III - Não renuncio

O ar no curral estava fresco naquela manhã, o céu tingido de um azul suave com poucas nuvens. Sokjhan, em silêncio, preparava o cavalo malhado preto e branco, ajustando a sela. Embora suas mãos trabalhassem com a prática de quem já havia feito aquilo inúmeras vezes, havia uma certa hesitação em seus olhos. Ele abriu a bolsa presa à sela e colocou um punhal cuidadosamente dentro, respirando fundo logo em seguida. Estava prestes a dar um passo definitivo.

O som de passos suaves interrompeu o silêncio. Sokjhan nem precisou se virar para saber quem estava ali. Quando Leiang entrou no curral, sua presença era diferente — a habitual arrogância e confiança haviam dado lugar a uma melancolia visível. Ele se aproximou devagar, como se não quisesse perturbar o ambiente mais do que já o fizera na noite anterior.

— Você não precisa ir embora, Sokjhan — Leiang começou, a voz suave, quase implorando. — A casa da família... não precisa ser largada por você.

Sokjhan terminou de ajeitar as correias da sela e se virou para o irmão. Seus olhos eram sérios, mas não havia raiva. Ele balançou a cabeça levemente antes de responder.

— Essa é minha decisão, Leiang. — Sokjhan falou com firmeza, porém sem frieza. — Eu não concordo com os costumes nobres da família. Não vou continuar fingindo que concordo com algo que desprezo.

Leiang passou a mão pelos cabelos, nervoso. Ele se aproximou mais, tentando encontrar as palavras certas.

— Nós poderíamos mudar esses costumes, juntos. — Sua voz era cheia de esperança, um lampejo de arrependimento. — Apenas um de nós dois herdará o trono de qualquer maneira. Podemos fazer diferente...

Sokjhan suspirou, os olhos voltando-se para o cavalo enquanto acariciava sua crina.

— Já tomei minha decisão. — Ele deu um leve sorriso triste, mas seus olhos continuavam firmes. — Você pode assumir a casa, Leiang. O nome Nanrhi será seu, e você poderá guiar a família do jeito que quiser.

A preocupação tomou conta de Leiang, que deu mais um passo à frente, seus olhos cheios de incerteza.

— Você vai renunciar à família? — A pergunta saiu com um tom de medo, como se Leiang estivesse prestes a perder algo irreversível.

Sokjhan o olhou de relance e balançou a cabeça, negando com firmeza.

— Renunciar? Não. — Ele fez uma pausa, pensando em como colocar aquilo em palavras. — Querendo ou não, eu sempre farei parte da família Nanrhi. Esse é um laço que não pode ser desfeito. Mas eu quero que você entenda uma coisa. — Seus olhos se estreitaram levemente, sérios. — Não suje o nome da nossa família com atos desprezíveis, Leiang. Eu posso estar longe, mas os rumores chegam a todos os lugares. E, no final das contas, eu também serei afetado por isso, mesmo distante.

Leiang ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras do irmão. O peso da responsabilidade era visível em seus ombros. Ele não era tão ingênuo a ponto de não entender o que Sokjhan queria dizer. Ele assentiu lentamente, sem saber o que responder, mas claramente tocado pelo pedido do irmão.

Sokjhan montou no cavalo com um movimento suave, ajeitando-se na sela enquanto olhava para Leiang uma última vez.

— Para onde você vai? — perguntou Leiang, com uma mistura de preocupação e curiosidade.

— Ainda não sei ao certo. — Sokjhan deu um leve sorriso, mais tranquilo desta vez. — Mas não se preocupe comigo. Preocupe-se com o que você faz aqui. Tome juízo, Leiang. Honre nossos pais como eles sempre nos honraram.

Leiang ficou parado, calado, sentindo o peso daquelas palavras. Ele sabia que Sokjhan estava certo, e a verdade em suas palavras fazia o constrangimento que ele sentia crescer cada vez mais. Ele simplesmente assentiu, o olhar fixo no chão, incapaz de manter contato visual com o irmão.

Sokjhan puxou as rédeas do cavalo e começou a cavalgar devagar para fora do curral, deixando Leiang para trás, perdido em seus próprios pensamentos. Quando Sokjhan cruzou os portões do curral e desapareceu no horizonte, Leiang ficou parado, sem se mover. Ele olhou para o chão, os pensamentos zumbindo em sua cabeça.

— Sokjhan é o caçula... — murmurou para si mesmo, quase com incredulidade. — E ainda assim... ele consegue ser mais maduro do que eu.

