Capítulo 02

\_Sara\_

Acabei recebendo uma grana absurda pela cabeça do comandante de um dos maiores narco-traficantes de armas de São Paulo. Um belo tiro no crânio e pronto, problema resolvido! Agora posso voltar pro meu maldito país gelado...

Se fosse por mim, não colocava os pés lá nunca mais, mas o Bruno resolveu que é sensível demais pra assumir os negócios da família — disse que tem “crises existenciais”. Já o Tyler... bom, o Tyler agora é paisagista. Isso mesmo! Mexe com planta e adivinha? Vai sobrar tudo pra mim...

Mas quer saber? Que se dane! Dinheiro é dinheiro, e hoje em dia é só disso que eu gosto. Nada me motiva além de encher a cara com um bom whisky caro — de preferência pago com o sangue de algum desgraçado...

Ontem mesmo passei a noite na balada agarrada com um pretinho gostoso, e voltei pra casa acabada. Literalmente exausta, bêbada, e com a alma levemente arrependida (mentira).

Moro com a minha tia numa mansão gigantesca no centro de São Paulo. Dei tudo pra única pessoa que realmente ficou do meu lado em todas as minhas desgraças — mesmo sem saber dos meus “trabalhinhos”... Ainda não acredito que vou ter que me despedir da minha guerreira! Dona Amélia, quarenta e sete anos de puro escândalo e drama.

— Oi, tia.

— Filha, você não vai acreditar no que aconteceu ontem!

— Alguém morreu?

— O Datena deu uma cadeirada naquele rapaz... Como é o nome dele mesmo?

Veio marchando na minha direção com o celular numa mão e a outra plantada na cintura como uma mãe prestes a anunciar um sermão de três horas.

— Marçal?

— Esse mesmo! Uma coisa bizarra, filha!

Soltei uma risada seca, dessas que saem fáceis quando o mundo parece um episódio mal escrito.

— Bando de palhaços! A política brasileira é basicamente um reality show de quinta categoria! Vou sentir falta disso quando for embora.

— Né, filha? E o pior: ele foi levado de ambulância pro hospital. Acredita nisso?

Caí na gargalhada... É o tipo de absurdo que só esse país oferece.

— Não ri não, viu? Isso é sério!

— Tia, pelo amor de Deus... Quem apanha de cadeira e vai parar no hospital devia era ter vergonha! A política aqui é praticamente um UFC ao vivo.

Ela ficou um tempo em silêncio, provavelmente tentando decidir se discordava ou se concordava em silêncio.

— É... você tem razão. Agora vem comer, que eu fiz seu lanche favorito!

— Vou só tomar um banho primeiro, tia. Depois eu venho comer das suas panquecas milagrosas...

Ela me beijou na testa como se eu ainda fosse uma criança inocente — e eu assobiei indo até o meu quarto, como se não tivesse acabado de lembrar que tenho um cadáver fresquinho na conta.

Entrei no chuveiro e deixei a água cair sobre mim. O clima tá um lixo, como sempre, mas eu gosto dessa cidade... Talvez porque o meu primeiro trauma não tenha acontecido aqui — o que já é um bônus e tanto.

Enquanto me ensaboava, a minha mente viajou direto pro dia em que matei o segundo homem que eu amei. Sim, segundo, porque o primeiro vocês já sabem quem é. Com o segundo eram beijos intensos, promessas podres e a maldita sensação de que, se eu tivesse me rendido à droga junto com ele, eu não teria saído viva, mas saí e sobrevivi — como sempre.

O frio na barriga voltou, como sempre volta quando eu fico sozinha...

Tenho três tatuagens. Marcas que carrego na pele como lembretes de que o amor morre, mas a tinta fica!

A primeira é na nuca — uma borboleta de asas abertas, pequenas e sombrias, como se tivesse sido desenhada em silêncio. É o meu lembrete de que até o que é bonito pode voar pra longe quando quiser.

A segunda, nas costas, bem no centro da lombar, tem um traço afiado e simétrico. Um desenho tribal de asas viradas para cima, como se fossem chamas prontas para subir! É sensual e ameaçador!

