Bibi Bittencourt
Dois anos atrás...
Eu me lembro de tudo com uma clareza absurda. A dor, o medo, a vergonha. Como se fosse ontem, mas foi há dois anos. Dois anos que, de uma maneira cruel, mudaram o rumo da minha vida. Eu não tinha ideia de que uma simples frase poderia virar meu mundo de cabeça para baixo, mas uma frase foi o suficiente. Uma única palavra, e tudo o que eu conhecia desmoronou em torno de mim. Aquele momento, aquela conversa com Rafael… ficou gravado em minha mente como uma cicatriz indelével, algo que nem o tempo, nem a distância, poderão apagar.
Eu estava em Florença, vivendo minha vida confortável, sob a vigilância de minha família, em um mundo de luxo e requinte. Tudo parecia perfeito na superfície. Mas, como tudo na minha vida, o que parecia ser perfeito logo se revelou um pesadelo em potencial. Eu estava jovem, com 22 anos, com o mundo aos meus pés, e então… ela apareceu. A notícia. Uma notícia que virou tudo de cabeça para baixo. Uma notícia que, em vez de ser uma benção, parecia ser uma sentença de condenação. Eu estava grávida.
Era uma manhã chuvosa de outubro quando percebi que algo estava errado. Não era uma sensação física, mas algo no fundo do meu peito me dizia que as coisas não estavam bem. Eu estava atrasada. A pressão de minha família, de ter que manter as aparências, de sempre ser a filha perfeita, começou a pesar como um fardo que eu não podia mais carregar. Meu relacionamento com Rafael estava frio, mas o que eu sentia não era mais importante. O que importava era fazer tudo certo, como sempre fiz, para não desapontar. Mas a gravidez mudou tudo.
Eu sabia que precisava contar a Rafael. Sabia que era o momento, e a verdade seria revelada, não importava o quanto eu tentasse evita. Quando finalmente reuni forças, quando o medo já tomava conta de mim, decidi que era hora de enfrentar as consequências.
Rafael estava no sofá, como sempre, imerso em seu mundo de trabalho e computadores. Ele nunca parecia se importar muito com o que acontecia ao seu redor, mas eu sabia que esse era o momento. O momento de quebrar a minha própria fachada de perfeição. Então, com um suspiro profundo e o coração batendo acelerado, eu me aproximei dele.
— Rafael, eu… preciso te contar uma coisa — minha voz estava trêmula. O peso daquilo tudo parecia me esmagar.
Ele olhou para mim, sem nem ao menos levantar os olhos do computador.
— O que foi, Bibi? — ele perguntou, sua voz calma, mas fria. Como se eu fosse apenas mais uma tarefa que ele precisasse cumprir.
Respirei fundo, sentindo o calor se acumulando no meu rosto. Nunca imaginei que minha vida fosse tomar esse rumo.
— Estou grávida, Rafael — as palavras saíram de minha boca quase como um sussurro, mas eu sabia que ele ouviu. Eu sabia que isso mudaria tudo.
Ele levantou os olhos do computador pela primeira vez e me encarou. O silêncio pairou por um segundo, mas para mim, foi uma eternidade.
Então, como uma tempestade repentina, a raiva tomou conta dele. Ele se levantou do sofá com um movimento brusco, os olhos queimando de raiva. Eu nunca o tinha visto tão irritado, tão distante. O medo tomou conta de mim.
— O quê?! — a voz dele foi baixa, mas carregada de uma raiva tão intensa que parecia que ele estava tentando controlar o próprio corpo para não explodir. — Isso é uma piada, Bibi? Você tem noção do que está me dizendo?
Eu dei um passo para trás, minha cabeça começando a rodar. Não sabia o que esperar dele, mas com certeza não era isso. Ele parecia desmoronar diante de mim, como se algo dentro dele tivesse quebrado. Não sabia o que ele estava pensando, mas eu sentia que havia algo muito errado. Algo muito mais profundo.
— Não, não é uma piada, Rafael — minha voz estava fraca, mas eu não podia voltar atrás. O que estava acontecendo não era mais sobre o que eu queria ou não queria, mas sim sobre o que eu deveria enfrentar.
