V - Famílias

Sokjhan entrou na cabana com passos silenciosos, seus olhos se fixaram na figura da moça amarrada sobre a armação improvisada de bambu e palha. Seus pulsos estavam presos com força, seus braços e pernas marcados por hematomas visíveis. Ela se contorcia ao vê-lo, o medo e o desespero evidentes em seus olhos. Sokjhan se aproximou e, com movimentos cuidadosos, começou a soltar as amarras de seus braços e pernas. A moça, agora livre, arrancou a mordaça de sua boca por conta própria, respirando profundamente, como se tentasse recuperar a força perdida.

Sokjhan observou por um momento os machucados em seu corpo, seu olhar fixo, mas desprovido de malícia. No entanto, ela, ao perceber que ele a olhava, cruzou os braços sobre o corpo e o encarou com indignação.

— Vai continuar me assediando com os olhos, ou isso é só o começo? — disparou, o tom ácido, claramente irritada.

Sokjhan, sem qualquer alteração na expressão, desviou o olhar.

— Não estava olhando com malícia. Apenas percebi o quanto você foi machucada — respondeu ele, a voz baixa e tranquila.

A moça relaxou um pouco ao ouvir a resposta, mas a desconfiança ainda estava presente.

— Quem é você? — perguntou, os olhos agora cautelosos. — Foi enviado em uma missão para me resgatar? O que fez com aquele homem?

Sokjhan se levantou, limpando a terra de suas roupas de forma despreocupada.

— Eu só estava passando por perto — disse ele, como se aquilo fosse o mais óbvio dos acontecimentos. — Ouvi os sons daquela vara de bambu acertando seu corpo e decidi verificar. Quanto ao homem... — fez uma breve pausa, apontando com o queixo para a saída da cabana — está incapaz de fazer qualquer coisa por um bom tempo. Mas ele não está morto. Acho que seria uma boa ideia você se vestir e fugir de volta para onde mora.

Ela, ainda hesitante, olhou ao redor, umedecendo os lábios ressecados.

— Eu não sei para que lado fica minha casa... nunca estive aqui antes. Fui trazida à força, fui sequestrada.

Sokjhan a observou por um instante, assimilando a situação.

— Imagino que você foi raptada para forçar sua família a pagar por um acordo que não foi cumprido — deduziu, com a calma de alguém que já havia visto esse tipo de situação antes.

Ela assentiu, e Sokjhan aproveitou para perguntar:

— Qual é o seu nome?

— Hogotome Arkire — respondeu ela, com um certo orgulho na voz, apesar de sua situação.

O nome fez Sokjhan congelar por dentro, seus pensamentos correndo rápido. "Arkire? Ela é da família Arkire?" A surpresa o atravessou por dentro, embora ele mantivesse uma expressão serena. O nome Arkire trazia uma carga significativa, pois a família era bem conhecida e poderosa.

— Hogotome Arkire... — murmurou ele, e depois, mais sério, perguntou: — Como um membro da família Arkire foi raptado com tanta facilidade por um velho maltrapilho? A sua família controla bem as fronteiras de Whuxolk. Como não perceberam o sequestro de alguém da família do Chefe Zankoche?

Hogotome passou por Sokjhan, pegou suas roupas no chão e começou a se vestir sem dizer nada por um instante. Finalmente, enquanto vestia a última peça, ela o encarou com curiosidade.

— E você? Qual é o seu nome? O que faz aqui?

Sokjhan olhou para ela com a mesma calma de sempre.

— Meu nome é Sokjhan Nanrhi.

Ela parou no meio do movimento, surpresa, os olhos arregalados. Havia um misto de surpresa e fascinação em seu olhar enquanto observava Sokjhan com renovado interesse. Ela reconhecia o nome; ele não era qualquer pessoa. Era o príncipe da poderosa família Nanrhi, uma das linhagens mais influentes e respeitadas das terras de Merliviab

De repente, um leve rubor surgiu em suas bochechas. O pensamento de que o destino poderia ter colocado Sokjhan em seu caminho fez seu coração acelerar. "Será que ele veio para me resgatar por algum propósito maior?", ela pensou, envolta em uma nuvem de sonhos e expectativas.

Mas seu encantamento foi rapidamente destruído quando Sokjhan, com a mesma serenidade, revelou:

— Renunciei ao trono de Rachzern. Não sou mais príncipe. Decidi viver uma vida nômade, em busca de aventuras além das fronteiras que me prendiam.

O rosto de Hogotome mudou instantaneamente, o balão de fantasias que havia criado em sua mente estourando com brutalidade. Ela o encarou, incrédula, como se não acreditasse no que acabara de ouvir.

— Você o quê?! — perguntou, quase gritando. — Renunciou ao trono?! Você é um herdeiro da família Nanrhi e... e simplesmente... largou tudo?!

