Os três cavaleiros do amuleto

— Como você entrou aqui? — a jovem lançou a pergunta em um tom frio, quase em desespero. Os olhos dela analisavam cada movimento daquele estranho, sem baixar a guarda nem por um segundo.

O homem, alto e com uma presença quase imponente, permaneceu sereno. Seus cabelos escuros caíam de forma despretensiosa sobre a testa, enquanto ele segurava o olhar dela, um misto de seriedade e algo que parecia ser compreensão.

— Eu não vim para te fazer mal, Mikaela. — A voz dele era grave, porém suave, como se escolhesse cada palavra com cautela.

— Não fale como se me conhecesse, você não tem esse direito. — As palavras saíram rápidas, carregadas de tensão. Mikaela se aproximou da porta, uma mão firme no trinco enquanto gesticulava em direção à saída. — Eu não sei quem você é, nem quero saber. Saia da minha casa.

O homem tentou mais uma vez:

— Por favor, me escute. Há coisas que você precisa...

Ela interrompeu, a exaustão evidente em sua voz:

— Eu já tive o suficiente de surpresas para uma vida inteira. Apenas vá embora.

Com relutância visível, ele passou pela porta, sua silhueta desaparecendo enquanto Mikaela a fechava com firmeza. Ela trancou o trinco, como se isso fosse capaz de proteger o pouco que ainda restava de sua sanidade.

Após horas de um sono inquieto, Mikaela acordou com o corpo pesado e a mente enevoada. Caminhou até a porta da frente para verificar o mundo lá fora, como fazia todas as tardes desde que tudo havia virado de cabeça para baixo.

Ao girar a maçaneta, o brilho do sol já começava a enfraquecer, e ela imediatamente o viu. Lá estava ele, sentado na calçada de frente para sua casa, tranquilo, comendo uma maçã como se o mundo ao redor não existisse.

Por um instante, Mikaela hesitou. Havia algo perturbadoramente tranquilo na presença dele, como se não houvesse lugar no mundo onde ele preferisse estar.

— Você ainda está aqui? — Ela finalmente quebrou o silêncio, sem esconder a irritação.

Ele se levantou lentamente, limpando a maçã com a ponta dos dedos antes de dar mais uma mordida, encarando-a com uma mistura de seriedade e tranquilidade que a desarmava e incomodava ao mesmo tempo.

— Não tive para onde ir — respondeu com simplicidade, mas havia algo na voz dele que sugeria camadas de significados ocultos.

Mikaela cruzou os braços, tentando ignorar o desconforto que sentia.

— Se acha que pode ficar parado aqui sem uma explicação, está enganado.

Ele inclinou a cabeça levemente, seu olhar cravando nela com intensidade.

— Posso não ter permissão para entrar de novo, mas não vou a lugar algum enquanto você não me ouvir.

Ela sentiu o peso das palavras dele, mas não estava disposta a abrir espaço para mais enigmas naquele momento.

— Isso não significa que você será bem-vindo.

Ele não respondeu, apenas voltou a sentar na calçada com um gesto casual, como se não precisasse de permissão para existir ali. Mikaela fechou a porta novamente, sentindo-se cada vez mais cercada por perguntas para as quais não tinha respostas.

Dentro de sua casa, Mikaela se movia de um canto a outro, com uma mistura de frustração e inquietação a consumindo. Cada parte daquele ambiente parecia de alguma forma insuportável, como se o simples fato de respirar ali a fizesse sentir-se aprisionada. Olhou pela janela mais uma vez, percebendo que ele continuava ali, imóvel, como se desafiasse seu próprio cansaço, seu próprio ceticismo.

— Por que não pode ir embora? — ela murmurou, as palavras mais para si do que para o universo à sua volta. Seu coração estava em guerra com a mente, mas sabia que sua tentativa de encontrar paz estava fadada ao fracasso.

Respirando fundo, Mikaela começou a organizar os poucos objetos espalhados pela casa, tentando afastar a pressão que sentia em sua cabeça. Cada estalo das tábuas do piso parecia um eco distante que se transformava em algo mais intrusivo à medida que o dia avançava. Eu só preciso de respostas, pensou ela. Respostas para ele. Respostas para minha vida.

