Por que não esperou lá dentro?

                                                                   Gina

Diamond pediu para que eu o encontrasse na frente de uma boutique

de grife. Estou aqui há cerca de cinco minutos, congelando na calçada.

Meus dentes rangem pelo frio que está fazendo em Boston. Enfio as mãos

dentro do meu casaco fino, desejando ter trazido algo mais apropriado para

a ocasião.

Um Cadillac preto estaciona no meio da rua inusitadamente, atraindo

alguns olhares. E, é claro, o loiro desce dele. Está usando uma jaqueta cinza

e jeans, saindo de seu traje de babaca mimado, mas, mesmo assim, se

parece muito com um.

Ele se aproxima de mim, com o cenho franzido.

— Por que não esperou lá dentro? Seu nariz tá vermelho.

Eu fungo, começando a me sentir um pouco resfriada.

— Você disse para te esperar aqui fora!

— Eu disse, mas tá frio e você não precisava ficar no meio da

calçada. — Diamond rola os olhos.

Inesperadamente, ele passa um dos braços ao redor dos meus

ombros, me forçando a caminhar pela calçada até a entrada da loja. A porta

se abre automaticamente para nós e antes que eu possa arrancar seu braço

de mim como se fosse um maldito sanguessuga, uma vendedora aparece em

nossa frente e seria estranho se eu fizesse isso.

Ela nos leva até as seções de vestidos para ocasiões especiais.

Os vestidos são todos lindos. Diamond pede para que ela leve alguns

do meu tamanho até o provador e, depois, me empurra para dentro dele.

Bufo, fechando a cortina da cabine e me olho no espelho à minha

frente. O primeiro que coloco é amarelo, tem decote alto e acho que ele é

meio ok. Me analiso com calma.

— Quando estiver vestida, vem para cá. — Ouço a voz do garoto

soar do outro lado da cortina.

Faço careta.

Saio do provador. Diamond está sentado numa poltrona reclinável

próximo de mim. Ele lê uma revista de esportes, mas ergue o olhar assim

que me ouve chegar mais perto, e mal me encara antes de dizer:

— Não.

— Não? — repito, descrente. — O vestido é bonito e ficou bem em

mim.

— A minha avó usaria isso, Georgina — murmura, os olhos ainda

presos na revista.

Sinto o calor subir por meu pescoço até as bochechas. Babaca. Volto

para o provador e arranco o vestido amarelo. O segundo é um rosa pálido

elegante, sem decote. Acho que Diamond vai gostar desse. Volto para lá.

Ele leva pouco mais que cinco segundos me olhando.

— Não — dispensa.

— Você deve estar se divertindo muito, não é? — resmungo, entre

dentes.

Ele ri, sem humor.

— Não me divirto em te ver nessas roupas horrorosas, Gina. Na

verdade, eu poderia chorar.

Bufo novamente, pisando duro até o provador. Coloco o último

vestido de qualquer jeito, subindo o zíper só até a metade, deixando-o meio

frouxo no busto. Saio em direção ao garoto. Diamond levanta o olhar da

revista, passando-se alguns segundos enquanto me inspeciona.

Silêncio.

Ele levanta, largando a revista em cima da poltrona e vindo até mim,

em seguida, me gira pelos ombros, até que eu fique de frente para o

espelho. O observo através dele. Nunca havia reparado o quanto era muito

mais alto que eu até agora, o topo de meus cabelos não alcançava nem seu

queixo. Seus olhos azuis se mantém nos meus enquanto ele leva a mão até o

zíper da peça, seus dedos roçando na minha pele desnuda no processo.

Sinto uma onda de calafrios se espalharem pelo meu corpo.

Não gosto dessa sensação.

Ele termina de subir o zíper, mas não se afasta, mantendo o contato

entre nós.

Como se soubesse do efeito que está causando em meu corpo,

Diamond envolve uma das mãos em torno do meu pescoço, os dedos

inclinam meu rosto lentamente para o lado.

Ele leva os lábios ao meu ouvido, roçando-os ali.

Estremeço, o pulso acelerado.

— Veja como você fica magnífica neste — diz, com a voz baixa e

grave, mantendo as íris azuis nas minhas através do espelho.

Um sorriso torto começa a delinear seus lábios. Um cheio de

presunção e arrogância. Eu me afasto como se ele estivesse em chamas e

fecho a cara para encará-lo.

— Não se aproxime de mim desse jeito outra vez — falo, me

sentindo patética.

O sorriso convencido aumenta.

— Um dia, você vai implorar pelo meu toque, gata borralheira.

Rio sem humor.

— Esse vai ser o dia em que os porcos vão criar asas.

É a vez dele rir.

Diamond não diz mais nada. Tiro o vestido e coloco minhas roupas

normais. No caixa, quando a atendente diz o preço, quase engasgo com meu

próprio ar. O garoto, por outro lado, não parece surpreso. É como se fosse

habitual e acredito que deve ser mesmo. Ele passa o cartão de crédito preto

e pega a sacola, entregando-a para mim.

— Obrigada — murmuro, porque não sei o que dizer.

Sei que provavelmente esta roupa poderia pagar diversas contas

minhas, o que me deixa com uma sensação esquisita. Além do fato de ser a

peça mais bonita que já tive.

Diamond apenas ergue um dos ombros.

— Preciso voltar para casa agora — falo, quando saímos da loja.

