Família

Ponto de vista de Ágata

Chego no consultório de Jaqueline preparada pra contar tudo. Ela me recebe com um sorriso no rosto e eu me acomodo no divã sentada mesmo.

- Estava quase te ligando pra saber porquê do sumiço.

Abro um sorriso pra ela.

- Leon.

Ela presta bastante atenção em mim agora.

- Vocês dois estão juntos?

Cruzo minhas pernas enquanto faço um gesto de mais ou menos com a cabeça.

- Não é bem juntos, não temos um rótulo definido... Hãn, temos dormido juntos e gostando da companhia um do outro.

Ela anota alguma coisa no tablet e faz a pergunta clichê dos psicólogos.

- E como se sente sobre isso?

Dou de ombros.

- *Bem, me sinto bem. É gostoso estar com ele, não falo só pelo s*xo que obviamente é muito bom, mas porque mesmo antes disso Leon me fez sentir bem de verdade. Ele parece meio que me venerar, me dá atenção de verdade. É algo que eu nem me lembrava mais como é*...

Paro de falar me dando conta de algo que não havia me dado até então.

- Está pensando em quê?

- Eu nunca passei pelas experiências de relações que acabam rápido, me veio na mente agora que meu envolvimento com Leon pode acabar um dia, como é natural acabando pra muita gente por aí, a questão é que não sei como vou lidar com isso tendo em vista que não lidei bem com o final do meu casamento.

A lembrança de me ver agarrada com uma garrafa de bebida e cinco comprimidos diferentes me vem à cabeça. Aquilo foi desesperador, se não fosse por Deus usando Cris eu estaria morta agora.

Jaqueline usa um tom de voz amável pra falar comigo.

- A vida é feita de ciclos, Ágata, uns duram mais e outros menos... Hãn... você já ouviu falar da estátua de Poseidon dentro do mar na praia de Las Palmas?

Digo a ela que sim.

- Pois então, em dias de mar revolto, quando as águas estão turvas e agitadas, a figura de Poseidon continua imponente. As ondas vem e vão, mas ele continua lá, dando a entender que a estatua é completamente ciente do poder de quem representa. Você aqui dentro desse consultório vem pra buscar esse poder também. Não podemos impedir os ciclos de passarem, mas podemos e vamos te preparar pra quando isso acontecer. Você se envolveu sendo quase uma criança ainda com Pierre, não tinha maturidade alguma, e não desenvolveu essa maturidade ao longo da vida também, por isso ficou sem chão quando foi abandonada por ele. O meu papel aqui é te ensinar a ser forte diante dos acontecimentos, com as questões que surgirem pelo caminho e com as que você criar também.

É, ela tem razão. Sou uma mulher adulta já, não posso passar a vida sentindo medos adolescentes. Milhões e milhões de pessoas passam por términos e não morrem, eu posso aprender também.

- Algo mais que queira pontuar?

Digo que sim.

- Leon parece ser muito intenso, isso é bom pra mim, também pensando que vim de algo muito frio, mas eu tenho medo de não conseguir aproveitar tudo. Me privei tanto por tantos anos, agora quero tudo, mas não sei se estou preparada pra tudo. Entende que é algo que me pesa? É comigo. Eu acho ele perfeito, óbvio que eu sei que ninguém é, mas falando por alto, por exemplo, o jeito como ele prioriza os filhos, dá uma idéia do ótimo caráter que ele tem. Não titubeou nem um minuto em dizer que não me veria no fim de semana porque os filhos voltaram pra casa, isso mostra bem quem ele é. Ele pagou a minha divida milionária, e apenas quer que eu aceite todos os convites dele pra sair em troca dessa enorme gentileza.

Coço a minha cabeça.

- Meu medo é não saber retribuir e botar tudo a perder, o nosso envolvimento acabar rápido por culpa minha.

Estou parecendo uma boba falando assim? Pois eu acho que sou.

- Tudo bem sentir medo, só não pode deixar ele te paralisar. Leon sabe sua história, continuou interessado mesmo depois de descobrir a mulher totalmente diferente por trás da máscara de Fênix, ele não é bobo. Se lembra sobre o que eu disse a respeito de relacionamentos maduros? Pois então, Leon tem bagagem emocional e convivência o suficiente com uma mulher pra saber que você tem feridas ainda abertas e que em algum momento ou outro vai tropeçar em uma dessas feridas.

*********

A festa de aniversário que Leon me convidou é um brunch de domingo. Imagino que deve ser de alguém importante, tendo em vista o ciclo de amizades dele.

Escolhi uma blusa branca de tecido leve, sem mangas e uma calça envelope bege. Coloquei um chapéu elegante por cima da minha trança escama de peixe e óculos escuros marrons e redondos.

Ele usa uma roupa clara, camisa azul clarinha e uma calça caqui com tênis branco. Leon é bem básico fora do escritório.

Comprei um presente aproveitando que não tenho mais que economizar até o último centavo. Brincos de pérola de água doce em formato de gota, a aniversariante é uma mulher de sessenta e quatro anos e a julgar pelo jardim incrível, e pela casa clássica, eu acertei no presente.

Leon trouxe uma sacola com o logo da Prada.

O lugar está repleto de pessoas elegantes e garçons passam servindo um coquetel de pêssego que está maravilhoso.

- Vem comigo.

Acompanho Leon e ele me guia com a mão nas costas.

Paramos próximo a uma roda com pessoas de várias idades, e ele diz contido:

- Oi, feliz aniversário...

