Capítulo 2 - Tolerância Forçada
Passaram-se duas semanas desde que Damian entrou na Visión+, e a cada dia minha paciência era testada. Ele tinha o talento irritante de estar sempre no limite entre ser útil e insuportável.
Naquela manhã, cheguei mais cedo do que o normal. Queria aproveitar algumas horas de silêncio para revisar as ideias que havíamos apresentado na última reunião. Para minha surpresa, Damian já estava lá, em pé ao lado da mesa, analisando a maquete física que montamos.
— Você não dorme? — perguntei, colocando minha bolsa sobre a cadeira.
Ele se virou com aquele sorriso familiar, como se esperasse minha provocação.
— Só não gosto de perder tempo. Diferente de você, que parece viver para reclamar.
Suspirei, ignorando o comentário.
— O que está fazendo?
— Revisando a estrutura do centro cultural que sugerimos. Acho que podemos melhorar o design da fachada. Está muito... previsível.
Revirei os olhos e me aproximei, cruzando os braços enquanto olhava para a maquete.
— O bairro é histórico, Damian. Não podemos transformar isso em algo futurista e alienado.
Ele deu de ombros, como se minhas palavras não significassem nada.
— Só porque é histórico não significa que precisa ser entediante.
— E só porque você gosta de "ousadia" não significa que pode ignorar a essência do lugar.
— Toque pessoal não é ignorar a essência. É evolução.
Fechei os olhos por um momento, tentando não perder a paciência. Ele era impossível.
— Certo, Damian. Por que não me mostra exatamente o que você tem em mente?
Ele se animou, pegando um lápis e papel para esboçar sua ideia. A cada traço, explicava com entusiasmo sua visão, falando sobre o impacto que o projeto poderia ter nos moradores e nos visitantes. Havia paixão no que ele dizia, e, por mais que eu não quisesse admitir, algumas de suas ideias faziam sentido.
— O que acha? — perguntou, segurando o esboço em minha direção.
— Acho... que você tem boas intenções, mas isso não vai funcionar — respondi, entregando o papel de volta.
Ele soltou um riso curto, balançando a cabeça.
— Você é sempre assim tão difícil, Ana?
— Só quando as pessoas insistem em ser teimosas.
Ele deu um passo mais perto, me forçando a olhar para ele. Eu odiava o quanto ele era imponente, mesmo sem tentar.
— E você insiste em ser sempre tão defensiva.
O jeito como ele me olhava me incomodava, não porque era invasivo, mas porque parecia ver mais do que eu queria mostrar.
— Só porque eu sou direta, não significa que estou errada.
— E só porque eu sou confiante, não significa que estou errado.
Nossos olhares se mantiveram fixos, como se nenhum de nós quisesse ceder. Finalmente, suspirei e me afastei, voltando para minha mesa.
— Vamos focar no que importa. Temos uma reunião com o chefe em uma hora.
Ele sorriu novamente, aquele sorriso irritante que eu já começava a reconhecer.
— Como quiser, Ana.
E lá estava ele, agindo como se tudo fosse um jogo. Talvez fosse, para ele. Mas, para mim, era trabalho, e eu não ia deixar que sua arrogância ou charme confuso atrapalhassem meus planos.
O que eu não sabia era que essa convivência diária iria, pouco a pouco, mexer comigo de formas que eu ainda não estava disposta a admitir.
A reunião com o chefe passou, e como esperado, Damian não poupou esforços para apresentar suas ideias. Eu, por outro lado, fiz o meu melhor para suavizar o impacto do que ele sugeria sem perder o foco no que realmente importava. Não demorou muito para que o ambiente no escritório voltasse ao que era, com Damian e eu em um impasse constante, como duas forças opostas que não conseguiam se afastar, mas tampouco se uniam.
Naquela tarde, ele apareceu na minha mesa novamente, mais uma vez com aquele sorriso desafiador que me fazia questionar até que ponto ele estava se aproveitando da minha paciência. Ele não entendia que eu não estava ali para jogar, mas para trabalhar.