As ruas de Boston estão meio movimentadas e está fazendo mais frio

do que quando chegamos, o que faz com que meu corpo comece a produzir

alguns espasmos. Diamond rola os olhos quando repara os meus tremores e

retira em seguida a própria jaqueta, colocando-a em volta dos meus

ombros.

Ele está usando apenas um suéter agora.

Franzo o cenho.

— Pode ficar com sua jaqueta — resmungo.

— Não, obrigado. E não vamos discutir sobre isso. — Há uma pausa.

— Quer uma carona?

Penso. Já vim até aqui sozinha, de metrô. Não quero ter que enfrentar

as estações lotadas e ficar amontoada no meio de um monte de gente no

vagão. Eu assinto, optando por deixar meu orgulho de lado. O Cadillac

preto em que Diamond veio surge nas ruas outra vez depois que ele faz um

telefonema.

Me pergunto como é ter tudo à disposição tão fácil.

Ele abre a porta traseira do carro e a segura para mim, a sobrancelha

esquerda arqueada. Saio dos meus próprios pensamentos e entro no veículo,

acomodando-me próxima de uma das janelas. Observo o fluxo de pessoas

nas ruas e os prédios comerciais enquanto avançamos.

— Gina, qual o endereço? — Diamond pergunta, depois de um

momento.

Ele está sentado ao meu lado, mas não tão próximo.

Digo para ele o nome da rua e o motorista coloca o GPS no painel do

automóvel.

Demora cerca de vinte minutos até que cheguemos em minha casa. O

loiro não diz nada além de que vai passar aqui amanhã à uma para me

pegar. Eu murmuro em concordância, pego a sacola e faço uma corrida

rápida até os degraus da entrada. Destranco a porta, então entro e a fecho

atrás de mim.

— Que carro era aquele que você saiu? — Tristan surge

repentinamente em minha frente, dando-me um pequeno susto.

Rolo os olhos.

Ele me segue até a cozinha e percebo que está me sondando.

— Vocês já jantaram? — pergunto.

— Não. Papai está se queixando do tornozelo hoje. Mais que o

habitual. Deve ser o frio. — Dá de ombros. Tristan senta na cadeira de

madeira da mesa de apenas dois assentos. — Se não contar de quem era o

carro, vou te dedurar.

Suspiro.

— Era de um amigo — respondo, sem paciência. — Você não tem

que fazer lição de casa ou sei lá?

— Já fiz.

— Então pratique desenho e me deixa fazer o jantar em paz —

resmungo, e então coloco água numa panela para começar a preparar o

espaguete e esquento uma bolsa térmica para meu pai colocar em sua perna

machucada.

— Gina — o garoto diz com o tom de voz tenso, o que me faz

encará-lo. — O papai vai se recuperar, não vai? — indaga, quase num

sussurro.

A pergunta me pega desprevenida e sinto um aperto em meu coração.

Tristan é muito mais dependente do meu pai do que eu, ainda mais depois

da morte de nossa mãe, há cinco anos. Ele foi o que mais sofreu com a

perda, embora eu não pudesse equiparar as dores, todos nós havíamos

sentido o luto nos ossos.

Eu e meu pai tivemos que segurar as pontas para que meu irmão não

desabasse mais. O colégio de artes havia sido um grande incentivo para que

ele não continuasse depressivo. Era por isso que todo sacrifício valeria para

mantê-lo lá. A arte tinha o tirado de um poço profundo que uma criança não

deveria ter estado.

E eu faria de tudo para me certificar de que ele não voltaria para este

lugar sombrio. Lembro que Tris não comia, nem interagia com ninguém.

Foi difícil resgatá-lo do luto.

Minha irritação se desfaz e me sinto uma idiota por perder a

paciência com ele. Meu irmão é apenas uma criança, por mais que seja mais

alto que eu. Às vezes, me esqueço disso.

— Vai — falo, embora eu não acredite nisso completamente.

Tris assente, confiando em mim. Ele se levanta e sai do cômodo.

Suspiro e permito que meus ombros despenquem por alguns momentos.

Enquanto o espaguete cozinha, levo a bolsa térmica quente para meu pai.

O quarto dele fica no andar debaixo. Antes, era Tristan que dormia

aqui, mas, com o tornozelo ruim de nosso pai, era impossível que se

locomovesse entre os andares o tempo todo. Então, agora Tristan dormia

no quarto do andar de cima.

Bato na porta.

— Entre. — Ouço a voz abafada do outro lado.

Eu o faço. Ele está deitado na cama, assistindo tevê. Coloco a bolsa

de água em seu tornozelo.

— Tris me disse que está sentindo dores — murmuro, tomando

cuidado com sua perna enquanto posiciono a compressa quente nela.

— Obrigado, Ginny. Isso ajuda.

Meu pai é a única pessoa que me chama de Ginny. Minha mãe me

chamava assim também, mas ela havia morrido.

Saio do quarto e fecho a porta com cuidado, indo em direção a

cozinha para lavar o resto da louça. Quando chego no cômodo, não deixo de

sentir o peso de todas as responsabilidades em minhas costas. Mas então

lembro que agora sou tudo o que eles têm e preciso ser forte.

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Comments

Janayara Dede

Janayara Dede

Isso garota! Força 💪💪💪💪💪

2024-03-15

1

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