Gina
Ao longo da semana, algumas lembranças da confraternização
começam a voltar para minha mente aos poucos, e eu contenho um gemido
no fundo da garganta toda vez que lembro que estou casada. Diamond
desapareceu. Eu não o via há cinco dias e estava começando a ficar nervosa
porque eu não queria estar atrelada a ele.
— Tá tudo bem? — Blake, minha amiga, diz, parando de varrer o
chão da cafeteria.
Estamos prestes a fechar, apenas organizando o ambiente. Limpo a
garganta, tentando colocar um sorriso que espero ser brilhante no rosto.
— Sim, só estou meio cansada agora que me mudei. A cafeteria fica
mais longe.
Blake assente, mas fica uma sombra de dúvida em seu rosto. Ela é
alguém que capta tudo no ar, o que torna difícil a missão de enganá-la. Mas
é verdade. Realmente estou cansada pela nova distância de casa até o
trabalho. Eu morava em um complexo de apartamentos universitários com
uma garota, mas o dinheiro do aluguel teve que ser redirecionado para
outras questões, então tive que voltar para a casa do meu pai, que fica a
cerca de quarenta minutos daqui.
Blake sai primeiro, despedindo-se quando seu namorado estaciona a
moto em frente à cafeteria para pegá-la.
Coloco um casaco antes de sair porque é inverno em Boston e neva
bastante às vezes. Assim que coloco os pés na calçada, uma rajada gélida
me atinge, enviando um arrepio por meu tronco. Tranco a porta do
estabelecimento, enfiando a chave no bolso.
Então, viro, me deparando com uma limousine preta.
Me ultrajo quando Diamond desce do carro. Está usando um terno
igualmente preto, o rosto meio corado pelo frio e os olhos muito azuis fixos
em mim. Ah, e claro, há aquele sorriso de idiota no seu rosto que me faz
querer socá-lo só para que desapareça.
— Olá, esposa.
Estremeço.
— Não me chama assim.
Diamond me ignora. Ele está segurando a porta do carro aberta,
como se esperasse que eu entrasse nele.
— Temos assuntos para resolver, Georgina.
Meu olho treme, porque odeio esse nome, por mais que ele seja meu.
Não gosto que me chamem assim.
Ando em sua direção, parando em sua frente. É inevitável não
analisá-lo no terno de grife. Nunca o vi assim antes. É como se tivesse
revelado sua verdadeira identidade apenas agora. Por mais que eu já
soubesse que ele era podre de rico, na cafeteria, agia como nós. Usava
uniforme e não andava por aí com limousines.
— Olha só, nós não temos que resolver nada. Só quero me divorciar
e fingir que isso nunca aconteceu.
Diamond encosta contra o carro, cruzando os braços em frente ao
peitoral largo. Não gosto de como me olha.
— Vou te deixar em casa — ele diz, me ignorando.
— Não quero carona nessa limousine estúpida.
— Ótimo! — O loiro fecha a porta, após dispensar o motorista, que
se distancia imediatamente. — Vamos de ônibus, ou o que quer que você
prefira.
Não posso evitar segurar sua gravata, puxando-a até que seu rosto
fique a apenas alguns centímetros do meu. O encaro seriamente, com raiva.
— Não estou brincando. Quero que você se divorcie de mim. Arranje
um advogado.
O solto.
Diamond bate a mão no próprio ombro, como se estivesse tirando pó
dele. Depois, ajeita a gravata que ficou torta e enfim me encara, com os
olhos cheios de sarcasmo. E lá está. O sorriso torto que faz meu sangue
ferver.
— Arranja um advogado você. Não sou eu que quero me separar.
Estou feliz com nosso casamento.
Sinto um ódio genuíno, porque não tenho dinheiro para um
advogado. Se for me separar do garoto, terei que entrar na enorme fila de
espera para conseguir serviço gratuito.
Controlo minha respiração. Também tenho que controlar a vontade
de enforcá-lo.
— Vou me separar de você — digo, me sentindo ridícula. — Nem
que eu tenha que vender minha alma pra conseguir um advogado.
Diamond rola os olhos.
— Temos que discutir sobre seu temperamento, ele certamente não
irá agradar meus pais.
— Vai se foder — cuspo.
Começo a andar pela rua, olhando sobre o ombro. O babaca fica
parado lá, com as mãos nos bolsos e agradeço mentalmente por ele não me
seguir.
Assim que chego em casa, penduro o casaco no cabide, próximo à
jaqueta de meu pai. O encontro na cozinha, está de costas para mim,
esquentando água na chaleira.
Solto um suspiro.
— O senhor não devia estar em pé aí — murmuro, tentando engolir a
frustração.
Meu pai é teimoso. Ele tem um rompimento no ligamento do seu
tornozelo esquerdo e faz tratamento para isso, que, inclusive, custa caro.
Com o dinheiro de sua aposentadoria, que não é tão alta, mantemos a casa e
as aulas de Tristan, meu irmão mais novo. Sobrava um pouco que ele
acabava me ajudando com a faculdade, mas, com o agravamento de seu
tornozelo, tive que deixar o curso de Literatura e o alojamento universitário
onde eu morava, o que me fez retornar para cá.