E a terceira... a minha favorita, começa abaixo do sutiã e serpenteia pela lateral da cintura, descendo até quase o cós da calça jeans. Um dragão elegante e sombrio, como se dançasse em espirais pelo meu corpo... Perto dele, pequenas estrelas se espalham como cicatrizes estilizadas, contando histórias que ninguém precisa saber — só sentir.

Essas tatuagens não são só arte. São armaduras! Cada linha, cada sombra... é um pedaço do que eu matei pra continuar viva.

Nunca fui fã de extravagância! Sempre preferi o necessário, o essencial. Enquanto a minha cabeça parecia um campo minado e a minha alma era só um rascunho rasgado de quem já sofreu demais, o meu corpo precisava permanecer intacto, forte e vivo.

Corpo saudável é máquina de sobrevivência — e eu sobrevivo, sempre.

Todas as manhãs, antes do sol se erguer com a cara limpa, estou em movimento: caminhadas longas e academia pesada, mas domingo é exceção. Domingo é o dia em que eu deixo o sangue esfriar e a pele respirar...

Estudei até o terceiro ano do ensino médio. Não por falta de capacidade, mas por falta de paciência. Inteligência nunca me faltou! Estou considerando fazer um provão antes de voltar praquela droga gelada que chamam de Reino Unido, só pra evitar mais burocracia.

Depois do banho, vesti uma roupa leve e confortável, mas ainda assim justa o suficiente pra lembrar que por baixo da calmaria existe uma arma letal.

Desci as escadas atraída pelo cheiro das panquecas da minha tia e quase sorri...

— Finalmente! Pensei que tinha ficado presa no banheiro. — Falou ela com aquele tom debochado que sempre usava pra disfarçar a preocupação.

— Engraçadinha...

— Você vai mesmo voltar, filha? Não pode ficar nem mais alguns meses aqui?

O sorriso dela desapareceu e aquilo me doeu mais do que eu queria admitir...

— Não posso evitar, tia. Meu "querido" pai me quer de volta... Alguém tem que assumir o império dele.

— Aquele maldito desnaturado! A sua mãe também é outra... Nunca imaginei que a minha irmã se tornaria tão mesquinha e fria.

— As pessoas mudam...

Falei, mas na verdade estava lembrando do Brien.

Algumas cicatrizes não fecham — e outras, a gente aprende a exibir como troféu.

— Bom, vamos comer logo, senão esfria.

Mudei de assunto como quem esconde uma lâmina debaixo da língua.

— Verdade, filha...

Comemos em silêncio. Um silêncio confortável, porém definitivo! Depois, fui me deitar. Dormi leve, mas com a mente agitada como sempre... O inferno nunca descansa.

...

Dois dias depois...

Descobri que haveria um provão no dia seguinte e pensei: por que não?

Estou aqui mesmo e se puder evitar mais dor de cabeça quando chegar na Inglaterra, melhor.

Passei o dia inteiro focada com o cérebro tinindo. O que eu não mato, eu supero!

Fiz a prova no dia seguinte e voltei pra casa, cansada, mas satisfeita. Ainda precisei lidar com alguns clientes impacientes — gente que acha que assassinato tem prazo de entrega...

Depois disso, precisei encerrar o meu último trabalho no Brasil! Um presente de despedida... Nada pessoal, só negócios.

Vesti o meu traje preto, justo e funcional. Camiseta colada ao corpo, calça com encaixe perfeito, coturnos de couro e um casaco largo pra cobrir tudo, junto com um boné preto cobrindo metade do rosto.

Saí de casa silenciosamente. Tia Amélia já dormia, o que era melhor assim...

O alvo da vez era um dos afiliados de um cliente importante! Um ladrão infiltrado, traidor, que vinha desviando dinheiro há meses. O tipo de gente que ninguém sente falta...

Subi até a laje de um prédio velho, bem em frente ao apartamento dele. A noite estava abafada e úmida! Me posicionei sem pressa, com a frieza de quem já fez isso dezenas de vezes.

Montei a minha sniper com precisão cirúrgica. O metal encaixando nos meus dedos como se fosse uma extensão do meu corpo e coloquei uma música romântica tocando baixinho ao lado como um contraste. Eu gosto de ironia!

