Sara, a Minha Obsessão!
A escuridão tomava conta da cobertura luxuosa no coração de São Paulo. Lá dentro, o silêncio era quase sagrado, interrompido apenas pelo som ritmado dos saltos de uma mulher atravessando calmamente um mar de corpos estendidos no chão. O cenário era um caos sangrento, mas ela parecia entediada com tudo aquilo. Como se já tivesse visto — e feito — muito pior.
Acendeu um cigarro com um estalar seco do isqueiro. A chama iluminou por um segundo o seu rosto, revelando uma beleza tão hipnotizante quanto perigosa.
Ela se sentou no sofá com a mesma naturalidade de quem se senta para assistir a um filme. Cruzou as pernas, jogou a cabeça levemente para o lado, e soltou a fumaça com um olhar cortante.
Era impossível ignorá-la.
A pele clara como porcelana contrastava com os cabelos negros como a noite — longos, lisos e intensamente brilhosos, caindo como uma cortina perfeita sobre os ombros. Os olhos, grandes e de um azul gélido, pareciam carregar mil segredos. Eram profundos, quase letais. Não piscavam com facilidade. Apenas observavam... como quem já decidiu o destino de alguém antes mesmo de ouvi-lo falar.
As maçãs do rosto levemente coradas davam um ar quase angelical, quebrado pelo contorno sensual da boca. Os lábios, carnudos e vermelhos como pecado, tinham um brilho discreto e perigoso — como se fossem feitos para mentir e seduzir ao mesmo tempo. E aquele olhar por cima do ombro... carregava o tipo de ameaça que vinha sem aviso.
A jaqueta de couro preta moldava perfeitamente o corpo dela, como uma armadura urbana feita sob medida para uma mulher que não conhecia medo. Nem arrependimento.
— AQUI É A POLÍCIA! ABRAM A PORTA!
gritou uma voz do lado de fora, feroz e desesperada.
Ela sorriu com ironia.
— Bom... é a minha deixa.
disse, num tom baixo e rouco, como um sussurro que deixava um arrepio no ar.
Quando a porta foi arrombada e os policiais entraram, armados e prontos para o confronto...
Ela já havia sumido.
O único sinal da sua presença era o cigarro apagado no chão — ainda soltando fumaça — e os olhos arregalados dos corpos, como se tivessem visto algo que nunca deveriam ter visto.
No topo do prédio, ela observava São Paulo de cima, com aquele olhar de quem já não se impressiona com nada. O vento batia nos cabelos enquanto a cidade abaixo fervilhava, sem saber que um dos seus piores pesadelos acabava de despertar novamente.
— Hora de voltar pra casa...
murmurou, com desdém, como se estivesse cansada de brincar de ser boazinha.
Quem é essa mulher?
O seu nome é Sara. E se você acha que ela veio contar a sua história... está muito enganado.
Ela veio acertar as contas.
\_Sara\_
Sei que, à primeira vista, eu não causei uma boa impressão. Mas... nada é exatamente o que parece.
Meu nome é Sara Beaufort Floyd. Tenho vinte e cinco anos, um metro e setenta de altura e um histórico familiar mais complexo do que qualquer novela de luxo britânico.
Nasci cercada por ouro. Filha do poderoso Victor Floyd Jackson, o maior nome da exportação alfandegária do Reino Unido e de Emmy Beaufort Franklin Floyd, a atual Primeira Ministra da Inglaterra. Títulos impecáveis. Aparências perfeitas. Mas amor? Zero.
Eles sempre viveram em mundos separados. Sob o mesmo teto, mas nunca ao mesmo tempo. Dois meses presentes... e o resto do ano ausentes — viajando, negociando e fingindo ser o casal exemplar da política e dos negócios. Cada um com os seus amantes e os seus segredos... junto de uma apatia mútua que nunca fizeram questão de esconder.
Não sei por que continuam juntos. Talvez por conveniência, talvez por orgulho, ou talvez porque o divórcio mancharia mais as suas imagens do que os seus corações.
Cresci entre o silêncio de uma mansão e os gritos que não eram ditos. Tínhamos tudo — menos aquilo que realmente importava.
Eu... Bruno... e Tyler.