Ele ficou ali, sozinho, enquanto as palavras de seu irmão ecoavam em sua mente, trazendo uma nova compreensão do que significava ser um verdadeiro herdeiro da família Nanrhi.

— Adeus Sokjhan...

Sokjhan cavalgava montanha abaixo, descendo o Monte Zavid, onde a grande mansão da família Nanrhi dominava a paisagem como um símbolo de poder. A brisa fria do fim da manhã soprava contra seu rosto, agitando seus longos cabelos e fazendo seu roupão flutuar como uma capa. Seus pensamentos eram claros, e ele não sentia arrependimento pela decisão de partir, mas algo o incomodava — a forma como Leiang iria herdar o trono e se casar. Ele sabia que, agora, não podia fazer muito, mas não conseguia evitar o peso das preocupações que vinha carregando.

Enquanto o cavalo avançava em direção à fronteira de Rachzern, Sokjhan sentia o vento da incerteza em sua pele, o mesmo vento que acompanhava sua jornada solitária. À medida que os quilômetros passavam, as árvores começaram a dar lugar a uma floresta de bambus, não muito densa, mas ainda assim impressionante em sua simplicidade.

Os bambus se curvavam gentilmente ao redor dele enquanto ele cavalgava lentamente, os olhos observando o ambiente ao redor. Os sons da natureza, o leve farfalhar das folhas e os estalos ocasionais dos bambus balançando eram quase tranquilizadores. Sokjhan se perdeu brevemente em seus pensamentos, ponderando em voz baixa sobre o que faria a seguir. Ele precisava escolher um lugar onde pudesse se estabelecer, ou pelo menos evitar problemas, enquanto traçava seu próximo passo.

— Os distritos ao redor de Rachzern... — murmurou para si, enquanto acariciava o pescoço de Fugoshi, seu cavalo. — Se eu seguir para o Distrito de Gohseian, seria uma jogada perigosa. A família Jangk e a família Taenun estão por lá, e a rivalidade com os Nanrhi é antiga. Invadir Gohseian seria pedir por problemas.

Ele fechou os olhos por um momento, respirando fundo, tentando traçar uma rota mais segura.

— Talvez os Distritos de Kershan ou Velzar sejam uma opção melhor. — Continuou a falar, ponderando. — Em Kershan, há somente a família Verla que não suporta os Nanrhi. Aqueles ladrões de riquezas sempre estiveram contra nós, mas ao menos não são tão problemáticos quanto os Jangk. E Velzar... bem, Velzar é dividido entre três famílias, mas nenhuma delas tem problemas diretos com os Nanrhi.

Seus pensamentos foram bruscamente interrompidos. Sons leves, quase imperceptíveis, chegaram a seus ouvidos, mas Sokjhan tinha uma audição apurada demais para ignorá-los. Ele franziu o cenho, os olhos se estreitando enquanto puxava levemente as rédeas do cavalo.

— Calma aí, Fugoshi — disse ele, a voz baixa e firme, fazendo o cavalo parar.

Os sons persistiam. Não eram naturais, não vinham dos bambus ou de algum animal da floresta. Eram ruídos agudos, quase como o rangido de uma porta velha, mas havia algo mais perturbador neles. Sokjhan desceu do cavalo, batendo de leve em seu flanco para que ele ficasse ali.

— Fique aqui, Fugoshi. — Ordenou suavemente, e o cavalo obedeceu, parado como uma estátua no meio do bambuzal.

Sokjhan, agora a pé, seguiu os sons com passos cautelosos. Ele não sabia o que encontraria, mas sua experiência o ensinara a nunca subestimar a origem de ruídos incomuns. Enquanto se aproximava, os sons ficaram mais claros, e logo ele conseguiu distinguir algo como uma voz rabugenta misturada a gemidos.

Ele avançou lentamente, escondendo-se atrás de um bambu mais grosso quando avistou uma pequena cabana. Feita de bambu e madeira, a cabana parecia simples, rústica, e o mais estranho: não havia portas, apenas uma entrada aberta que dava para o interior. Era de lá que os sons vinham.

A voz agora era clara, e a expressão de Sokjhan ficou séria ao ouvir.

— Safada! Sua família gosta de passar a perna nos outros, não é? Então você merece pagar por isso! — gritou a voz, cheia de rancor.

Logo em seguida, um gemido foi ouvido, e Sokjhan soube naquele instante que algo de errado estava acontecendo.

— Mais um covarde... — pensou consigo, o olhar endurecido, avaliando a situação.

O instinto de Sokjhan dizia que ele precisava agir, mas também sabia que precisava ser cuidadoso.

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