Após alguns minutos, a curiosidade, aquela força que ela não podia mais ignorar, a forçou a dar um passo à frente. Foi até a porta e, com a cabeça ligeiramente inclinada para a frente, abriu-a um pouco, espiando através da fresta.

Lá estava ele novamente, descansando de uma maneira que parecia intencionalmente não agressiva, ainda ali, à espera, como se o simples fato de estar perto dela fosse suficiente. Ele parecia confortável, talvez mais do que deveria estar.

Mikaela abriu a porta por completo. Seu estômago apertou quando seus olhos se encontraram, uma sensação que ela já começava a reconhecer — ele estava cada vez mais presente, como uma sombra persistente que não poderia ser ignorada. E ele sabia disso.

— O que você quer de mim? — Ela tentou falar com firmeza, mas a dúvida em sua própria voz traía sua necessidade de entender o que, exatamente, estava acontecendo.

— Você me chamou, Mikaela, você disse as palavras mágicas para o amuleto — a voz dele ecoou com uma calma imperturbável, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Ela o observou, perplexa. Seus olhos se estreitaram um pouco, a incredulidade estampada no rosto. A explicação soava surreal, como uma piada de mau gosto, mas, ao mesmo tempo, havia algo nele que não a deixava totalmente desconfiada, como se as palavras que ele dizia tivessem um peso inusitado.

— Palavras mágicas? O que quer dizer? — ela retrucou, tentando parecer mais controlada do que se sentia. A situação já estava além do compreensível, e embora o ceticismo tomasse conta de seus pensamentos, algo ali não se encaixava. Uma sensação de inevitabilidade pairava no ar, como se todo o peso daquela situação estivesse começando a murchar sua racionalidade.

Ele não respondeu imediatamente, limitando-se a olhar para ela com uma expressão de calma inquietante, algo quase hipnótico.

— Você leu a carta, né? Na carta estavam as palavras mágicas. Você me convocou. Eu sou filho do maior vampiro.

As palavras caíram no ar com uma dureza, um peso indescritível, como se fossem as respostas que ela sempre procurou, mas nunca foi capaz de formular. O que ele dizia não parecia vir de um livro de ficção — não de maneira alguma. Isso parecia real. Ele parecia real.

Mikaela ficou em silêncio por um momento, uma risada fraca se formando em sua garganta, uma reação involuntária à absurda cena diante dela.

— Vampiros não existem! — a risada que escapou de seus lábios era quase irônica, como se as palavras que ela dissera fizessem mais sentido do que qualquer coisa que ele acabara de lhe contar. Era uma reação irracional, mas a dúvida em sua mente não conseguia processar aquilo. Ele... um vampiro? Não podia ser.

A risada morreu logo em seguida, e a reação de Mikaela foi mista: por um lado, um riso nervoso que tentava aliviar a tensão, mas, por outro, uma ponta de terror frio, como se uma verdade antiga estivesse começando a emergir no fundo de sua mente.

Ele a observou com uma serenidade inquietante, sem qualquer sinal de irritação ou agitação em sua postura.

— Eu entendo, você ainda não acredita. Mas posso te garantir que sou real. Talvez seja mais fácil aceitar a verdade quando você for forçada a isso. Você mesma fez isso acontecer, não tem volta agora. Eu sou Sota, e sua vida, Mikaela, nunca mais será a mesma.

Ela o encarou, ainda tentando forçar sua mente a entender o que ele dizia. O que isso significava para ela? Como isso afetaria sua vida? Seu futuro? Uma onda de terror não tão explícita, mas visível o suficiente para fazer seu peito apertar, subiu como um arrepio pela espinha. Vampiro… isso não pode ser real. Não aqui. Não agora.

Mikaela estava entre o óbvio, a lógica que sua mente tentou conjurar, e a sensação iminente de que aquilo, de alguma maneira, não tinha mais volta.