Bruno, o meu irmão gêmeo, sempre foi o escudo que o mundo me negava. Sem ele, eu teria desmoronado! Ele era tudo o que mãe e pai não foram: presença, proteção e equilíbrio.
Tyler, o caçula, cresceu cedo demais tentando entender o que nós já havíamos aprendido a aceitar: que, naquela casa, os sentimentos eram supérfluos.
Olho para trás e quase não me reconheço. Antes dessa mulher fria, segura e inatingível que hoje habita o meu reflexo... existia uma garotinha.
Assustada, frágil, dependente do irmão e do melhor amigo até para respirar.
Mas isso faz parte do passado. E para entender quem eu sou hoje... você vai precisar voltar comigo. Para onde tudo começou... E não espere um conto bonito! Eu não vim aqui pra ser compreendida... Vim pra lembrar quem sobreviveu!
\_Flashback\_
Uma garotinha magricela, com aparelho nos dentes e óculos grandes demais para o rosto, se escondia atrás do irmão enquanto os pais gritavam descontrolados.
Sim, aquela garotinha era eu.
Não é difícil de adivinhar, eu sei. Mas é aqui que começa o estrago.
Meu pai me encarava como se eu fosse um erro de fabricação. Apontava o dedo no meu rosto e vociferava com desprezo:
— "Eu não te criei assim, Sara! Até quando vai agir como uma pirralha inconsequente?"
— "Ela fez sem querer, pai!"
A voz do Bruno sempre soava como escudo. As suas mãos, quentes e firmes, me mantinham inteira... quando eu só queria sumir.
— "Sem querer vai ser o cinto nas costas dela! Como ousa nos envergonhar na frente do presidente inferno?!"
— "Eu... Eu... Eu..."
— "SEM MAIS ‘EU’! VAI PRO SEU QUARTO AGORA! E VAMOS TER UMA CONVERSINHA..."
O sangue fervia, as pernas tremiam e mesmo assim corri — com as canelas finas e o coração disparado — como se aquela fuga pudesse mudar alguma coisa. Deixei o Bruno lidando com eles, como sempre fazia. Ele era meu escudo. Eu... a vergonha da família.
O crime? Derramar suco no vestido da Primeira Dama por acidente.
Ela sorriu com superioridade, dizendo que "vestidos são só pano", mas o olhar... o olhar dela me chamava de lixo.
Pano eu usaria pra enforcá-la, se tivesse coragem naquela época. Vaca.
Meus pais foram embora naquela mesma noite. Mas não antes da punição real. Bruno não deixou que me tocassem na frente dele. Mas bastou ele cair no sono...
que.. eu fui arrastada até o jardim, descalça e em silêncio.
A surra veio com fios grossos. Sem pausa. Sem voz. Só a respiração pesada deles e os estalos na minha pele.
Fui deixada lá fora. Sozinha, como um cão de rua.
Quando finalmente permitiram que eu entrasse, me escondi embaixo das cobertas, encolhida, esperando que o pesadelo recomeçasse. Mas não recomeçou porque depois disso... eles sumiram de vez.
Babás substituíram os pais. A indiferença substituiu o afeto. E o gelo de Londres — aquele frio arrogante e úmido — se enraizou em mim.
Eu não odiava só aquela casa. Eu odiava o que ela me obrigou a ser.
A única coisa boa — e ao mesmo tempo cruel — que me aconteceu naquele inferno foi o bendito dia em que conheci ele.
Brien Elliot Harrison.
O seu nome ainda ecoa como uma canção esquecida no tempo…
Ele era a perfeição moldada em carne e osso. Um verdadeiro sopro divino em meio ao caos da minha infância. Tinha a pele clara como porcelana, contrastando com os cabelos negros como a noite — densos, lisos, caindo levemente sobre a testa e os olhos… ah, aqueles olhos! De um azul tão profundo e intenso que pareciam perfurar a alma, capazes de acalmar até os meus pesadelos mais antigos. O seu rosto era uma obra de arte viva, harmonioso, delicado, mas ao mesmo tempo masculino — com traços que beiravam o celestial. Um anjo. Não… ele era o próprio anjo que ousou caminhar entre os mortais
Tinha quatro anos a mais do que eu, mas jamais me tratou com a indiferença ou crueldade que os outros da idade dele usavam contra mim. Nunca zombou do meu corpo, roupas, ou do meu jeito calado e arredio. Ele me viu e me enxergou quando ninguém mais enxergava.