Sokjhan apenas a encarou, sem pressa, como se a explosão dela fosse algo que ele já esperava.

— Sim, renunciei — repetiu ele calmamente, sem se abalar.

Hogotome, por um momento, não conseguiu processar o que estava ouvindo. Ela recuou um passo, a mão tremendo levemente enquanto segurava a borda de sua roupa recém-vestida.

— Isso... isso é loucura! — exclamou ela, ainda perplexa. — Você é o príncipe da família Nanrhi, um dos mais poderosos clãs de toda a dinastia Fugura... E você simplesmente... vai embora?

Sokjhan assentiu silenciosamente, sem se deixar abater pelo choque da moça. Ele sabia o que tinha escolhido. Sabia as consequências de sua decisão. E, acima de tudo, sabia que esse caminho era dele para trilhar, não importando o que os outros pensassem.

Sokjhan, ainda impassível diante do choque de Hogotome, apenas soltou um leve suspiro quando ela insistiu em seu fascínio por tradições que ele considerava ultrapassadas.

— Eu não ligo muito para essas coisas — disse, com um desdém calculado. — Costumes torpes nunca foram ideias sólidas na minha cabeça.

Hogotome, ainda que sua bolha de encanto tivesse sido estourada, não conseguia deixar de admirar a postura firme e a educação impecável de Sokjhan. Havia algo na forma como ele se mantinha que ela achava irresistível. Sem perceber, um pensamento malicioso escapou de sua mente para os lábios.

— Me pergunto se a postura dele... embaixo... também é assim... firme e grande — murmurou, quase inaudível, com um leve brilho perverso nos olhos.

Sokjhan franziu o cenho, claramente sem entender o que ela quis dizer.

— O que você disse?

Ela se deu conta do que havia acabado de falar, e seu rosto corou imediatamente.

— Ah, não... Não foi nada! — disse, apressada, desviando o olhar. — Estava só pensando em como vou voltar para Whuxolk, isso é tudo.

Sokjhan ergueu uma sobrancelha, cético.

— Você realmente não sabe onde fica Whuxolk? — perguntou ele, duvidoso.

— Nenhuma ideia — respondeu ela, resignada.

Sokjhan ficou em silêncio por um momento, analisando mentalmente a relação entre sua família, os Arkire e os Taszhō, que controlavam parte do distrito de Whuxolk. Depois de uma breve reflexão, ele se ofereceu calmamente:

— Posso levá-la até Whuxolk.

Os olhos de Hogotome brilharam com empolgação.

— Você faria isso? Você realmente seria capaz de me levar?

Sokjhan deu de ombros.

— Estou a cavalo. Daqui até Whuxolk são só dois dias de viagem. Não tenho nenhum destino em mente no momento, então não me importo de acompanhá-la até o distrito.

Hogotome ficou ainda mais entusiasmada, pensando na aventura de viajar junto com o príncipe da família Nanrhi. A ideia de estar tão perto dele durante todo o caminho mexia com sua imaginação. Fazendo um pequeno jogo de drama, ela suspirou e disse, com uma expressão calculadamente pesarosa:

— Nesse caso, Sokjhan, você não precisa me levar até Whuxolk. Talvez... eu possa te acompanhar em suas aventuras? — sugeriu, com um olhar quase esperançoso.

Sokjhan arqueou a sobrancelha, intrigado.

— Por que você faria isso?

Hogotome deu de ombros com um sorriso travesso.

— Porque as coisas em Whuxolk são um pouco sem graça. Eu quero viver algo novo. Você mesmo disse que deixou sua vida de herdeiro para explorar além das dimensões do seu distrito, então... por que eu não poderia fazer o mesmo?

Sokjhan cruzou os braços e a encarou com intensidade.

— E o que você é dentro da família Arkire?

— Sou uma das filhas do Chefe Zankoche — respondeu ela, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

Sokjhan refletiu por um instante e, então, sua expressão endureceu um pouco.

— Nesse caso, seria extremamente perigoso você me acompanhar. Seria como se eu assumisse o sequestro que aquele homem iniciou. Se Zankoche achasse que eu raptei a filha dele, minha cabeça seria caçada com ainda mais vigor. Não só por ser um príncipe da Nanrhi, mas por supostamente "roubar" você.

Hogotome tentou dizer algo, mas antes que pudesse responder, um grunhido irritado ecoou pela cabana. Ambos se viraram imediatamente, em alerta.

Era o homem que havia sequestrado Hogotome. Ele estava furioso, os olhos cheios de rancor. Seus movimentos eram vacilantes, mas sua voz soou áspera e ameaçadora.

— Vou... matar... você... — disse, em pausas nada dramáticas, erguendo chamas nos dedos de uma das mãos.

Sokjhan observou a cena com calma, já avaliando a melhor forma de lidar com a situação.

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