— Então, Ana... — disse ele, parando ao meu lado, com a leveza de quem não se importa. — Quando vamos sair da teoria e colocar isso em prática?
Olhei para ele, tentando não demonstrar o quanto sua presença me afetava.
— O que você quer dizer com isso? — perguntei, sem desviar o olhar de minha tela.
Damian cruzou os braços, se encostando no balcão da minha mesa.
— Quero dizer que passamos tempo demais discutindo ideias. Eu estou pronto para avançar, e você... bem, você parece estar presa em algum lugar do passado.
Soltei um riso curto, quase sem humor.
— Não estamos aqui para fazer experimentos. O que estamos criando precisa ser funcional e respeitar a realidade. Você pode ter visão, Damian, mas também precisa entender os limites.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Limites? Então você acha que estou sendo irrealista?
Fui firme em minha resposta, mais do que gostaria.
— Às vezes, sim. A realidade é bem mais complexa do que desenhar paredes brilhantes e chamativas.
Ele se aproximou ainda mais, o olhar fixo no meu.
— E por que não podemos tentar algo novo? Você tem medo de arriscar, Ana?
Aquilo me fez dar um passo atrás, a tensão entre nós crescendo. Era sempre assim, não era? Ele tentava me provocar, me empurrar para fora da minha zona de conforto, e eu… eu me defendia com a única coisa que sabia fazer bem: ser racional.
— Não se trata de medo, Damian — comecei, tentando controlar o tom da minha voz, mas sentindo a irritação me consumir. — Trata-se de entender que a inovação não pode ser uma imposição.
Ele não respondeu imediatamente, como se estivesse processando minhas palavras. Por um momento, pensei que ele fosse finalmente perceber a seriedade da situação, mas, como sempre, Damian parecia encontrar prazer em ir além dos limites.
— E você acha que eu impus alguma coisa? — perguntou, seu tom mais calmo, mas com um toque de provocação.
— Sim, você impõe sua visão como se fosse a única válida — respondi, sem hesitar. — Eu sou a pessoa que tem que garantir que isso seja executável. E você... você só sonha.
Ele deu um sorriso de canto de boca, aquele sorriso que me fazia questionar por que, apesar de tudo, eu ainda me sentia atraída pela sua maneira confiante de ser.
— Você se convence de que sou só um sonhador, mas está errada. Um sonhador também é capaz de criar, Ana.
Eu quase deixei escapar um suspiro de frustração, mas segurei firme.
— E você acha que isso vai mudar alguma coisa?
Damian deu um passo atrás, olhando-me com mais intensidade agora.
— Eu só queria que você visse o que eu vejo. Que não temos que jogar dentro das regras do passado para sermos bem-sucedidos no futuro. Talvez, um dia, você entenda isso.
As palavras dele ficaram ecoando na minha cabeça enquanto ele se afastava. Algo nele parecia estar sempre um passo à frente de mim, desafiando minha lógica e me forçando a questionar se o que eu acreditava ser certo era, de fato, o melhor caminho. Mas, ao mesmo tempo, havia algo nele que eu detestava profundamente: sua confiança inabalável.
Eu me vi parando por um momento, olhando para a mesa com uma sensação de impotência. Ele estava certo, em certo sentido. Eu me agarrava às regras antigas, e ele queria quebrá-las. Mas… e se quebrar as regras fosse o que eu realmente precisava fazer? Eu não sabia. Não ainda.
A tensão entre nós nunca pareceu tão palpável como naquele momento. E, mesmo sem querer, senti o peso da dúvida se instalar em meu peito.
Damian tinha, de algum modo, feito mais do que apenas desafiar minhas ideias. Ele estava me forçando a reavaliar tudo o que eu acreditava sobre o trabalho, sobre ele e, talvez, sobre mim mesma.
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Atualizado até capítulo 60
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