Laços na Escuridão

Nos dias que se seguiram ao segundo encontro, a vida de Victor tornou-se uma confusão de emoções. O peso do segredo que agora carregava parecia aumentar a cada noite, como se o mundo ao seu redor estivesse começando a mudar. Ele mantinha suas rotinas diurnas no hospital, mas sua mente estava sempre em outro lugar, nas sombras onde Lisandra existia.

Durante as longas horas de silêncio na sala de descanso do hospital, ele ficava imaginando o que faria se a visse novamente. O toque dela ainda estava gravado em sua pele, frio e ao mesmo tempo carregado de uma profundidade que ele não conseguia entender completamente. E aquela pergunta permanecia em sua mente: o que significava para ele tentar ajudar alguém que não era mais humana?

Enquanto isso, Lisandra também estava lutando contra seus próprios demônios. Nunca, em todos os séculos que havia caminhado pela terra, alguém tinha tocado seu coração como Victor havia feito. E isso a aterrorizava. Ela estava acostumada à solidão, à escuridão que a cercava. Havia segurança na distância entre ela e os humanos. Eles eram frágeis, efêmeros, e seu mundo era brutal. No entanto, Victor não era como os outros. Ele havia visto quem ela era e, ao invés de fugir, ele havia ficado. Ele havia oferecido algo que ela achava que nunca mais encontraria: compaixão.

Em uma noite particularmente fria, Lisandra decidiu que precisava vê-lo novamente. Ela havia passado séculos evitando qualquer forma de laço, sabendo que sua natureza vampírica destruía tudo que tocava. Mas algo a puxava para Victor, algo que ela não podia ignorar. Ela precisava entender por que ele estava disposto a arriscar-se por ela, mesmo depois de conhecer sua verdadeira natureza.

Victor estava em seu apartamento, folheando um antigo livro de mitologia que encontrara em uma livraria local. Ele tentava encontrar algum paralelo com o que estava vivenciando, mas as histórias pareciam distantes da realidade que ele agora enfrentava. De repente, sentiu a presença dela. Não houve um som, nenhum movimento perceptível, mas ele soube, antes mesmo de olhar para a janela, que Lisandra estava ali.

Ele se levantou lentamente e foi até a janela. Lá estava ela, observando-o da calçada. Seus olhos capturavam a luz da lua, e mesmo à distância, ele sentia o poder e a tristeza que emanavam dela. Sem hesitar, ele abriu a porta de seu apartamento e desceu as escadas.

Quando ele chegou à rua, Lisandra estava parada, com os braços cruzados, observando-o com uma expressão indecifrável. O silêncio entre eles era pesado, carregado de perguntas não feitas e respostas que talvez nenhum dos dois estivesse pronto para dar.

"Você veio", disse Victor, quebrando o silêncio, sua voz suave, mas firme.

"Eu não deveria estar aqui", ela respondeu, a mesma tristeza em sua voz que ele ouvira antes. "Mas não consegui evitar."

"Eu também não consigo parar de pensar em você", ele confessou, suas palavras saindo sem filtro. Ele sabia que havia algo perigoso em se aproximar dela, mas não conseguia afastar-se.

Lisandra deu um passo à frente, sua silhueta quase fundindo-se à escuridão ao seu redor. "Você não entende o que está pedindo, Victor. Eu sou uma criatura amaldiçoada. Minha existência é uma eterna noite. Não há futuro para alguém como você ao meu lado."

"Talvez não", ele respondeu, dando outro passo em direção a ela. "Mas isso não significa que você tem que carregar essa escuridão sozinha."

Ela balançou a cabeça, frustrada e ao mesmo tempo tocada pela sinceridade dele. "Você acha que pode me salvar? Acha que pode ser a luz que vai iluminar meu caminho? Isso não é uma história de contos de fadas, Victor."

"Não estou tentando te salvar", ele disse, com uma intensidade que fez o coração dela acelerar, algo que ela não sentia havia séculos. "Só estou dizendo que você não precisa enfrentar isso sozinha."

