Antes

                                                               Diamond

É minha segunda semana de trabalho na cafeteria e embora eu não

goste de lavar pratos, não me sinto mais tão frustrado como antes. Blake se

tornou minha amiga. Gina, por outro lado, é uma incógnita. Ela age sempre

como se alguém tivesse pisado em seu sapato, além de parecer desconfiada.

Acabo de lavar a louça e seco minhas mãos no pano, quando a minha

nova rival entra na cozinha.

Olho em sua direção. O cabelo cacheado está preso no topo de sua

cabeça e a pele negra de suas bochechas parece meio brilhante,

provavelmente devido ao esforço. Mesmo ofegante e com os fios

desgrenhados, para minha desgraça, ela é linda. Seus olhos em formato de

amêndoa possuem um tom de avelã claro cativante.

Ela sorri para Dalton, o cozinheiro exausto que fica lá nos fundos.

Ele é um senhor de meia idade sempre muito silencioso, quase não dá para

perceber a sua presença. Conversamos algumas vezes, mas não posso dizer

que temos um vínculo.

Os olhos da garota encontram os meus e percebo que o sorriso em

seus lábios some.

— O que foi? — indaga, meio que na defensiva.

Arqueio uma sobrancelha, cruzando os braços em frente ao peito e

recostando-me contra a pia.

— Nada, só tem um pouco de creme cranberry no seu colarinho.

Gina olha para baixo, as orelhas começando a ficarem vermelhas. Ela

volta o olhar para mim e solta um suspiro irritado.

— É o que acontece quando se põe as mãos na massa. Ao contrário

de você, sempre tive que batalhar por tudo — diz, me olhando com raiva.

— Por mais que eu trabalhe na cozinha, meu uniforme sempre está

limpo. Acho que tive sorte, então. — Sorrio presunçosamente, dando de

ombros.

— Você não vai durar um mês aqui — atira, parecendo ainda mais

irritada por não conseguir me desestabilizar.

Ela não sabe, mas acho toda essa sua raiva algo fofo.

— Já terminou? — pergunto, bocejando. — Esse seu discurso todo tá

começando a me deixar muito entediado.

Parece que a garota irá explodir a qualquer momento.

Espero pelo seu próximo golpe mas ela apenas fica em silêncio, pega

algo em uma prateleira e sai da cozinha. Como Blake ainda não trouxe mais

pratos, saio para a área da cafeteria em que servimos os clientes. A garota

de cabelos cacheados está de costas para mim, atrás do caixa. Ela fica no

balcão, administrando o dinheiro e, às vezes, faz alguns expressos.

Blake acena quando me vê.

— Já terminou lá dentro? — questiona, vindo até mim.

— Sim. Tá um saco lá atrás. — Me apoio no batente da porta. —

Muito silêncio.

— Acho que você pode ajudar a Gina no balcão. — Blake olha sobre

o ombro. A demanda de clientes parece grande. — Se souber fazer

expressos, é claro.

Franzo o cenho.

— Ninguém nunca me ensinou a fazer expressos.

— Na pausa eu te ensino.

Assinto. Blake se manda no próximo segundo para atender mais

clientes que chegam. Hoje, as pessoas estão concentradas em bebidas para

viagem, o que torna o trabalho ainda mais exaustivo. Posso ver que Gina

massageia a parte de trás do pescoço o tempo todo. Deve estar tensa.

A pausa acontece dez minutos mais tarde. Mudamos a placa de

"aberto" lá fora e a trocamos por "fechado".

— Olha, é simples — Blake diz, começando a me mostrar como a

máquina funciona.

Observo o processo do expresso. Não é tão complicado, mas Blakely

não faz o caracol de chantilly com precisão. Eu tento uma vez e o meu sai

impecável. Ela bufa e eu só a ofereço um sorrisinho torto.

— Eu sou perfeito. Em tudo — digo, porque é verdade.

Blake ri, mas, atrás de nós, um suspiro irritado paira no ar. Nós nos

viramos quase ao mesmo tempo para encontrar uma Gina mal-humorada.

Na verdade, acho que o mau humor é seu estado natural de espírito.

— O Diamond vai te ajudar quando voltarmos da pausa — Blake

fala, enfiando o dedo no teste de expresso que ela fez para pegar o chantilly.

Ela o lambe e olha para o meu. — O café dele é perfeito.

— Não preciso da ajuda desse aí — Gina murmura, seca.

— Você tá muito estressada, já pensou em começar a fazer ioga? —

sugiro, de um jeito zombeteiro.

Ela não responde, apenas passa por mim e esbarra em meu ombro.

Duvido que tenha sido sem querer. Blake me olha com uma expressão

confusa. Quando a garota de cabelos cacheados está longe o suficiente, ela

resmunga:

— A Gina tá com problemas em casa. Ela não é assim.

— Que tipo de problemas?

— Financeiros. Você não vai entender.

A conversa se encerra. Fico na cozinha na pausa e troco algumas

palavras com o Dalton. Ele está enrolando algumas rosquinhas, mas é lento.

Mostro a ele uma técnica que minha avó me ensinou, na Alemanha. Desta

vez, o cozinheiro termina rápido e me agradece.

Depois que a pausa encerra, eu começo a ajudar nos atendimentos.

Em algum momento, Gina vira bruscamente enquanto estou à

caminho do balcão com um expresso. Ela tromba em mim, o que faz com

que o café quente caia no seu uniforme e no meu. Me fulminando com o

olhar, seus lábios entreabrem.