Mikaela, ainda atordoada com tudo o que estava acontecendo, gesticulou suavemente em direção à porta, dando espaço para Sota entrar. Ele não hesitou, entrando na casa sem emitir qualquer protesto, como se aquilo fosse uma decisão óbvia. Ele a observou, quase como se ela fosse a responsável por ele, o responsável por sua presença naquele lugar. Quando ele passou por ela, seus olhos pareciam estudar o ambiente, mas sua postura era irrepreensivelmente tranquila.

— Eu sinto muito pela sua perda, Mikaela. — A voz dele era suave, a sinceridade em suas palavras parecia pesar no ar, embora ela ainda não soubesse ao certo o que fazer com isso. Ela apenas deu um leve aceno com a cabeça, sem conseguir formar as palavras de imediato.

A conversa entre eles durou alguns minutos, mas Mikaela já começava a perceber que não havia muito o que dizer. O silêncio pairava. As palavras dele ainda ecoavam em sua mente de forma perturbadora, como se estivéssemos prestes a cruzar uma linha entre a realidade e algo muito mais difícil de compreender.

O som da respiração profunda de ambos preenchia os espaços. A conversa, por mais incomodante que fosse, parecia manter-se em uma esfera confortável até o momento que o sono finalmente anunciou sua chegada. O relógio na parede indicava que já estava tarde, e Mikaela estava completamente exausta, tanto mental quanto fisicamente, para contestar mais qualquer coisa que estivesse acontecendo.

— Eu vou preparar o sofá para você. Pode descansar aqui esta noite. — disse ela, quebrando o silêncio.

Sota agradeceu com um sorriso leve, um tanto distante, mas ainda assim educado.

— Agradeço a sua hospitalidade. — A forma como ele falava tornava as palavras tão leves que pareciam quase desapegadas, mas havia uma qualidade silenciosa nelas, algo imortal que não passava despercebido.

Enquanto ele se acomodava no sofá, Mikaela foi se retirando, tentando lidar com tudo o que sua mente não queria aceitar. Mas as horas passaram sem que ela conseguisse encontrar o descanso necessário. Mesmo com a porta fechada, ela não conseguiu tirar os pensamentos da cabeça. Seu pai havia partido, mas um novo peso e uma tensão inesperada começavam a engolir sua paz. O que ele quis dizer com “não há volta”? E por que, dos quatro cantos do mundo, ela teria convocado esse homem para sua vida?

Mikaela sentou na cama e olhou para os lados. No canto da cômoda, a foto de seus pais quando eram jovens estava ali, ainda exposta sobre a mesa. Ela olhou para aquela imagem, o sorriso terno de seu pai, o jeito espontâneo com que ele a tomava nos braços e a enchia de carinho. Sua mãe já não estava mais em sua vida há muito tempo, mas seu pai sempre fizera questão de estar presente, de modo conflituoso, mas ainda assim, firme. Um ponto final, mas também um elo que se partiu agora, com a morte dele.

O amuleto brilhava suavemente na cabeceira da cama, ao lado da foto. Mikaela sentiu uma sensação indefinida, uma necessidade de entender mais sobre tudo aquilo, mesmo que sua razão se rebelasse. Ela olhou para ele, e, sem entender por que, se levantou lentamente da cama, pegando-o entre os dedos com certa hesitação.

Ao tocá-lo, sentiu algo indescritível, como se uma corrente de energia percorresse sua pele. Ela respirou fundo e, ainda relutante, abriu a carta que a senhora lhe entregara sem nenhuma explicação.

Aquelas palavras voltaram a flutuar diante de seus olhos:

"A luz que você segura é a chave para o que foi perdido e o que ainda será encontrado. Sob o sangue, as sombras despertam. Apenas aquele que caminha na linha entre o humano e o imortal pode abrir o véu. Escolha sua coragem, pois o despertar tem um custo – e o que for chamado virá não só para servir, mas para julgar. Quando o coração pulsar em uníssono com as trevas, a porta se abrirá."

Mikaela leu aquelas palavras novamente, tentando descobrir algum sentido no que estavam dizendo. As palavras soavam mais confusas, e seu peito apertava mais a cada leitura.

Mikaela guardou o amuleto e a carta de volta na cabeceira da cama, sentindo o peso das palavras que acabara de ler. Deitou-se, fitando o teto, tentando processar tudo o que acontecera. Seus olhos se fecharam lentamente, e ela adormeceu, embora sua mente estivesse longe de encontrar paz.

