Ecos da Escuridão

As noites seguintes em Valedourado foram mais inquietas do que de costume. O vento soprava mais forte, uivando entre as árvores como se estivesse anunciando algo sinistro. No hospital, o Dr. Victor Rocha se via incapaz de esquecer a mulher misteriosa que havia tratado. Havia algo em seus olhos, algo que parecia ecoar nas profundezas de sua própria dor. E, por mais que tentasse, ele não conseguia se livrar da sensação de que a encontraria novamente.

Ele não contou a ninguém sobre o estranho encontro. Como explicar a uma enfermeira, ou a qualquer outro médico, que havia tratado uma mulher cujas feridas cicatrizavam com uma rapidez anormal? Que sua pele era fria como o gelo, e que sua presença parecia carregar consigo a sombra da morte, mas de uma forma sedutora, envolvente? Ninguém acreditaria. Nem ele mesmo teria acreditado, se não tivesse visto com seus próprios olhos.

Nas noites seguintes, Victor começou a fazer longas caminhadas pela cidade após seus turnos no hospital, algo que nunca fazia antes. Algo dentro dele o impelia a sair, como se uma força invisível o puxasse para o mesmo caminho que Lisandra havia seguido naquela noite. Ele caminhava pelas ruas desertas, iluminadas apenas pela luz amarelada dos postes, seus pensamentos sempre voltados para ela. Quem era realmente aquela mulher? E por que ele sentia essa necessidade incontrolável de encontrá-la novamente?

Enquanto isso, nas profundezas da floresta que cercava Valedourado, Lisandra se recuperava em silêncio. Embora seu corpo já estivesse curado, sua mente estava em conflito. O médico... Victor. Ele havia tocado algo nela, algo que ela pensava estar morto há séculos. Desde que foi transformada, havia se resignado à eternidade de solidão, vagando pela escuridão, sempre evitando qualquer tipo de conexão com os humanos. Mas ele havia sido gentil com ela. Havia visto mais do que apenas uma criatura. E, de certa forma, isso a deixava inquieta.

Sentada em uma clareira sob o luar, Lisandra sentia a presença de outros vampiros, suas mentes entrelaçadas com a dela. Eles a observavam de longe, sempre à espreita, esperando um deslize. Havia regras em seu mundo, e uma delas era clara: os humanos não eram companheiros, mas presas. Ela conhecia o risco de se aproximar demais. Mas o que mais lhe preocupava não era a vigilância de sua espécie, mas os sentimentos confusos que surgiam dentro dela.

Enquanto o vento soprava, carregando o cheiro das folhas secas, Lisandra lembrou-se de seus primeiros dias como vampira, séculos atrás. A sede insaciável, o caos em sua mente, a destruição que ela havia causado em sua busca por controle. Mas agora, tudo parecia distante, como se pertencesse a outra vida. Ela tinha se afastado da caça, tinha aprendido a dominar seus instintos. E agora... o que significava essa nova agitação dentro dela?

Naquela mesma noite, enquanto Victor vagava pelas ruas desertas, ele sentiu algo mudar no ar. Era um frio que não vinha apenas da brisa noturna. Havia algo mais, algo que parecia roçar sua pele de maneira invisível. Parou no meio da rua, seu coração batendo mais rápido. Ele não estava sozinho.

"Está me seguindo, doutor?" A voz suave e familiar ecoou da escuridão.

Victor se virou rapidamente, e lá estava ela. Lisandra, emergindo das sombras com a mesma elegância sobrenatural de antes. Seus olhos, brilhando sob a luz fraca da lua, o observavam atentamente. Ele percebeu que não tinha resposta para a pergunta dela. Talvez estivesse mesmo a seguindo, mas não por escolha consciente. Algo o atraía para ela de maneira irresistível.

"Eu... não sei o que estou fazendo", ele admitiu, sinceramente. "Desde que te vi, sinto que... preciso entender quem você é."

Lisandra sorriu de forma melancólica, como se estivesse acostumada a esse tipo de curiosidade. "Você não pode me entender, Victor. Minha existência está além do que um humano pode compreender."

"Então, me explique", ele disse, dando um passo à frente. "Me mostre quem você é de verdade."

Ela o observou por um longo momento, como se estivesse ponderando se deveria ou não permitir que ele entrasse em seu mundo. Ele era diferente dos outros humanos que ela conhecera. Havia algo em sua dor, em sua própria escuridão interna, que a atraía. Talvez fosse sua bondade, sua coragem silenciosa. Ou talvez fosse apenas o desejo de encontrar alguém que a visse por quem ela era, e não pelo monstro que se tornara.

"Você está realmente preparado para saber?", perguntou ela, sua voz carregada de uma seriedade que fez o coração de Victor acelerar.

Ele assentiu. "Estou."

Lisandra deu um passo em direção a ele, sua figura quase flutuando sobre o chão. Ela se aproximou o suficiente para que Victor pudesse sentir o frio emanando dela, mas dessa vez ele não recuou. Seus olhos se encontraram, e, por um breve instante, o tempo pareceu parar.

"Eu não sou o que você pensa, Victor", disse ela, baixando a voz para um sussurro. "Eu sou muito mais do que uma mulher com feridas que cicatrizam rápido. Eu sou a morte que caminha entre os vivos. Eu sou um eco da escuridão."

Antes que ele pudesse responder, Lisandra moveu-se com a velocidade de um relâmpago, aparecendo diretamente à sua frente. Sua mão fria tocou o rosto de Victor com uma delicadeza inesperada. Ele sentiu o coração disparar, mas não por medo. Havia algo mais naquele toque. Algo que o fazia desejar entender sua dor, seu tormento.

"E mesmo assim... você me vê", ela sussurrou, como se falando para si mesma.

"Eu vejo", ele respondeu, sua voz rouca de emoção. "E quero ajudar."

Lisandra fechou os olhos por um breve momento, lutando contra os séculos de solidão que pesavam sobre ela. Ela nunca permitira que ninguém se aproximasse tanto. Nunca confiara em nenhum humano desde que fora transformada. Mas Victor... ele parecia diferente.

"Então você vai ver a verdade, doutor", ela disse suavemente. "Mas saiba que, uma vez que olhar para dentro da escuridão, ela pode nunca mais te deixar."

Com um movimento lento, ela se afastou dele e, em um gesto rápido, revelou seus caninos afiados, a verdadeira marca de sua natureza vampírica. Eles brilharam sob a luz da lua, e Victor sentiu o frio da realidade descer sobre ele.

Por um momento, ele ficou paralisado. Tudo o que ele já havia lido ou ouvido sobre vampiros parecia tão distante, tão irreal. Mas ali estava ela, a personificação de cada lenda que ele jamais acreditou. E ainda assim, mesmo diante daquela visão aterradora, ele não recuou.

"Agora você sabe", Lisandra disse, sua voz suave, mas carregada de uma tristeza profunda. "Eu sou uma criatura da noite. Uma vampira. E não há lugar para luz no meu mundo."

Victor respirou fundo, seu coração ainda martelando no peito. "E se houver?"

A pergunta pairou no ar, carregada de uma esperança que Lisandra não sentia há muito tempo. A ideia de que, talvez, apenas talvez, pudesse haver algo além da escuridão. Algo que Victor, com sua determinação e bondade, estava disposto a lhe oferecer.

"Você é um tolo", ela sussurrou, seus olhos cheios de um misto de dor e desejo. "Mas talvez seja disso que eu precise."

E com essas palavras, ela desapareceu na noite mais uma vez, deixando Victor sozinho nas ruas vazias, com a promessa de que aquele não seria seu último encontro.

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