— Olha por onde anda — diz ao mesmo tempo em que falo:

— Você devia tomar cuidado.

Nós trocamos mais olhares fervorosos.

Blake diz que vai nos cobrir por cinco minutos já que está livre. Eu e

Gina entramos para o espaço restrito apenas de funcionários, atrás de

uniformes limpos.

— Falei que não precisava da sua ajuda — murmura enquanto busca

roupas do seu tamanho.

Eu tiro minha camiseta quando encontro uma nova.

— Você estava se atrapalhando toda lá. Orgulho não combina muito

com você — digo, começando a me irritar.

Ela se vira em minha direção, me fitando com um olhar mortal. Abre

a boca para falar algo, mas fica em silêncio assim que vê que estou sem

camiseta. Seu olhar desce por meu abdômen definido e para ali por alguns

momentos.

— Pode olhar mais de perto, não me importo. Se quiser, faço até uma

pose para você tirar uma fotografia — falo, um sorriso torto se abrindo em

meus lábios.

Seus orbes se fixam nos meus desta vez. Ela parece irritada. Porra, eu

adoro tirar essa garota do sério e é muito fácil fazê-la ferver de raiva.

Termino de vestir a camiseta.

— Não pense que eu estava apreciando a visão, não estava — atira,

na defensiva.

Solto um riso seco.

Não digo nada e isso só parece irritá-la ainda mais quando a lanço

um olhar presunçoso. Volto para o balcão, deixando-a sozinha para se vestir

lá atrás. Começo a preparar os cafés. Quando meu turno acaba, me despeço

de Blake e finjo que Gina é invisível. Então, vou embora.

Ao invés de ir para casa, mudo a rota para dar uma passada em um

dos orfanatos de Boston, onde faço trabalho comunitário. Quando estaciono

o carro começa a nevar um pouco. Entro pelos fundos, no acesso direto da

cozinha, já que tenho a chave. Então lavo as mãos antes de começar a

colocar as mãos na massa.

Em algum momento, sou acertado por trás por uma espátula. Sim,

uma espátula. Olho sobre o ombro e vejo o pestinha que arremessou o

utensílio culinário em mim. Não fico surpreso quando encontro Finn

encostado contra a borda da bancada despretensiosamente.

Como é que ele entrou sem eu perceber?

— Você sabe que jogar espátula em alguém não é certo, não sabe? —

falo, secando as mãos num pano antes de abaixar para pegá-la do chão.

Ele arqueia as sobrancelhas.

— Escapou da minha mão.

Eu rio, o que parece irritá-lo.

— Claro que sim — digo.

Finn é difícil, desde que comecei a cozinhar para o orfanato, ele

parece ter ficado com uma pulga atrás da orelha ao meu respeito. Sei que

não confia no meu caráter, diferentemente de sua irmã, Greta. Suspeito que

ela tenha uma paixão platônica por mim, mas a menina tem dezesseis anos

e eu não pretendo me envolver com ela. Acho que Finn não compreende

isso, mas seu instinto protetor é algo que eu admiro.

Olho lá para fora através da janela e vejo alguns dos garotos

montando um boneco de neve. Parecem estar se divertindo.

— Por que você não tá com o resto das crianças? — indago,

começando a colocar a fornada de cookies para assar.

Mesmo não vendo seu rosto, sei que ele está fazendo uma careta

agora. Eu me viro e confirmo minha suspeita.

— Eu não gosto de neve — fala, desviando o olhar.

Sei que Finn tem problemas para se enturmar e que essa

provavelmente é uma desculpa. Ele não se sente à vontade com o resto dos

garotos. Estou tentando entender o porquê há um tempo.

No próximo segundo, Greta irrompe na cozinha, se aproximando do

irmão mais novo e colocando uma das mãos em seu ombro.

— Você devia ir lá para fora — sugere. Noto que há flocos de neve

presos em seus fios de cabelo. — Tá divertido.

— Não tô a fim — Finn murmura, se desvencilhando de sua irmã e

saindo da cozinha feito um furacão.

Eu e Greta olhamos para a porta.

— O que tem de errado com ele? — pergunto com cuidado,

recostando-me contra a borda da pia e cruzando os braços em frente ao

peitoral.

A menina suspira, mordendo o lábio inferior.

— Não tenho certeza — começa a dizer, baixinho. — Mas acho que

o Finn gosta de um dos garotos.

A informação me pega desprevenido, porque eu não poderia imaginar

que Finn estava recluso porque não conseguia lidar com seus próprios

sentimentos em relação a alguém.

— Não conta para ele — acrescenta rapidamente, os olhos

suplicantes. — Acho que ele nunca mais falaria comigo.

— Não se preocupe — digo. — Eu sou alguém confiável. — Dou

uma piscadela para ela, observando seu rosto corar violentamente.

Greta murmura algo inteligível e sai da cozinha. Espero até que os

cookies fiquem prontos e tiro as formas do forno com ajuda de luvas. Como

está nevando, acho que não tem problema em servir os biscoitos

fumegantes. Começo a separá-los numa bacia de vidro, então deixo-os

sobre a mesa.

A senhora Myers fica grata quando digo que os cookies estão prontos

e murcha um pouco quando emendo que já vou. Me despeço de algumas

das crianças que encontro no caminho até a saída, indo embora com a

sensação reconfortante que preenche meu peito por fazer uma das únicas

coisas que ainda me deixa feliz.

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Comments

Nubia

Nubia

tô achando linda nessa início de história

2024-03-08

5

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