Ele começou a andar de um lado para o outro, como se estivesse tentando processar a informação, mas sua expressão era de pura frustração. Ele parou diante de mim e me encarou com uma intensidade perturbadora.
— Você não pode estar falando sério. Como você se deixou chegar a esse ponto? — ele disse, a voz carregada de desprezo. Era como se ele estivesse me acusando de uma falha pessoal, como se eu fosse a culpada por tudo o que estava acontecendo.
Eu tentava encontrar as palavras, mas a sensação de culpa e vergonha tomava conta de mim. Eu sabia que ele estava irritado, mas não esperava que fosse assim. Não esperava que ele fosse tão frio e distante. Eu queria me explicar, queria que ele me entendesse, mas eu não sabia mais como. Eu queria, de alguma forma, apagar aquele momento.
— Rafael, eu… eu não sei o que fazer, mas não posso simplesmente ignorar isso — eu disse, minha voz falhando. Estava com medo de sua reação. Sabia que ele não era o tipo de homem que lidaria bem com uma situação como essa.
Ele então deu um passo mais perto, e seu olhar foi tão frio que me arrepiou. Ele não parecia mais o homem que eu conhecia. Eu não reconhecia aquele olhar.
— Não sei como você pode ser tão irresponsável, Bibi. Como você não pensou nas consequências disso? — ele continuava a me humilhar com palavras afiadas, como se fosse minha culpa completamente. — Eu não posso, eu não vou ser responsável por isso.
Eu dei um passo para trás, o medo crescendo dentro de mim. A raiva de Rafael estava tomando um rumo ainda mais sombrio. Eu queria que ele me abraçasse, que me dissesse que tudo ficaria bem, mas não era isso que ele estava fazendo. Ele estava me atacando com suas palavras.
— Rafael, por favor… eu não sei o que fazer. Eu estou com medo — eu disse, minha voz tremendo.
Ele me olhou com desprezo, como se eu fosse fraca demais para lidar com a situação.
— O que você vai fazer? — ele riu, mas não era um riso de alguém que achava graça. Era um riso sarcástico e cruel. — O melhor para todos nós seria se você fizesse o que precisa ser feito. Aborte, Bibi. Não faça isso com a gente.
Eu congelei. O choque me paralisou. Abortar? Ele estava falando sério? O homem com quem eu me envolvera, com quem eu compartilhara tantos sonhos, agora me dizia para destruir tudo o que havia surgido entre nós. Meu corpo tremeu de indignação, e uma raiva profunda cresceu dentro de mim.
— Você não tem direito de me dizer o que fazer! — eu gritei, tentando segurar as lágrimas que ameaçavam cair. Eu não era mais aquela jovem submissa, pronta para agradar a todos. Eu era uma mulher, com minha própria voz, e não permitiria que ele me humilhasse mais.
Mas Rafael não recuou. Ele apenas me olhou com uma expressão fria, como se minha reação fosse irrelevante para ele.
— Eu não posso mais fazer parte disso, Bibi. Não consigo ser o que você espera que eu seja. E eu não vou ser pai, não desse jeito. Eu não preciso de mais essa complicação na minha vida — ele disse, a voz agora gélida, sem uma pitada de emoção.
Eu senti uma dor lancinante no peito, como se ele tivesse rasgado minha alma em pedaços. Eu esperava apoio. Eu esperava compreensão. Mas tudo o que encontrei foi rejeição e desprezo. Ele não queria ser pai. Ele não queria mudar. E eu, eu estava sozinha, diante de uma situação que eu não sabia como lidar.
Naquele momento, percebi que o que eu pensava que tinha com Rafael não passava de uma ilusão. Eu estava sozinha. E eu teria que lidar com isso da maneira que fosse necessário. Não sabia o que o futuro me reservava, mas uma coisa era certa: eu não iria deixar que ele destruísse a minha vida. Nem que fosse para seguir sozinha.
E assim, naquele instante de dor e desespero, eu tomei a decisão mais difícil de todas: eu não faria o que ele queria. Eu não abortaria. Eu seguiria em frente, por mim, por Vivian, e por tudo o que eu sabia que poderia ser.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 101
Comments