O Amuleto
O vento cortava o rosto de Mikaela, como uma lâmina gelada, refletindo a frieza de tudo o que ela enfrentava. Aos vinte e dois anos, sua vida estava longe de ser fácil. Trabalhava como empregada em uma casa de luxo, servindo a um homem rigoroso, cujas exigências não mostravam misericórdia. O tempo parecia irremediavelmente repetitivo. Após um dia exaustivo, sempre voltava para a mesma rotina: encontrar seu pai caído, mais uma vez, à mercê de seus próprios erros. Um homem que estava afundado até o pescoço em dívidas, endividado com quem sabia como pressioná-lo.
A mãe de Mikaelaa abandonara quando ela tinha apenas dezesseis anos, em busca de uma vida melhor ao lado de um novo marido rico. Mikaela cresceu acreditando que, se tivesse mais uma chance de proteger o pai, talvez as coisas mudassem. Mas, sem a figura materna e com um pai cada vez mais imerso na bebida, ela sentia que cada dia era apenas um pedaço quebrado de sua infância que ela tentava juntar.
Como sempre, seus olhos estavam cansados, as sombras de noites mal dormidas marcaram seu olhar, e o peso de cada passo parecia o afundar ainda mais. As pernas, doloridas pela pressão dos longos turnos de trabalho, vacilavam conforme ela se aproximava de casa. A pequena cidade, escondida entre matos e bosques, nunca pareceu tão silenciosa, o que só amplificava o cansaço que sentia.
Ao virar a esquina, Mikaela avistou a silhueta do pai, sentado à beira da calçada. Ele estava encostado em uma parede desgastada, como se fosse parte da própria estrutura deteriorada ao seu redor. O homem que um dia fora seu herói estava agora sóbrio de nada, exceto do vício que corria em suas veias.
— Pai... Você bebeu de novo? — A voz dela era uma mistura de desgosto e resignação, mas ainda assim, ela se abaixou. Com a suavidade que podia reunir, pegou um lenço da bolsa e o usou para limpar o rosto do pai. Não mais preocupado, mas cansada de lutar pelas esperanças que se desfaziam a cada dia.
De repente, o som das portas das casas dos vizinhos batendo chamou sua atenção. Homens em ternos, com semblantes frios e autoritários, começaram a andar pelo local. Mikaela sabia exatamente quem eram: os credores. Aqueles homens sem alma, donos das dívidas que seu pai carregava, cada um mais implacável que o outro. Ela sentia a tensão no ar. Havia algo diferente naquela tarde, algo que ela não podia identificar.
A exaustão começava a pesar sobre seus ombros e, com isso, sua paciência estava se esgotando. Os homens se aproximaram, ignorando sua presença, como se ela fosse uma sombra a ser evitada.
— Sai de perto, garota! — Um deles a empurrou sem cerimônia, de forma brusca. O impacto a fez cair de imediato na calçada, seu corpo atingindo o chão com força. As mãos se arranharam, o calor da dor se espalhando através dos dedos.
Ela se levantou com dificuldade, mas a sensação de impotência foi ainda pior. Sabia que não teria como impedir o que estava prestes a acontecer. Uma segunda figura se aproximou. Era um homem um pouco mais baixo, que entregou a um dos outros um taco, estranho e ameaçador, que parecia mais pesado do que deveria.
Mikaela percebeu, então, que algo estava prestes a acontecer. A tensão tomou forma diante de seus olhos e, antes que pudesse reagir, o homem à frente de seu pai avançou com o taco, mirando diretamente na cabeça de seu pai. O som seco do impacto fez o corpo de Mikaela gelar.
Seu pai soltou um gemido de dor, um som profundo que cortou o ar. Ele se contorceu, tentando se afastar, mas não havia para onde fugir. O impacto havia sido violento demais, e a visão de seu pai caído e chorando, incapaz de sequer se proteger, fez Mikaela se perder em uma mistura de revolta e desesperança. Ela estava ali, congelada, impotente, sabendo que aqueles homens continuavam a machucar seu pai sem nenhum sinal de misericórdia.
E foi assim, com os olhos marejados de dor e raiva, que Mikaela se sentou em silêncio, observando o que parecia ser o fim de um capítulo de sua vida. O destino a observava, frio e implacável, e ela não sabia como enfrentá-lo.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Gato Vesgo Laranja
Gostei muito da forma que você escreve. Faz eu querer ler mais.
2025-01-14
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