4 - o fogo do inferno nos olhos

Lucca Moretti 🔥

Encaro as horas no relógio pela milésima vez e me levanto da cadeira.

Essa família não conhece a palavra "comprometimento"?

Eles estão atrasados e, por alguma razão, meu pai também não está aqui.

Com raiva, dou a volta na mesa e, quando ia em direção à porta, ela se abre.

E por ela passam a governanta e... Cassandra Rossi.

Meu Deus, que espetáculo de mulher...

Pensei comigo mesmo, depois de a analisar dos pés à cabeça e notar a beleza surreal que ela é.

Mas é claro que eu não expressei nada.

— Desculpe pelo atraso, senhor — disse a governanta, e só então meus olhos desviaram dos de Cassandra.

— Pelo quê? Quem precisa se desculpar é a senhorita Cassandra Rossi — digo com firmeza, voltando a encarar os olhos de Cassandra.

Mas ela me olhou de baixo para cima e pareceu enojada, mas não disse nada.

— Não, meu senhor, houve uma confusão e, por isso, só pude trazer a senhorita Cassandra para cá agora — respondeu a governanta.

— Pelos vistos, o seu chefe não tem a mínima ideia do que acontece por aqui. Mas eu não o culpo, erros acontecem — diz Cassandra, depois de cruzar os braços. — Mas Lucas, Lucca, tanto faz, se eu fosse você, tomaria cuidado, pois, caso contrário, as coisas podem sair do seu controle.

O que? Quem essa mulher pensa que é para falar comigo neste tom?

— E eu pensava que, ao contrário dos homens, as mulheres tinham mais noção do tempo e eram mais pontuais — respondi à afronta de Cassandra, e ela sorriu de um jeito provocador.

Então, ela descruzou os braços e deu dois passos à frente.

— E nós temos. O problema é que você, como chefe, deveria estar a par dos imprevistos que acontecem no teto em que está, mas é claro que você não faz ideia do que aconteceu, não é? — respondeu Cassandra, e eu, por alguma razão, não sei o que responder.

Então, ela sorriu de forma vitoriosa e descruzou os braços.

— Por favor, Lucca, eu não vou guardar ressentimentos por causa dessa confusão. Vamos ao que realmente importa, sim? — ouvi Cassandra dizer depois de passar por mim e ir se sentar em uma das cadeiras atrás de mim.

Olhei para a governanta, e ela pareceu entender, pois em seguida deu meia-volta e saiu do meu escritório.

E então eu sorri, ainda de costas para Cassandra.

Me virei e notei o olhar dela sobre mim. Em seguida, ela cruzou as pernas.

Cerrei os punhos e caminhei de volta à minha cadeira.

— Por que o seu pai não está presente? — perguntei, e ela soltou um suspiro.

— Porque quem vai assinar o contrato sou eu. Ele e o seu pai estão lá fora esperando por nós. Então, se não for pedir muito, podemos começar? Tenho coisas a fazer logo depois dessa reunião.

Franzi uma das minhas sobrancelhas.

— E ir às compras é algo tão importante assim ou vai sair com suas amigas, senhorita Cassandra? — perguntei com a intenção de provocá-la.

— E usar argumentos machistas faz parte do seu plano para tentar me destabilizar ou você tem outra carta na manga?

Oh, ela é boa... — pensei depois de ver o sorriso provocador nos lábios dela.

Mantenho nosso contato visual, e ela faz o mesmo.

— Bom, vamos começar — respondo, depois de ter quebrado nossa troca de olhares estranhamente satisfatória.

[...]

Uma hora e meia se passou, e Cassandra ainda mantém a mesma postura desde que entrou aqui.

Ela está lendo as últimas cláusulas do nosso acordo, mesmo depois de eu ter dito que já fiz isso e que elas vão beneficiar ambas as famílias.

— Você sabe que não precisava ler tudo, não é? Minha família é honesta e jamais passaríamos a perna para um de nossos aliados — digo a ela, e ela nem sequer me olha.

Que filha da puta.

— Terminei. Espero não ter ferido seus sentimentos, Lucca, é que eu não confio em ninguém, nem sequer na minha própria sombra — respondeu ela, depois de colocar o contrato em cima da mesa.

Sorri abertamente e encarei os olhos dela. Meu olhar desceu para a boca dela.

É estranho, mas como é que um batom vermelho é capaz de me deixar tão excitado?

— Em nome da minha família, estou honrada em trabalhar com vocês — diz ela, quebrando o silêncio entre nós. — Formarei uma equipe com os nossos melhores homens e peço permissão para vir aqui e ver os treinos dos seus homens.

Levanto a sobrancelha com essa demanda estranha.

— Por que você quer ver os treinos dos meus agentes? — pergunto com extrema curiosidade.

— Porque conheço os treinos que os meus homens fazem, mas não os treinos aos quais os seus agentes estão habituados.

Ela respondeu, mas eu continuei em silêncio. Então, ela revirou os olhos e continuou a falar.

— Não foi uma afronta, Lucca. O que quero dizer é que preciso acompanhar os treinos dos seus agentes, para que assim tenha uma ideia de como eles agem em um campo de batalha. E, além disso, para que eu forme uma equipe com os nossos melhores agentes, preciso estudar tanto as forças quanto as fraquezas. Assim poderei montar a equipe perfeita.

Disse ela, e eu tive que admitir para mim mesmo que Cassandra Rossi não é uma mulher qualquer.

Além de ser bela, ela é inteligente e tem noção de estratégias e formação de equipes.

— Isso é uma excelente ideia, Cassandra — digo, e ela não expressa nenhuma reação. — Acho que te subestimei.

— E deixe-me adivinhar o porquê? Ah não, espera, por eu ser uma mulher?

