Capítulo 2: O Pecador Misterioso
A aurora mal havia rompido o céu, e o cheiro de terra molhada impregnava o ar enquanto carruagens chacoalhavam pelos caminhos de paralelepípedos que levavam à corte. Francis, o arquiduque de Verdena, olhava pela janela de sua carruagem, observando os campos verdes e os bosques que margeavam o caminho. Sob o disfarce de um nobre de médio status, ele retornava à corte, desta vez com um propósito claro: encontrar uma esposa. Mas, como qualquer homem sagaz, Francis sabia que não procurava apenas uma companheira para partilhar sua vida. Sua busca envolvia algo muito mais profundo — uma aliança que fortalecesse seu nome e mantivesse sua posição segura nas delicadas tramas políticas do reino.
Sua família, embora poderosa, começava a sentir a pressão das disputas territoriais e dos rivais que ansiavam por uma fraqueza. A corte era um campo de batalhas, onde o jogo do poder não se fazia com espadas, mas com palavras afiadas e olhares furtivos. No entanto, apesar de sua nobre linhagem, Francis preferia manter-se nas sombras, permitindo que os outros subestimassem sua verdadeira influência. Vestido de forma elegante, mas não extravagante, ele deixava transparecer a imagem de um jovem nobre com aspirações modestas. Isso o mantinha fora dos olhares mais críticos, o que era exatamente o que ele precisava.
Ao chegar à propriedade do Duque de Belmonte, onde seria realizado mais um dos famosos bailes da temporada, Francis saiu da carruagem com uma leve expressão de cansaço. Seu servo, que sabia de sua verdadeira identidade, permaneceu silencioso, prestando-lhe reverência enquanto o ajudava a ajeitar o casaco.
— Lembre-se, milorde, esta noite deve ser discreta. Os Belmontes são conhecidos por seus ouvidos atentos e línguas afiadas — sussurrou o criado, entregando-lhe uma máscara simples, porém bem trabalhada, para o baile de máscaras que logo começaria.
Francis apenas assentiu, seus olhos azul-acinzentados brilhando com um misto de tédio e determinação. Bailes, encontros sociais, chás da tarde... Eram todas distrações que ele preferia evitar, mas sabia que o destino de um arquiduque, especialmente um disfarçado, era jogar o jogo das aparências.
Os salões do Duque estavam impecavelmente decorados. Tapeçarias ricamente detalhadas cobriam as paredes, enquanto lustres enormes iluminavam o ambiente com luz suave e dourada. Os convidados já começavam a se agrupar em pequenos círculos, trocando cumprimentos e comentários maliciosos com uma elegância que apenas a corte sabia proporcionar. O som da música de cordas enchia o ar, proporcionando uma atmosfera quase etérea, enquanto os casais deslizavam pela pista de dança com passos ensaiados e sorrisos calculados.
Enquanto Francis entrava no salão, sua presença foi notada por alguns, mas não o suficiente para despertar curiosidade. Ele preferia assim. Estava ali para observar e, com sorte, encontrar a mulher que se tornaria sua esposa. Ele já havia ouvido falar de várias damas elegíveis, cada uma com suas qualidades e defeitos, mas até então nenhuma havia chamado sua atenção.
No entanto, naquela noite, algo mudaria.
Enquanto Francis se aproximava da mesa de vinho, onde alguns nobres mais jovens conversavam animadamente sobre as últimas caçadas e os bailes recentes, uma figura ao longe capturou seu olhar. Era Agatha, a marquesa de Lanvin, conhecida tanto por sua beleza quanto por sua astúcia. Ela estava sozinha por um momento, com uma expressão distante, como se estivesse calculando algo. Vestida com um vestido de cetim vermelho-escuro que contrastava com seus cabelos castanhos escuros e sua pele alva, Agatha irradiava um charme perigoso. Seus lábios curvavam-se em um sorriso leve, mas seus olhos carregavam um brilho de quem sabia mais do que deixava transparecer.
Francis, sempre observador, percebeu que havia algo de incomum nela. Ele já ouvira rumores sobre a jovem marquesa: diziam que seu noivado com o Conde Lucian havia sido quebrado, mas as circunstâncias ainda eram nebulosas. Alguns afirmavam que fora ela quem terminara o relacionamento, outros que houvera uma traição por parte de Lucian. Independentemente da verdade, havia algo inegavelmente intrigante sobre Agatha. Algo que ressoava com a própria essência de Francis — o desejo de manter segredos, o controle absoluto sobre as aparências.
Ele se aproximou, decidindo testar as águas com a mulher que, mesmo à distância, parecia exalar um ar de mistério e poder. Ao se aproximar, notou o olhar dela se voltar para ele, e seus olhos se encontraram. Durante um breve momento, o salão, com toda sua opulência e barulho, parecia desaparecer.