As pessoas olham surpresas, e uma mulher com um macacão claro se vira pra olhar. Ela tem o cabelo castanho escuro, preso em um coque com trança baixo e bem alinhado, olhos azuis claros, mas tão claros que chegam a ser enervantes. Abre um sorriso enorme vendo Leon e eu sei que é uma mulher madura, mas muito vem conservada.

- Oi, meu filho!

Quase tenho um ataque cardíaco ouvindo isso. Tem um mês que a gente se envolve mesmo, pra valer, e ele me trouxe pra conhecer a mãe no aniversário dela?!

Isso aqui sem mencionar que ele me chamou quando a gente tr*nsou pela primeira vez.

Ela abraça Leon com vontade, parece que não vê o filho há um tempo.

- Que bom que você veio!

Ele parece sem jeito perto dela quando a mãe o solta, Leon estende a sacola.

- Comprei pra você.

A mulher pega e nega com a cabeça.

- Agradeço, mas meu maior presente é você aqui. E essa, quem é?

Tiro meus óculos morrendo de vergonha e ele me apresenta.

- Mãe, essa é Ágata Bouvier. Ágata, essa é a minha mãe, Leonora Dubois.

Estendo a minha mão e ela pega, me dá dois beijinhos depois.

- Prazer em conhece-la, querida. Seja bem vinda a minha casa, quero que fique a vontade.

Entrego a ela a sacola com meu presente e agradeço pela hospitalidade.

Assim que nos afastamos eu olho pra Leon.

- Por que não me disse que era o aniversário da sua mãe?

- Tive medo que você não aceitasse por achar ser exagerado.

Não tenho tempo de responder, somos interrompidos por um homem grisalho e sorridente.

- Que bom te ver, Leon!

Meu acompanhante cumprimenta o homem com um sorriso e depois me apresenta.

- Esse é Alexander Dubois, é o marido da minha mãe.

Estendo a mão pra ele também.

- Prazer em conhecê-lo, senhor Dubois. Sou Ágata Bouvier.

Ele pisca pra mim.

- Só Alexander.

O homem atlético ainda apesar da idade se vira pra Leon.

- Já viu seus irmãos?

Ele encolhe os ombros.

- Alexia está aqui?

- Chegou de viagem ontem pro aniversário da mãe.

Não demora e uma mulher de cabelos castanhos na altura dos ombros aparece, ela tem os olhos azuis claros também, no mesmo tom dos de Leonora. Usa um macaquinho rosa chá de musseline.

- Oi, Leon!

Ele sorri pra ela.

- Oi, Alexia.

Ah, é a irmã dele. Parece ser mais jovem do que eu e descubro que é, ela tem vinte e nove anos. É a caçula pelo que Leon me diz e bem parecida com o pai a não ser pelos olhos. Simpática comigo e eu acho ela muito bonita.

Quando Leon se afasta com o padrasto ela fica comigo.

- Leon com uma loira, quem diria!

Hum, o quê que eu vou dizer aqui?

- Talvez ele quis variar um pouquinho.

Dou uma risada sem graça, até que somos interrompidas por um homem que lembra bastante Leonora. Tem a mesma boca, sorriso e cor de olhos.

- Amiga nova?

Alexia sorri.

- Pode se dizer que sim, ela veio com Leon.

Ele vira a atenção pra mim.

- Olha, loira...

Mas que inferno...

O homem alto sorri na minha direção agora, estende a mão pra mim.

- Olivier Dubois. Sou irmão de Leon.

Me apresento a ele e fico sabendo que é dez anos mais novo que Leon. Um homem bem bonito, com um charme presente, mas não se compara com Duran. Acho que a experiência conta muito, quem sabe quando Olivier tiver quarenta e dois esteja no mesmo nível.

Olivier fica o tempo todo por perto, interage bastante e eu o acho bem simpático também .

- Sobre o quê estão falando?

Leon se aproxima e me envolve pela cintura parando do meu lado.

A irmã o responde:

- Sobre vinhos e como eu detesto vinho seco.

Posso notar que Olivier presta bastante atenção em mim junto com o irmão, e posso jurar que existe uma certa animosidade da parte dele em relação à Leon, que parece não notar, ou se nota não liga.

Depois de um tempo somos interrompidos por uma mulher estridente que para bem ao lado de Leon. Ela tem um cabelo comprido, preto e de franjinha. Lembra muito o estilo da falecida mulher de Duran, descubro que é Michele, uma prima de segundo grau de Leon.

- Nem acredito que você veio. Vem, meus pais vão adorar te ver!

Ela tenta arrastar meu acompanhante com ela, mas ele não vai.

- Eu já vi os dois, não quero ver de novo.

A situação é constrangedora.

- Nossa, só pensei que ainda não tinha ido lá.

Ela fixa a atenção em mim.

- Quem é essa?

Ele abre um sorriso pra mim e depois olha pra ela.

- Essa é Ágata, uma pessoa especial pra mim.

Ouvir essa apresentação não deixa Michele nem um pouco contente.

- Prazer, Ágata. Sou Michele Petit, prima de Leon.

Sou cordial com ela do melhor jeito que posso e mais sincero, mas ela está se esforçando pelo que posso notar. Quando Leon se cansa de ficar perto dos parentes ele circula comigo e anda até um lugar um pouco afastado.

- Por que será que eu sinto que essa festa está exigindo muito de você?

Ele olha pro chão e depois pra mim.

- Porque está.

Faço um carinho no rosto dele.

- Quer me contar algumas coisas, desabafar, não sei?

Ele pega minha mão e dá um beijo.

- Quando eu te deixar em casa, aqui não é lugar pra isso.

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