Na época, eu tinha apenas sete anos. E ele, onze. No dia em que nos conhecemos, me levou até uma sorveteria e, com um sorriso que iluminava mais que o sol de verão, pagou o meu sorvete preferido. Lembro da voz dele, tão suave e gentil, como se cada palavra fosse feita para me acalmar. Lembro das covinhas que se formavam quando ele sorria, e do brilho no olhar sempre que acariciava um animal na rua. Ele era gentil. Era puro. Um príncipe encantado que havia, por alguma ironia do destino, cruzado meu caminho.
Mas eu sempre soube o meu lugar. Brien era como uma estrela no céu — linda, brilhante e inalcançável. Meninas deslumbrantes viviam ao redor dele, disputando o seu olhar, o toque das suas mãos, um simples “oi”. E eu? Eu era apenas a melhor amiguinha, a irmãzinha mais nova, a protegida, a garotinha que ele jurava cuidar.
Então, guardei meu amor em silêncio. Sufocado e recolhido num canto do peito, onde ninguém pudesse vê-lo. Ser protegida por ele, acolhida nos seus braços quando o mundo me virava as costas, já era o bastante. Pelo menos, era o que eu tentava convencer a mim mesma.
Mas tudo desabou quando ele completou dezesseis anos. No dia do seu aniversário, em meio aos sorrisos, brindes e aplausos, ele anunciou o seu namoro com a Patrícia — a garota que mais adorava me humilhar. Uma loira exuberante, de cabelos volumosos, cintura fina e um corpo que parecia desenhado para provocar inveja. Ela sabia, sabia do que eu sentia, e se aproveitava disso. Sempre fazia questão de me diminuir, como se dissesse sem palavras: “Ele nunca será seu.”
Eu tinha apenas doze anos. E foi naquela noite, sufocada pela dor de um amor impossível, que decidi enterrar meu sentimento. Foi naquele dia que eu desisti de amá-lo.
Brien começou a se afastar de mim naquela época. Lentamente, como um navio que desaparece na névoa, ele deixou de ser meu porto seguro para se tornar apenas mais uma sombra indiferente entre as tantas que me ignoravam.
Mas mesmo assim… mesmo assim, eu alimentava uma esperança tola de que um dia eu cresceria e me tornaria linda — linda o suficiente para que ele finalmente me notasse. Esse dia, no entanto, nunca chegou.
E é por isso que eu digo que conhecê-lo foi tanto uma dádiva quanto uma maldição. Porque o Brien que eu amava… morreu no dia em que completou dezoito anos.
Ele se transformou. De um garoto doce e protetor para um estranho frio, soberbo e manipulável. Bastou um sussurro venenoso da Patrícia — aquela cobra disfarçada de princesa — para ele acreditar em qualquer mentira sobre mim. Disse a todos que eu havia tentado prejudicá-la na maldita festa de aniversário. E então, na frente de toda aquela gente, ele me apunhalou com as palavras mais cruéis que eu já ouvi:
Brien: "Eu não suporto nem olhar na sua cara, Sara! Você realmente achou que podia ferrar com a minha namorada e sair impune? A sua sorte é o respeito que eu ainda tenho pelo seu irmão... porque, se dependesse só de mim, você já estaria na merda! Agora faz um favor pro mundo inteiro e desaparece de vez daqui porra! "
Ele cuspiu aquilo como se eu fosse lixo. Como se todos os anos de carinho e amizade nunca tivessem existido. Eu estava ali... com ele… naquela maldita festa e quando pedi para ir embora, com a voz embargada, tremendo, esperando pelo menos um resquício do menino que um dia me acolheu — ele apenas me lançou um olhar de desprezo e virou as costas.
Sem uma palavra. Sem piedade!
Eu voltei sozinha.
Sob uma chuva cortante, com os pés encharcados e o coração em pedaços, caminhei por mais de seis quilômetros naquela noite escura, sentindo o mundo desabar a cada passo.
Foi então que tudo piorou.
Um homem. Não, um monstro.
Saiu do mato como uma fera à espreita. Me agarrou, me arrastou. Gritei, supliquei por ajuda, por socorro… mas só o silêncio respondeu.
Fui violentada.
