Eu me chamo Letícia Alcântara, tenho 26 anos, sou tatuadora freelancer e tenho meu próprio Studio para tatuagem.
Letícia:
E olha, vou te dizer uma coisa: ter uma vida normal nunca foi meu forte. Desde pequena, meu pai, o todo-poderoso comandante Alcântara, achava que podia marchar sobre minha vida com a mesma disciplina com que marchava no quartel. “Letícia, sapato fechado!”, “Letícia, saia comprida!”, “Letícia, baixe essa música ou vai virar corte marcial!”. Já minha mãe, coitada, era a personificação da resignação. A mulher passava os dias limpando, cozinhando, e murmurando “Sim, senhor” com o mesmo entusiasmo de quem lê bula de remédio.
Eu? Desde cedo decidi que regras foram feitas para serem contestadas. Sapato fechado? Que tal um coturno customizado? Saia comprida? Adorei a ideia... pra fazer cortinas na sala. Música alta? Minha playlist rock dominava até os vizinhos. Minha rebeldia foi escalando conforme eu crescia, e meus pais logo perceberam que “disciplinar a menina” seria mais difícil do que uma guerra fria.
Foi assim que eu conheci o Pedro. Pedro era aquele tipo de cara que sabia como esconder defeitos atrás de um sorriso branco e uma barba bem feita. Parecia encantador, moderno, um pouco contestador, igualzinho a mim. E por algum tempo eu acreditei que tinha encontrado meu par perfeito. Até descobrir que o meu “relacionamento exclusivo” era, na verdade, um teste beta de poliamor. Pedro era casado. Quer dizer, quase. Ele tinha uma noiva e, aparentemente, mais uma ou duas “namoradinhas casuais”.
A descoberta veio durante um jantar de negócios. Pedro achou que era esperto o bastante para manter todas nós separadas e desinformadas, mas subestimou a habilidade de uma mulher desconfiada e determinada a invadir celulares alheios. Eu descobri a traição, claro. E o que eu fiz? Exposei o canalha no meio do jantar, com direito a projeção PowerPoint. Isso mesmo, eu montei uma apresentação. “Traições do Pedro: Uma Timeline” ainda é meu maior projeto criativo.
Resultado: fui chamada de vingativa e, claro, Pedro ficou com a reputação arranhada. Fui cancelada pelo círculo social dele, mas sinceramente? Não perdi nada. Foi aí que decidi mudar minha vida. Parei de buscar validação dos outros e foquei no que realmente fazia sentido para mim: minha arte.
Ser tatuadora freelancer nunca foi um sonho “aceitável” na visão militar do meu pai, mas eu amava transformar ideias em arte permanente. Cada cliente que chegava com sua história me inspirava a seguir em frente. Só que a vida de freelancer tem desafios, né? Entre tentar viver de um trabalho que muita gente desvaloriza e ainda encarar o preconceito de “moça rebelde que não arranja emprego sério”, meu cotidiano se tornou uma jornada de desafios... mas também de conquistas.
Foi durante esse período que conheci Marina, ela era minha vizinha do condomínio "Novo Amanhecer" onde eu morava, que por coincidência veio até mim para fazer uma tatuagem. Ela queria escrever “Resiliência” no braço. Na hora que perguntei o motivo, ela suspirou e disse: “Pra nunca esquecer que eu sobrevivi ao Rodrigo.”
Sabe aquela sensação de “Achei minha tribo”? Eu senti ali. Passei a noite ouvindo a história dela sobre o Rodrigo (outro espécime do Clube dos Cafajestes Internacionais) e, no final, não só fiz a tatuagem, como sugeri criarmos algo juntas: um espaço onde mulheres poderiam rir, chorar e gritar juntas.
Nasceu o Clube das Solteiras e Traídas, um nome que começou de brincadeira. Eu e Marina nos dedicamos a torná-lo real, porque precisávamos de um lugar onde não houvesse “regras” — pelo menos não do tipo que sufoca. No começo, éramos só nós duas, reunidas no apartamento de Marina, bebendo vinho barato e rindo de histórias trágicas. Mas a coisa cresceu.
A divulgação online foi a ideia mais louca e mais genial que já tive. Fiz posts no Instagram e reels com frases do tipo: “Traída? Bem-vinda ao clube!”, ou “Não procure vingança. Faça amigas (ou faça as duas coisas).” Bombou. Mulheres começaram a aparecer, e assim o Clube deixou de ser só um consolo pós-relacionamento para se tornar uma força de transformação.
No entanto, com o tempo muitas mulheres começaram a faltar nas reuniões do clube devido a vários motivos, mas principalmente devido ao lugar de encontro ser longe de onde moravam. Então eu e Marina decidimos restringir os membros, aceitando somente mulheres que moravam no nosso condomínio.
Marina queria mais regras, e eu ficava preocupada. Não queria transformar isso no tipo de coisa de onde as pessoas precisassem fugir — como eu fugi da disciplina do meu pai ou da manipulação do Pedro. Foi por isso que brigamos algumas vezes: Marina achava que precisávamos de um regulamento mais claro, enquanto eu preferia a “liberdade organizada” que a gente já tinha. Mas chegamos na conclusão de que o clube deveria ter restrições e que para mostrar que podemos ser melhores sem homens traíras, resolvemos colocar uma regra especial: Nada de namoros ou paixonites sem a devida superação do passado!
Hoje, ao olhar pra trás, entendo que não era só medo das regras. Era medo de me machucar de novo, de acabar sendo dominada por uma força maior. Criar o clube foi, na verdade, a minha maneira de dizer ao mundo — e a mim mesma — que não existe sistema, homem ou regra capaz de me prender.
O que eu não contava era que essa ideia acabaria me colocando no meio das melhores amizades — e dos desafios mais caóticos — da minha vida. O Clube não é perfeito, assim como eu não sou. Mas entre sessões de vinho, estratégias contra Carmem e os dramas delas, percebi algo importante: não é preciso seguir regras para construir algo incrível, mas é preciso algo ainda mais raro — coragem pra tentar.
E sim, eu tenho coragem de sobra. Só não me peça pra fazer um PowerPoint sobre isso de novo.
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Atualizado até capítulo 90
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