Trenton Davis, conhecido por mim como pai, é ex-militar e feriu seu
tornozelo em combate, mas, com a idade, os problemas aumentaram.
— Só estou preparando um pouco de chá — murmura enquanto se
apoia nas muletas.
— Deixa que eu termino.
Ele me analisa com calma.
— Você parece cansada.
— Não estou — minto. — Sério, pai, deixa a chaleira aí. Eu me viro.
Ele resmunga e sai da cozinha, porque sabe que tenho um gênio
difícil de lidar. Não me importo em me sacrificar por quem amo, mesmo
que esteja morrendo de fome, dor nas costas e com vontade de dormir por
duas semanas inteiras.
Termino o chá e começo a fazer alguns sanduíches de pasta de
amendoim. Sei que meu pai adora comer isso, mesmo que eu tente o
convencer de que é nojento.
Tristan chega quando ainda estou na cozinha. Ouço o barulho da
porta se fechando. Ele passa pelo corredor, mas para quando me vê.
— Fez um para mim? — indaga, adentrando no cômodo e fazendo
menção de pegar um dos sanduíches.
Seguro seu pulso.
— Não. Os dois são para nosso pai.
Tristan bufa.
— Você é egoísta. Não pensou no seu irmão mais novo que chegaria
do colégio cansado e com fome?
— Você tem catorze anos. Pode preparar sua comida.
Começamos a retrucar um ao outro. Tristan inicia o próprio jantar e
eu saio da cozinha, levando o chá e os sanduíches para meu pai. Ele está
sentado no sofá, com a perna ruim esticada sobre o estofado, vendo algum
jogo de beisebol na tevê que não faço questão de prestar atenção.
Meu irmão aparece na sala, mostrando para nós as notas do colégio.
Ele estuda numa escola de artes. É muito inteligente e meu pai sempre
brinca que é ele quem vai nos tirar do bairro em que moramos quando
crescer. Eu rio ao escutar isso, mas não deixo de sentir uma pontada no meu
peito, porque eu gostaria de dá-los uma vida melhor.
Subo para meu quarto, pensando nisso e no que meu pai me disse
uma semana atrás. Que provavelmente precisaria fazer uma cirurgia e não
teria como manter Tristan no colégio. Não contamos isso para ele ainda, é
claro, até porque não temos certeza se ele realmente vai precisar operar o
tornozelo, embora seja mais uma fagulha de esperança tola que eu alimente
dentro de mim.
No chuveiro, apoio a cabeça contra os azulejos da parede e fecho os
olhos enquanto a água corre pelo meu corpo.
É o único momento em que eu posso deixar a armadura cair porque
sei que ninguém vai ver.
Então, quando saio do banho, com a toalha enrolada no corpo, faço
algo que prometi a mim mesma que não faria.
Ligo para o Diamond.
Ele atende no terceiro toque.
— Mudou de ideia? — é a primeira coisa que ele diz.
— Por sobrevivência — murmuro, sentindo-me mais derrotada que
nunca.
— Claro.
— Isso deve inflar tanto o seu ego, não é? Que as pessoas precisem
de você, seu dinheiro, sua influência…
Há uma pausa. Não sei se ouço um suspiro do outro lado da linha ou
se estou só imaginando coisas.
— Não. Você entendeu errado. Eu realmente acredito em você. —
Diamond solta um riso seco. — Sei que você preferiria nadar em um tanque
cheio de tubarões do que ter que fingir ser minha esposa.
— Ótimo — sopro, contra o telefone. — O que preciso fazer?
— Primeiro, a gente vai transformar esse seu visual de gata
borralheira.
Franzo o cenho e coloco o celular no viva voz sobre a cômoda
enquanto começo a me vestir.
— Como assim visual de gata borralheira?
Quase posso imaginá-lo rolando os olhos neste momento, com um
sorriso presunçoso.
— Não me leva a mal, Gina. É só um apelido inofensivo. Você já
assistiu Cinderela, né? A minha irmã mais nova me obrigou a assistir esse
desenho umas quinhentas vezes na infância. Eu lembro que a Cinderela
trabalhava muito, assim como você. Quando conversamos me recordo do
filme. — Há uma pausa. — Mas, voltando ao assunto, nós só temos que
adaptá-la ao mundo dos meus pais. Eles são os idiotas, não eu. Pense sobre
isso. Vou te levar até um lugar para escolher um vestido.
Eu bufo.
— Ok — respondo secamente. — Para que ocasião?
— Brunch.
É tudo o que ele diz antes de encerrar a chamada.
Por algum motivo, fico com a sensação de que fechei um acordo com
o diabo.
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Atualizado até capítulo 48
Comments
Neide Lima
com um gatão desse eu fecharia qualquer acordo até cuidar dele 🤭😏😘😘🫶🫶
2024-10-27
1
Leidiane Lopes
Que nada Gina vc fechou o acordo com o amor da sua vida, vai ser de mais a construção desse amor 🔥🤤😋😍
2024-03-30
2
Leda
Querida você fechou um acordo com o amor.
2024-03-10
2