.
Não fale com ela Pedro. Vamos embora.
narrador
Gabriela segurou a maçã com força tentando ignorar o aperto em seu coração. Ela agora era invisível para o mundo. Mas mesmo no escuro algo dentro dela dizia que essa não era a sua verdadeira vida.
Gabriela
Quem sou eu? Por que sinto que perdi algo importante?
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