Ela acordou com uma luz forte em seu rosto e vozes sussurrando ao seu redor.

— Ela acordou? — uma voz grave, um pouco distante.

— Ela está acordando, dá espaço a ela, seu idiota! — outra voz, mais próxima, com um tom irritado.

— Idiota é você... — completou a terceira voz, soando com impaciência, mas carregada de ironia.

Quando Mikaela abriu os olhos, sua cabeça estava um tanto pesada, como se estivesse emergindo de um sono profundo e denso. Ela se sentou lentamente na cama, piscando algumas vezes para ajustar seus olhos à luz que inundava o cômodo. As cortinas estavam totalmente abertas, permitindo que os raios solares invadissem sem pudor. Esfregou os olhos, confusa, e por fim focou no que parecia ser o motivo da confusão. Três homens estavam no quarto.

Ela piscou, tentando acreditar no que estava vendo.

À sua frente, encostado na parede perto da janela, um homem alto, de porte imponente, parecia o líder natural do trio. Ele cruzava os braços, com uma expressão séria e olhos que a examinavam com intensidade. Sua postura dizia tudo: confiança e controle absoluto sobre a situação.

Mais próximo, sentado em uma cadeira que parecia deslocada, estava Sota, de cabelos ruivos bagunçados. Ele mastigava um pedaço de pão distraidamente, mas seus olhos brilhantes não deixavam de observá-la. Diferente do primeiro, ele parecia mais descontraído, até mesmo travesso, embora houvesse uma sombra de seriedade escondida sob sua postura aparentemente descomprometida.

Por último, encostado no armário ao lado da cama, um jovem mais magro, com cabelos loiros quase brancos e um ar de impaciência, folheava um caderno pequeno, como se estivesse descontente em ser incomodado. Ele balançava o pé ritmicamente no chão, mas mesmo assim, lançou-lhe um rápido olhar, franzindo a testa.

— Certo... quem são vocês? E o que estão fazendo no meu quarto? — Mikaela perguntou, sua voz firme apesar do coração acelerado.

O homem alto perto da janela foi o primeiro a falar. Sua voz era profunda, com um tom autoritário que silenciou os outros dois.

— Mikaela, é um alívio ver que você está bem. Meu nome é Masato. Estou aqui porque você é muito mais importante do que imagina.

— Importante? — ela repetiu, um tanto descrente, franzindo o cenho.

— Sim, muito importante — disse o ruivo entre mordidas no pão, sem deixar de sorrir. — Só não sabemos se você está preparada pra saber o quanto.

— Sota, cale a boca — retrucou o jovem loiro de forma cortante antes de virar-se para Mikaela. — Você já deve ter conhecido ele. Sou Yuki. Estamos aqui porque você nos chamou...

— Ela já sabe disso. Eu contei a ela, mas ela não acredita em mim — disse Sota, desinteressado.

Mikaela suspirou, impaciente, sentindo a confusão crescer em sua mente.

— Vocês estão atrás do amuleto? Tomem! — Ela pegou o objeto pequeno da cabeceira e atirou em direção a eles, deixando-o cair aos pés de Masato.

Ele não se mexeu para pegar, apenas a encarou com calma, como se tentasse decifrar seus pensamentos. Ele parecia ser o tipo de homem que carregava o peso de muitos segredos e responsabilidades.

— Mikaela, eu sei que é difícil de entender, mas não estamos atrás do amuleto — disse Masato, sua voz firme mas gentil.

— Então, do que vocês estão atrás? Dinheiro? Minha casa? O que é? — Ela os encarou, desafiadora, apesar da ansiedade evidente em sua expressão.

Os três homens se entreolharam em silêncio, como se tivessem um pacto para não falar tudo de uma vez. Finalmente, todos voltaram seus olhos para ela, e foi Yuki quem quebrou o silêncio.

— Estamos atrás de você, bobinha! — disse ele, com um sorriso meigo, mas seus olhos brilhavam com algo que Mikaela não conseguia decifrar. Seu peito apertou, o coração disparando.

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