Ali mesmo, na lama, no frio, na escuridão sufocante daquela floresta, enquanto a chuva lavava o sangue e as lágrimas do meu rosto.
Fui deixada ali… despedaçada, chorando até não restar mais som.
E foi naquele momento, quebrada por dentro, que eu tomei a única decisão que ainda me restava — aos 15 anos, eu decidi mudar.
Eu já não usava mais os aparelhos nem os óculos grossos. Mas isso não importava. Ainda assim, me sentia a garota mais invisível e desprezada da escola. Com moletons grossos e um semblante de adolescente depressiva...
O bullying continuava, a humilhação era diária.
Patrícia, é claro, liderava o grupo das garotas que se divertiam me machucando.
Brien?
Ele assistia tudo, em silêncio e sem mover um dedo.
Deixava os amigos rirem enquanto cuspiam na minha comida. Fingia não ver quando esticavam o pé para me fazer cair no chão.
Ele não era mais o Brien que um dia me acolheu.
Agora ele era apenas mais um covarde entre tantos.
E se ele podia fingir que eu não existia…
Eu aprendi a fazer o mesmo.
[...]
Quando completei quinze anos, meus pais apareceram — pela primeira vez em muitos anos — com sorrisos ensaiados, me desejando parabéns e planejando uma festa grandiosa. Aquilo me pareceu estranho... e, claro, era. Eles não estavam ali por mim, e sim pelas aparências. Eles queriam holofotes em cima desse meu "aniversário!"
Mas eu já não era mais a criança ingênua que aceitava migalhas. Fiz um acordo com eles: eu escolheria um país para recomeçar, viveria lá até atingir a maioridade, e então voltaria. Simples.
Simples, mais perfeito! (ou era o que eu pensava)
Eles surtaram. Disseram que era uma loucura, que uma adolescente sozinha em um país estranho era um risco absurdo. Mas eu tinha uma carta na manga. Um sacrifício! Revelei o abuso que sofri aos treze anos — o segredo que me queimava por dentro. O choque nos rostos deles foi como uma lâmina e quando perceberam que nada poderia consertar aquilo, cederam. Me mandaram para o Brasil, para viver com uma tia distante.
Lembro-me do calafrio que me percorreu quando pisei fora de casa rumo ao aeroporto… e do olhar conturbado do Brien enquanto eu partia. Ele me viu ir embora. Mas não teve coragem de se despedir.
Virei as costas para aquele país miserável e parti em busca de uma nova chance. Um recomeço.
Ou pelo menos… era o que eu pensava.
Descobri, da pior forma possível, que o passado não se apaga. Ele é como uma sombra: pode até sumir por um tempo, mas sempre volta para engolir a luz.
Com dezessete anos, mergulhei de cabeça no inferno. Me envolvi com um dos maiores traficantes de São Paulo e a minha vida, que já era dolorosa, se transformou em um verdadeiro pesadelo. Vivi uma dependência emocional suja e sufocante. Apanhava feito um cão abandonado, dia após dia. Mas mesmo assim… eu nunca o traí. O nome dele era Lucas. E, contra tudo, eu o amei.
A única maneira de me libertar foi com o seu sangue. Um tiro certeiro na cabeça dele! A minha tia me ajudou a sumir do mapa, a me esconder da facção. E foi aí que eu aprendi... a sobreviver do jeito mais cruel.
Hoje, eu sou uma matadora de aluguel. Fria, calculista e quem tenta me derrubar… eu coloco para dormir cedo. E de caixão fechado.
Não pertenço a nenhuma facção. Porque, até hoje, não nasceu a coleira que vai me prender.
— Fim do flashback —
Mesmo sem muito contato com os meus pais, eles acreditam que estou bem. E isso, por agora, basta. O Bruno não sabe de nada. Tyler, menos ainda.
Sou só eu.
Só eu por mim.
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Continua...
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Atualizado até capítulo 36
Comments
Shirley Fabrini
começando a ler e gostando o sofrimento muda a pessoa, agora aquele povo vai ver quem era a Sara.
2025-02-01
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Shirley Fabrini
começando a ler e gostando o sofrimento muda a pessoa, agora aquele povo vai ver quem era a sara
2025-02-01
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Marlene Souza
começando agora 11/06/25
2025-06-11
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