Ajustei o laser, mirei e ali estava ele: um careca despretensioso, sentado na varanda, parecendo ignorar o fato de que a vida dele estava prestes a acabar.

Mas então... algo quebrou o ritual.

Uma garotinha correu e pulou no colo dele e naquele momento, o meu coração simplesmente travou, a respiração falhou e os dedos congelaram!

Eu sabia o que precisava fazer. Era simples! Esperar ela sair, atirar e ir embora...

Mas não consegui.

— O que caralhos deu em você, Sara?? Porra, são 600 mil reais... Reage, caralho!

O zumbido começou no ouvido esquerdo. Um sinal que sempre começa assim...

As minhas mãos tremiam e suavam. Era como se a arma estivesse me rejeitando!

Se eu atirasse, acabava com a alegria da menina. Se não atirasse, acabava com o meu contrato! Merda de escolha...

Abaixei a arma, sem saber se era covardia ou humanidade. Talvez as duas coisas e

arrumei tudo em silêncio! Desmontei a arma, desliguei a música e prendi o fôlego...

Então fugi, corri como se algo estivesse me perseguindo.

E talvez estivesse mesmo.

— Filha, o que foi?? Por que está assim, minha linda??

— Tia... arruma as suas coisas. Agora!! Deu ruim, deu muito ruim... — A minha voz saiu trêmula, mas firme como aço prestes a cortar carne.

Ela franziu o cenho, confusa, tentando decifrar a urgência no meu olhar.

— Como assim, filha??? O que aconteceu??

A preocupação dela quase me desmontou... quase, mas não era hora pra hesitar! Ela não sabia quem eu realmente era. Sempre preservei a paz dela, escondendo o meu lado mais sombrio, o mais sujo, mas agora... agora o inferno estava vindo atrás da gente!

— Só arruma uma mala com o básico! Eu compro o resto depois. Agora se mexe, por favor!

Subi as escadas como um raio, tropeçando nos próprios pés, o coração batendo como se eu estivesse com uma arma encostada na nuca e

no quarto, agi no automático: documentos reais e falsos, identidades forjadas, joias, cartões, armas de pequeno porte, dinheiro em espécie e algumas roupas... Tudo jogado numa mala sem nenhuma delicadeza. Cada segundo parado ali era um risco de morte!

Desci e a encontrei parada na sala. Uma mala em mãos, o rosto pálido e o olhar... assustado.

— Vai ficar tudo bem.

Menti...

Segurei na sua mão e puxei com força, como quem arranca alguém de um naufrágio...

Corremos até a garagem e joguei tudo na caçamba da Saveiro. Entrei no banco do motorista com a adrenalina correndo nas veias e ela entrou em seguida, mas nem teve tempo de respirar — girei a chave e arranquei daquele lugar como se o próprio diabo estivesse na minha cola.

Rodamos em silêncio até alcançar uma distância segura. Então peguei o meu celular, apaguei tudo — contatos, mensagens, rastros — e o joguei dentro de uma lixeira enferrujada na beira da estrada.

Era isso ou me enterrar junto com ele.

Decidi que ficaríamos escondidas numa das minhas fazendas e no dia seguinte, eu compraria outra mansão, em outra cidade, bem longe dos olhos errados.

Chegamos à noite. Cansadas, suadas e sujas de medo.

Uma das empregadas veio pegar as nossas malas, e a minha tia continuava muda.

Ela não chorava, não reclamava, apenas... estava ali.

Sabia que não dava mais pra esconder. Ela merecia saber — mesmo que isso a quebrasse...

Depois do banho, encontrei ela no meu quarto. Sentada na beira da cama, de olhar fixo e expressão distante, como quem acabou de voltar de um pesadelo que não acabou ao despertar!

— Tia...

— Vai me dizer o que está acontecendo agora, Sara?

A voz dela era baixa, mas carregada de medo. Não daquele tipo de medo comum... Era o medo da verdade!

Respirei fundo pois não havia mais desculpas, nem volta.

— Tia... eu sou uma matadora de aluguel. — soltei de uma vez olhando em seus olhos.