— Milady — Francis curvou-se levemente em uma saudação educada, um sorriso discreto no rosto.
Agatha o observou por um instante, com os olhos estreitados levemente, como se tentasse decifrar quem ele realmente era. Ela respondeu com uma inclinação de cabeça graciosa, sua voz baixa, porém firme.
— Milorde. Não me parece familiar. Vindo de longe?
— Pode-se dizer que sim — Francis respondeu evasivamente, os lábios curvando-se em um sorriso que escondia mais do que revelava. — Apenas mais um nobre comum, em busca de... boas companhias.
Agatha riu suavemente, mas havia algo afiado em seu riso, uma nota de sarcasmo que não passou despercebida por Francis.
— Boas companhias, é? — Ela inclinou a cabeça ligeiramente. — Não encontrará muitas companhias genuínas aqui, milorde. O que temos em abundância são máscaras. E não falo das que usamos esta noite.
Francis arqueou uma sobrancelha, intrigado. A sagacidade dela o impressionava. Talvez fosse uma adversária à altura, ou, quem sabe, uma aliada inesperada.
— Máscaras, milady? Mas que surpresa... Não são elas o que tornam estes eventos tão interessantes?
Agatha sorriu, um sorriso que não chegava a seus olhos. Ela tinha ouvido a palavra "interessante" tantas vezes que perdera a conta. No entanto, algo naquele homem parecia diferente. Seu rosto não era imediatamente reconhecível, o que indicava que ele não era uma figura central da corte, mas sua postura e maneira de falar sugeriam um intelecto afiado e experiência em jogar o jogo da nobreza. Ele era, no mínimo, alguém digno de atenção.
— O que traz um homem como vós até a corte, se me permite perguntar? — Agatha mudou o tom, menos provocador e mais inquisitivo.
Francis ponderou a pergunta por um momento, seu olhar passeando pela sala antes de voltar-se para Agatha.
— Digamos que estou em busca de uma aliança — respondeu ele, deliberadamente vago.
Agatha percebeu que ele estava escondendo algo, mas ao invés de pressioná-lo, decidiu jogar o mesmo jogo. Ela própria era uma mulher cheia de segredos e sabia como apreciar alguém que também sabia guardar os seus.
— Uma aliança? — Ela murmurou. — Ora, milorde, acho que veio ao lugar certo. A corte é famosa por suas... alianças convenientes.
Houve uma troca de olhares intensa entre os dois. Francis sabia que não deveria subestimá-la. Ele a estudava, tentando decifrar até onde poderia confiar nela, enquanto Agatha fazia o mesmo. Ambos sabiam que, em meio àquela corte cheia de intrigas, alianças eram feitas e desfeitas num piscar de olhos.
Após um breve silêncio, Francis quebrou a tensão.
— E vós, milady? Estais em busca de algo... ou alguém?
Agatha permitiu-se um sorriso verdadeiro, embora contido. Ela poderia jogar com ele, como jogava com todos os outros. Mas algo lhe dizia que Francis poderia ser mais útil do que ela imaginava.
— Talvez esteja, milorde. Talvez esteja em busca de algo muito mais interessante do que alianças tradicionais.
Francis inclinou-se levemente, sem quebrar o contato visual.
— E o que seria, então, milady?
Agatha suspirou, como se estivesse refletindo sobre algo muito maior do que as trivialidades da corte.
— Vingança.
A palavra pairou no ar entre eles. O olhar de Francis endureceu, e pela primeira vez, ele percebeu o quão perigosa aquela mulher realmente era. Mas, em vez de recuar, ele se sentiu atraído por ela. Havia algo de irresistível na franqueza com que ela falava de um tema tão sombrio.
— Vingança, milady? Contra quem?
Agatha olhou para Francis com um brilho nos olhos.
— Isso, milorde, é algo que talvez possamos discutir em outra ocasião. Por ora, saibam apenas que estou em busca de aliados... competentes.
Francis inclinou a cabeça, compreendendo a implicação. Ele sabia que havia mais naquela mulher do que os olhos podiam ver, e estava curioso para descobrir o quanto ela poderia ser útil para seus próprios objetivos.
— Talvez sejamos mais parecidos do que imaginais, milady — ele respondeu, com um sorriso calculado.
E assim, com uma troca de olhares e palavras cuidadosamente escolhidas, Agatha e Francis selaram o início de uma aliança. Ela, em busca de vingança; ele, com seus próprios segredos. Ambos sabiam que o caminho à frente seria cheio de desafios, mas também de oportunidades. E naquela noite, sob as máscaras e sorrisos da corte, uma nova fase da vida de ambos começava.
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Atualizado até capítulo 28
Comments
Ana Zélia
Comecei ler e estou amando
2024-12-18
1
Maria Lourenço
acho que vai ser bom, comecei ler agora
2024-10-22
1