Ela respondeu e eu inclinei meu rosto na direção dela.

- Posso te perguntar uma coisa, Cassandra? - perguntei em um tom de provocação.

- Pode, Lucca. - respondeu ela.

- Você acha que pode liderar seu clã sozinha? - perguntei, e ela sorriu pela primeira vez desde que chegou aqui. - Estou ansioso para ver o quão longe você vai chegar sem se quebrar.

Cassandra Rossi inclinou o rosto dela para frente, e assim uma mínima distância nos impede de nos beijarmos.

- Mas você vai ter um pequeno problema. - diz ela ao encarar os meus lábios. - E o problema é que eu quebro homens como você antes do café da manhã. Então eu espero que até lá o senhor esteja vivo.

Sorri com essas palavras e aproximei mais o meu rosto do dela.

- Para o seu azar, eu estarei. - respondi, e ela mordeu o lábio inferior antes de me olhar de um jeito sexy.

- É o que veremos, Lucca. - respondeu ela.

E caramba... por que é que o meu corpo está tão quente?

- Isso foi uma ameaça? - perguntei, e ela riu tão alto que chega a dar medo.

- Quer que seja uma? - diz ela, e puta merda!

Essa mulher tem o fogo do inferno nos olhos.

Me inclinei para trás, antes que eu tivesse a audácia de beijá-la por impulso, e ela fez o mesmo.

Estou contente pelo nosso acordo.

O acordo é simples:

Nós temos vários inimigos em comum, mas nenhum deles é tão ameaçador quanto os Venturelli.

Por muitos anos, eles têm nos dado muita dor de cabeça. Já tentamos negociar e evitar confusões entre nossas famílias, mas tudo piorou depois do acordo de paz que eles estabeleceram.

Eles queriam que eu me casasse com a herdeira deles para que o irmãozinho dela tivesse acesso livre para se tornar chefe.

Eu recusei, pois não sou capaz de permanecer ao lado de alguém para todo o sempre. E nem acho que sou capaz de amar ou de ser amado.

Durante vários anos, eu fui ou sou um monstro, pois já derramei muito sangue.

De vários modos e de diversas maneiras também.

Por orgulho?

Por ambição?

Por aprovação?

Talvez?!... Mas hoje, aos 32 anos, eu me cansei dessa merda toda.

Sei que não tenho escapatória deste mundo horrendo e sanguinário, mas às vezes eu queria... queria me sentir livre.

Igual ou melhor do que os pássaros.

Talvez por isso eu os odeie tanto.

Enfim, infelizmente a minha rejeição em relação a essa oferta de paz (casamento arranjado) foi considerada como uma afronta.

E hoje eles são as pessoas que mais me odeiam e que mais desejam a minha morte.

E por que a minha máfia tem interesse em fazer um acordo com os Rossi?

Porque foram eles que mataram Nathanael Rossi.

Irmão de Cassandra e antigo herdeiro da liderança da máfia Rossi.

E lamento amargamente que esse seja o único motivo pelo qual nós teremos um acordo.

Pois sei e noto nos olhos de Cassandra que ela nunca superou a morte do irmão.

E para a desgraça de Cassandra, Nathanael se sacrificou para que ela continuasse em vida, embora isso tenha sido um ato de lealdade, bondade e amor... Cassandra foi julgada por todos e culpada pela morte do próprio irmão.

Talvez por isso ela seja tão fria, calculadora, maléfica, cruel, forte, ambiciosa, manipuladora e ameaçadora.

É triste admitir, mas às vezes a vida não é justa nem para aqueles que são ou eram considerados inocentes.

Nathanael Rossi, por mais que ele tenha feito parte desse submundo cruel, ele era uma boa pessoa.

Sei disso, pois das vezes que tive a oportunidade de conversar com ele, ele tinha uma aura pura.

Não sei dizer... talvez fosse aquele sorriso que ele mantinha no rosto mesmo que o mundo fosse um caos para ele.

Ele foi um dos, senão o único, homem que eu realmente espero que esteja no céu.

A questão é que a morte dele transformou Cassandra no que ela é hoje em dia.

E para a minha felicidade, Cassandra e eu temos um inimigo em comum e que queremos matar.

Sabem o que dizem por aí?

O inimigo do meu inimigo é meu amigo.

E sinceramente?

Eu jamais gostaria de ser um dos inimigos de Cassandra Rossi.

Essa mulher é um mistério que eu com certeza não vou e nem quero resolver.

Cassandra pegou uma das canetas em cima da mesa e assinou o contrato.

- Espero não me arrepender disso. - diz ela depois de assinar e de ter se levantado. - Eu quero a cabeça de todos eles, sem exceção.

Diz ela ao me entregar o contrato.

- E eu quero o mesmo que você! - respondo, e ela estendeu a mão para me cumprimentar.

- Então será um prazer trabalhar com você, Lucca Moretti! - respondeu ela, e eu estendi a mão para apertar a dela.

- Digo o mesmo, Cassandra.

Assim que eu apertei a mão dela, uma descarga elétrica percorreu o meu corpo.

E acho que ela sentiu o mesmo, pois algo nos olhos dela me diz isso.

- É melhor nós irmos andando, os nossos pais devem estar aborrecidos de tanto nos esperar. - disse ela ao largar a minha mão.

- Tem razão. Se quiser, pode ir na frente, vou guardar o contrato e te encontro lá fora - respondi, e ele acenou com a cabeça.

Cassandra se virou e caminhou até a porta.

Esperei que ela saísse e pude suspirar.

Que merda de tensão foi essa?

Por que a presença dela mexe tanto comigo?

Questionei-me bastante antes de guardar o contrato no cofre secreto na minha estante de livros.

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