Ela se levantou tão rápido que o mundo pareceu girar. Cambaleou como se o chão tivesse sumido debaixo dos pés e antes que caísse, eu a segurei.

— Tia! Tia, olha pra mim!

A deitei com cuidado na cama, batendo levemente em seu rosto tentando trazê-la de volta, mas foram minutos que pareceram horas.

Até que, finalmente, ela abriu os olhos — e o que vi neles me dilacerou mais do que qualquer tiro.

— Por favor... me fala que isso foi só um pesadelo...

Abaixei a cabeça e o silêncio respondeu por mim.

Ela então chorou... Chorou como quem sente que perdeu uma filha — e eu a deixei chorar.

— A culpa é minha!! Se eu tivesse te levado de volta pra Londres, nada disso teria acontecido...

— A culpa não é da senhora, tia. Eu que fiz as minhas escolhas erradas. Eu que abracei a escuridão, mas... eu quero sair disso! Quando eu voltar pra Londres, vou virar essa página, eu juro.

Nos abraçamos e choramos juntas. Ela pela minha perda de inocência, eu pelo peso que carrego... Depois disso, segui com o que precisava ser feito. Segunda-feira, a vida não para, nem mesmo quando a alma está aos pedaços!

Comprei uma mansão em Minas Gerais pra ela. Um lugar tranquilo, com árvores, ar puro e distância de tudo que fui!

Deixei todas as joias, dinheiro, contatos e segurança com ela. Graças à aposentadoria alta do meu tio militar falecido, ela teria conforto — mesmo que sem mim por perto...

Não queria deixá-la vulnerável. Era o mínimo que eu podia fazer por quem sempre tentou salvar o pouco que restava de mim!

E o mais importante...

A minha consciência estava, pela primeira vez em anos, em paz.

Porque eu não puxei o gatilho.

Não matei o pai daquela garotinha.

E naquele momento... eu me vi nela.

Tão pequena, esperançosa e tão, tão longe da mulher que eu sou hoje.

Já era noite e eu estava mexendo em algumas coisas quando uma notificação no meu novo celular chamou a minha atenção.

Era o Bruno, o meu irmão gêmeo.

Bruno ~ Boa noite, mana! Como você está? Ainda viva ou já foi abduzida por algum brazuca?

Sara ~ Estou bem, mano. Ansiosa pra ver vocês... mesmo que eu negue até o último segundo!

Bruno ~ Eu também estou! Mas olha só... nunca entendi por que você insiste em não ter nenhuma foto de perfil. Você é uma agente secreta ou só odeia a própria cara?

Sara ~ Haha. Seu humor continua o mesmo: péssimo! E você sabe que eu odeio tirar fotos, Bruno...

Era verdade, mas o motivo real ia muito além de uma simples antipatia por câmeras — sendo uma assassina de aluguel, qualquer selfie mal postada podia significar o fim da minha vida. Inclusive a deles!

Bruno ~ Descupinha clássica de quem está aprontando. Fala a verdade... tá escondendo um namoro ou uma tatuagem ridícula?

Na hora, um frio percorreu a minha espinha.

Será que ele desconfia de algo?

Bruno ~ Aposto que está com um chupão no pescoço do tamanho do Brasil!

Sara ~ BRUNO, PELO AMOR DE DEUS!

Bruno ~ Hahahaha! É tão fácil te tirar do sério que chega a ser terapêutico.

Suspirei aliviada. Era só ele sendo o idiota de sempre...

Sara ~ Vai dormir, palhaço!

Bruno ~ Vai você, sua bruxa! Amanhã você viaja, esqueceu? Melhor descansar essa sua cara de malvada.

Sara ~ Tá, tá... tchau.

Bruno ~ Tchau, princesa misteriosa da família!

Desliguei a tela com um sorriso bobo no rosto. Mesmo com tudo que eu escondia... ainda havia partes de mim que conseguiam sorrir sem culpa, e o meu irmão era uma delas.

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Curtem e comentem...

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Continua...

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Comments

Dulce Gama

Dulce Gama

a história está só no início mas está muito boa 🎁🎁🎁🎁🎁

2024-12-15

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