O sol nascente atravessava as cortinas pesadas da pequena casa no interior, lançando raios dourados sobre o quarto simples onde Anabela repousava. O ar, abafado pela quietude da manhã, parecia pesar sobre os ombros das duas irmãs. Liana e Liara estavam ao lado da cama de sua tia, cujas forças estavam visivelmente se esvaindo. O cheiro de remédios e o eco distante de passos apressados no corredor eram os únicos sons quebrando o silêncio da casa, já marcada pelos anos de desgaste e solidão.
Liana, com os cabelos presos em um coque desfeito e os olhos vermelhos de tanto chorar, segurava a mão fria de Anabela. Seus dedos tremiam, mas ela não soltava. Liara, mais jovem e com os olhos nublados de lágrimas, tentava conter a dor, mas sua expressão era de um sofrimento profundo. Ela se aproximava da cama de sua tia, olhando-a com uma mistura de receio e desesperança.
– Tia, por favor... você precisa descansar. Não force, nós estamos aqui – disse Liana, com a voz trêmula, mas tentando transmitir a Anabela uma sensação de calma, como se pudesse impedir o inevitável.
Anabela soltou um suspiro fraco, mas seus olhos, em um reflexo de pura urgência, estavam fixos nas duas irmãs. Eles eram como um farol na neblina de sua vida já decadente. Ela ainda tinha algo a dizer, algo que precisava ser revelado antes que o véu da morte a envolvesse completamente.
– Não... não tenho mais tempo – ela falou com dificuldade, a voz quebrada pelo esforço, como se cada palavra lhe causasse dor. – Preciso... contar a verdade.
Liara engoliu em seco, a inquietação visível em seu rosto, e se aproximou mais, os olhos fixos na tia.
– Verdade? Do que está falando, tia? – Sua voz vacilava, tentando entender o que sua tia, sempre tão forte e protetora, estava tentando lhe dizer.
Os olhos de Anabela brilharam com lágrimas que se negavam a cair. Ela olhou para as duas irmãs como se fosse a última vez. Algo nela parecia já ir embora, como se seu espírito estivesse prestes a escapar daquele corpo cansado.
– Vocês... não são minhas filhas – ela sussurrou, as palavras saindo de sua boca como se fossem veneno.
O quarto, antes preenchido pelos sons suaves da manhã, mergulhou em um silêncio absoluto. Liana e Liara trocaram olhares atônitos, incapazes de compreender o que acabaram de ouvir.
– O quê? – A voz de Liana foi um suspiro abafado, uma mistura de incredulidade e medo. – Como assim?
Anabela tentou se mover, mas o esforço fez seu corpo estalar, e ela teve que interromper a tentativa, seu olhar agora profundamente triste.
– Eu... eu roubei vocês – confessou, as palavras caindo pesadas, uma por uma. – Vocês eram pequenas... tão pequenas... vocês pertencem à sua mãe, Amelia... e ao seu pai, Bruno.
As palavras de Anabela cortaram o ar como lâminas afiadas. O choque tomou conta das duas irmãs. Liara deu um passo para trás, a mente trabalhando em velocidade frenética para compreender o que acabara de ser revelado. Ela balançava a cabeça em negação, tentando afastar a ideia de que tudo o que ela conhecia até aquele momento era uma mentira.
– Isso... isso não pode ser verdade – ela murmurou, a garganta apertada, sem saber em quem mais confiar. – Você disse que eles foram mortos... você mesma nos contou...
– Foi uma mentira. Uma mentira que contei para mantê-las comigo – confessou Anabela, agora com as lágrimas escorrendo livremente, lavando o rosto enrugado pela dor e pelo tempo. – Eu... não podia ter filhos. E quando sua mãe teve vocês... eu... eu os invejei.
Liana sentiu o coração apertar, uma sensação de vazio tomando conta de seu peito. As memórias de infância, que antes pareciam tão fragmentadas e desconexas, agora ganhavam uma nova perspectiva. Ela apertou a mão da tia com mais força, buscando, de alguma forma, ainda encontrar algo de familiar naquela mulher que sempre a havia cuidado.
– E nossa irmã, Laila? Ela também está viva? – A voz de Liana tremia, mas havia um fio de esperança, como se talvez, depois de tanta mentira, ainda houvesse uma chance de encontrar a verdade.
Anabela assentiu lentamente, seu olhar agora distante, como se estivesse já à beira de um abismo do qual não poderia mais voltar.
– Sim. Laila ficou com sua mãe. Ela nunca parou de procurá-las... e eu... eu não pude suportar o peso da culpa. – As palavras se arrastavam como se custassem a sair, cada uma mais dolorosa que a anterior.
O quarto foi preenchido pelo som de soluços abafados. Liara se afastou um pouco, colocando a mão sobre a boca para tentar controlar o choro, enquanto Liana, com o peito apertado, lutava contra a sensação de traição que tomava conta de seu ser. Como podia confiar em tudo o que ela conhecia até agora?
Antes que qualquer uma das irmãs pudesse falar, Anabela fez um gesto fraco com a mão, pedindo-lhes silêncio. Ela parecia não ter forças para continuar, mas havia algo mais que precisava ser feito.
– Liana... vá até a gaveta... há um celular. – A voz de Anabela era quase inaudível, mas o tom de urgência não passava despercebido.
Com o coração acelerado, Liana obedeceu, sem saber o que esperar. Ela abriu a gaveta e retirou um celular antigo, que parecia fora de lugar naquele ambiente simples. Quando o entregou à tia, Anabela digitou um número com precisão, como se aquele fosse o único ato que lhe restava. Ela olhou para Liana e Liara uma última vez antes de apertar a tecla de chamada.
O telefone tocou uma vez, duas vezes... até que, finalmente, alguém atendeu.
– Alô?
Anabela sentiu as lágrimas molharem seu rosto, sentindo que estava se despedindo de todo o seu mundo. Sua voz falhou por um momento antes de conseguir falar, a culpa transbordando em cada palavra.
– Amelia... sou eu.
O silêncio do outro lado foi denso, carregado de anos de dor e separação. Uma voz hesitante respondeu, mas com um tom inconfundível de emoção.
– Anabela? É você?
Ela assentiu lentamente, sem conseguir falar mais nada. A tensão no ar parecia impossível de suportar. Anabela, com a última força que restava, conseguiu fazer a confissão que tanto temia.
– Sim... eu... eu preciso contar algo. Eu roubei suas filhas... Liana e Liara. Elas estão vivas. Estão aqui comigo.
Do outro lado da linha, um grito de pura emoção se fez ouvir, mas Anabela não conseguiu ouvir mais. O celular escorregou de suas mãos, caindo suavemente sobre o colchão, enquanto ela soltava seu último suspiro, com um semblante de paz. A verdade, por fim, havia sido revelada.
Liana e Liara gritaram em uníssono ao ver a tia partir, o vazio da perda consumindo-as de uma forma que não podiam entender completamente. Anabela já não estava mais ali, mas seu segredo, pesado como uma sombra, permanecia no ar. O que elas fariam agora? Quem eram elas, realmente?
O eco da revelação estava apenas começando.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Marcos Bec
Fortes revelacoes
2025-03-10
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