Lisandra sentiu o peso dessas palavras, e por um momento, ela quase acreditou nele. Quase. Mas os séculos de dor e traição eram difíceis de esquecer. "Eu poderia te destruir", ela sussurrou, seus olhos fixando-se nos dele. "Eu já destruí muitos antes de você."

"Você não vai me destruir", ele respondeu, sua voz firme, mas suave. "Eu confio em você."

Lisandra piscou, surpresa. Confiança era algo que ela não experimentava há séculos. Mesmo entre os de sua própria espécie, confiança era uma moeda rara. Vampiros eram criaturas traiçoeiras, sempre conspirando, sempre buscando o próprio interesse. Mas aqui estava Victor, um humano, oferecendo a ela algo que nem mesmo os imortais lhe davam.

"Por que você confia em mim?" ela perguntou, quase com incredulidade.

"Porque eu vejo quem você é", ele disse simplesmente. "Você não é só uma vampira. Eu vejo a dor, a solidão... e também vejo a bondade. Você escolheu não me machucar, mesmo quando poderia ter feito isso facilmente. Isso me diz algo."

Lisandra ficou em silêncio, suas emoções se agitando como uma tempestade interna. Victor a via de uma maneira que ela não se via mais. Ele enxergava algo além da criatura, além do monstro. E isso a assustava tanto quanto a confortava.

"Você está cometendo um erro, Victor", ela disse finalmente, sua voz baixa. "Eu sou uma maldição. Onde quer que eu vá, trago dor. Não quero que você se machuque por minha causa."

Victor deu mais um passo, agora tão perto dela que podia sentir o frio emanando de sua pele. "Eu já me machuquei antes", ele disse, sua voz suave, mas cheia de peso. "Perdi minha esposa há anos. Achei que meu coração estava morto. Mas você me fez sentir... algo de novo. E eu não vou desistir disso."

A menção da esposa de Victor fez o coração de Lisandra apertar. Ela podia ver o sofrimento dele, o vazio que ele carregava. Mas, ao mesmo tempo, podia sentir o desejo genuíno dele de se conectar com ela, de encontrar algo de valor nessa estranha relação.

Ela hesitou por um longo momento, seu olhar preso no dele. Então, finalmente, ela falou, sua voz cheia de uma tristeza profunda: "Eu não sei se posso te dar o que você quer, Victor."

"Eu não quero que você me dê nada", ele respondeu. "Só quero que você saiba que não precisa enfrentar isso sozinha."

As palavras dele pairaram no ar, e por um breve momento, Lisandra sentiu uma rachadura nas paredes que havia erguido ao redor de seu coração. Talvez, apenas talvez, ela pudesse permitir que alguém se aproximasse. Mas as consequências disso ainda eram desconhecidas. Ela sabia que, se o deixasse entrar, o perigo seria inevitável.

"Eu não sei o que acontecerá se você continuar se aproximando de mim", ela admitiu, finalmente deixando escapar a verdade que a assombrava. "Mas, por agora... eu vou deixar você entrar."

Victor assentiu, um sorriso suave e sincero surgindo em seu rosto. Ele sabia que aquilo era um primeiro passo, e que o caminho à frente seria difícil e perigoso. Mas ele estava disposto a enfrentá-lo.

Lisandra deu um último olhar para a escuridão ao seu redor, antes de fixar os olhos em Victor novamente. "Mas, por favor, nunca se esqueça de que eu sou uma sombra, Victor. E sombras, por mais que tentem, sempre acabam consumindo a luz."

Ele estendeu a mão, hesitante, e tocou suavemente o braço dela. "Então vamos ver o que acontece quando a luz e a sombra se encontram."

E, com isso, uma nova etapa da relação deles começou. Eles sabiam que o caminho à frente estava cheio de incertezas, mas ambos estavam dispostos a descobrir o que poderia nascer desse encontro entre o humano e a vampira.

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