capítulo 05 lar doce lar?

Cheguei em casa naquele fim de tarde, carregando a sensação mista de alívio por estar longe da escola e o peso das palavras de Isa ainda ecoando na minha cabeça. Meu lar não era exatamente um refúgio, mas pelo menos não tinha corredores cheios de risadinhas e cochichos maldosos.

Assim que entrei pela porta, ouvi a voz da minha mãe, como sempre, dando ordens para alguém.

— Isa, querida, venha provar esse vestido. Quero que você esteja perfeita para o jantar de amanhã com os Cavalcanti. — Ela não notou minha chegada, ou talvez tenha escolhido me ignorar.

Minha mãe era uma mulher magra, magérrima, com um rosto tão esticado pelas cirurgias plásticas que parecia que ela estava sempre prestes a sorrir, mesmo quando estava irritada. Ela usava salto alto dentro de casa e sempre estava impecável, como se a qualquer momento alguém fosse aparecer para tirar uma foto.

Enquanto passava pela sala tentando chegar ao meu quarto sem ser notada, ela me viu.

— Pâmella! — chamou, com aquele tom que fazia parecer que ia dizer algo gentil, mas nunca era.

Parei no meio do caminho, com o coração apertado.

— Oi, mãe.

Ela me olhou de cima a baixo, os olhos analisando cada detalhe como se eu fosse uma peça de roupa que ela estava prestes a devolver.

— Você comeu o que na escola hoje? — perguntou, cruzando os braços.

— Nada demais. Só... normal — respondi, desviando o olhar.

Ela suspirou, como se eu tivesse acabado de confessar um crime.

— Pâmella, você sabe que precisa começar a se cuidar. Não posso permitir que você continue desse jeito. Já marquei uma consulta com uma nutricionista nova. Essa é excelente, dizem que ela é rígida. É disso que você precisa.

Senti o estômago embrulhar. Essa conversa já era repetitiva na nossa casa. Minha mãe vivia tentando “dar um jeito em mim”. Dietas malucas, sucos verdes nojentos, até mesmo personal trainers que eu mal conseguia acompanhar. Mas nada funcionava, porque, no fundo, eu sabia que não fazia isso por mim. Fazia porque ela queria. E, sempre que ela me colocava em alguma nova dieta, eu dava um jeito de comer escondido depois. Era minha pequena vingança.

— Não precisa, mãe. Estou bem assim — murmurei, sabendo que ela não ouviria.

— Está bem? — ela repetiu, rindo de forma amarga. — Você é jovem agora, mas daqui a alguns anos, vai me agradecer. Ninguém quer ser... — Ela parou, provavelmente escolhendo as palavras com cuidado. — Ninguém quer se sentir desconfortável no próprio corpo.

Isa apareceu na sala nesse momento, vestindo um vestido novo que parecia feito sob medida para ela. Ela girou, mostrando o tecido que realçava ainda mais sua figura perfeita.

— E então, mãe? Está bom?

— Está perfeito, querida. Você está divina! — Minha mãe se derreteu, os olhos brilhando de orgulho.

Isa sorriu, mas me lançou um olhar rápido e satisfeito, como se dissesse: Viu? É assim que se faz.

Enquanto as duas trocavam elogios, subi as escadas para o meu quarto, me sentindo invisível, como sempre. Fechei a porta e joguei a mochila no chão. Meu quarto era o único lugar onde eu podia ser quem eu quisesse, sem julgamentos.

Abri a gaveta secreta onde guardava alguns pacotes de biscoito e chocolates, itens que minha mãe nunca encontrava. Peguei um chocolate e me sentei na cama, dando uma mordida enquanto olhava pela janela.

Lá fora, a mansão dos Cavalcanti era visível. A casa imensa e impecável parecia um sonho, completamente diferente da nossa, que era simples e cheia de pequenos defeitos. Eduardo morava lá, rodeado de luxo, mas, de alguma forma, nunca parecia se importar com essas coisas. Ele era diferente.

Enquanto mordia o chocolate, lembrei das palavras da minha mãe. Do olhar de Isa. E, por mais que quisesse ignorar, uma dúvida me consumia: será que algum dia eu seria boa o suficiente para alguém como Eduardo?

Mas, ao mesmo tempo, outra pergunta pairava na minha mente: por que eu tinha que mudar para agradar os outros?

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