Antes de chegar em casa, Hellen sentiu aquele incômodo familiar — um arrepio na nuca, como se algo invisível a tocasse. Seus passos desaceleraram. Olhou discretamente ao redor, tentando identificar a origem da sensação. Nada.
“Vou me misturar à multidão... preciso despistar. Não posso ser descoberta.”
Tentou afastar o pensamento, racionalizar.
“Que estranho... eu realmente senti que alguém me observava. Deve ser coisa da minha cabeça. Preciso chegar em casa logo.”
Ao atravessar o portão de casa, foi recebida pela voz preocupada da tia, que a esperava na sala.
— Querida, onde você estava? Fiquei preocupada. Nem me avisou para onde ia!
— Desculpa, tia. Eu estava... ajudando uma pessoa. Por isso demorei.
Sem prolongar o assunto, Hellen subiu direto para o quarto.
“Preciso de um banho... Hoje foi um dia estressante. Ainda não consegui um emprego, e semana que vem tem outra entrevista. Que saco! Não vejo sentido nenhum em implorar para alguém me contratar.”
O fim de semana passou rápido. Na segunda-feira, Hellen se arrumou cedo, escolhendo uma roupa sóbria e tentando manter os cabelos controlados — como se pudesse disfarçar o turbilhão interno com aparência de calma.
No caminho para a entrevista, começou a chover. Ela resmungou, puxando a jaqueta para cobrir a cabeça.
— Que droga... Vou ficar encharcada. Começar a chover agora? Só pode ser piada.
Ao chegar à empresa, foi recebida por uma recepcionista sorridente.
— Seja bem-vinda! A chefe está no andar de cima. É só pegar o elevador.
Hellen agradeceu com um leve aceno e seguiu. Quando entrou na sala, cumprimentou a chefe com um sorriso contido e um aperto de mão firme, tentando demonstrar confiança.
— Sente-se — disse a mulher. — Qual o seu interesse em trabalhar aqui? Pelo que vi no seu currículo, você foi demitida três vezes só este ano.
Hellen ajeitou a postura. A pergunta doía, mas ela decidiu encarar de frente.
— Senhora, é verdade que passei por momentos difíceis. Mas aprendi muito com cada experiência. Estou determinada a mostrar meu comprometimento, minha dedicação e as habilidades que adquiri.
Ela respirou fundo.
— Para ser franca, eu não me comportei como uma profissional adequada antes. Mas agora quero aprender, assumir minhas responsabilidades e evoluir. Tenho experiências que podem ser úteis para sua empresa.
A chefe a observou por alguns segundos silenciosos.
— Eu posso acreditar em você. Darei uma resposta dentro de dois dias.
Hellen agradeceu, e ao sair da sala, pela primeira vez em muito tempo, sentiu um fio de esperança acender dentro do peito.
Mas a sensação durou pouco.
Ao virar a esquina de casa, viu o carro da polícia estacionado em frente ao portão. O estômago se revirou.
— O quê...? O que está acontecendo...? Melhor não entrar agora...
Recuou, rápida, e se virou para correr — mas um dos policiais notou. Começou a segui-la.
Ela acelerou, o coração disparado, desviando de pessoas e obstáculos pelas ruas molhadas.
— Vou ter que me esconder... — murmurou, ofegante. — Que nojo... mas não tenho opção.
Jogou-se atrás de uma lixeira num beco estreito. Tapou o nariz com a manga do casaco. O cheiro era insuportável, mas o silêncio salvava. Esperou ali até os passos sumirem.
Quando julgou seguro, saiu com cuidado. Mal deu dois passos e uma mão firme a agarrou pelo braço.
— Me solta! — gritou, virando-se para reagir — mas parou ao ver o rosto do homem.
— Por aqui — disse ele, guiando-a com urgência. — Este lugar está abandonado. Você pode se esconder ali.
— Espera... é você! O cara que me carregou naquele dia! Por que está me segurando assim?
— Desculpa — respondeu ele, soltando-a. O olhar era sereno, mas alerta.
Ela hesitou, desconfiada, mas o seguiu para dentro do prédio velho.
— Não vou te machucar — disse ele. — Eu sei que você sabe se defender. Eu vi quando bateu naqueles caras.
— Então... você estava me seguindo?
— Não. Só passei por ali. Eles estavam te agredindo.
Hellen cruzou os braços, sem disfarçar o ceticismo.
— Suspeito. Vou ficar de olho em você. Agora me diga: o que está fazendo aqui?
Antes que ele respondesse, ele sussurrou:
— Silêncio. Alguém está vindo.
Ambos se calaram e subiram com cuidado por uma escada lateral. Logo, um casal entrou no prédio, rindo e trocando carícias.
— Sério isso? — murmurou Hellen, revirando os olhos.
Um feixe de luz atravessou a janela quebrada e iluminou o rosto do desconhecido. Ela o observou por um momento mais longo do que gostaria. Havia algo no olhar dele… força contida e algo quebrado. Beleza, sim. Mas também dor.
Desviou o olhar, desconcertada.
“Estranho... nem o conheço.”
— Desculpa por isso — murmurou ele.
Ambos ficaram em silêncio por alguns segundos. Hellen quebrou o clima:
— Desculpa pelo susto.
— Tudo bem. Mas... a polícia está atrás de você? Por quê?
Ela o encarou, firme. Depois de um instante de hesitação:
— Isso não importa agora. Temos que sair daqui.
— Não podemos sair assim. Você precisa de um disfarce — disse ele, tirando o chapéu e o moletom. — Vista isso. Se quiser segurança… venha comigo.
Hellen segurou o moletom por alguns segundos, sem vesti-lo. Seus olhos ainda avaliavam o desconhecido à sua frente. Cada detalhe — o jeito como ele mantinha a voz baixa, os olhos atentos aos sons do ambiente, a postura firme, mas não ameaçadora.
“Por que ele me ajudaria? Por que estaria ali... justo naquele momento?”
Ela inspirou fundo. Estava cansada de fugir sozinha.
— Tá bom — disse, finalmente. — Mas só por agora.
Vestiu o moletom e puxou o capuz sobre os cabelos. Ele a observava em silêncio, como se respeitasse o tempo dela.
— Você não me disse seu nome — comentou ela, ainda cautelosa.
— Luke — respondeu, direto. — E você?
— Hellen.
— Eu sei.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Claro que sabe. Estava me espionando.
Ele sorriu, pela primeira vez. Foi breve, mas real. Um tipo de sorriso que não servia como charme, mas como alívio — como quem se permite abaixar a guarda por um segundo.
— Estava protegendo — corrigiu ele. — Alguém precisava fazer isso.
Hellen cruzou os braços, cética.
— Você sempre salva garotas em beco sem saída?
— Só quando parecem perigosas.
Ela riu, de leve, e pela primeira vez sentiu o peso do dia diminuir. Mesmo assim, os olhos dela voltaram ao alerta.
— Luke… se vai me ajudar, preciso saber no que estou me metendo. Quem eram aqueles homens? E por que a polícia está na minha porta?
Ele hesitou. Caminhou até a janela quebrada e olhou para a rua, avaliando o movimento.
— Não é seguro aqui. Mas eu prometo... vou te contar tudo o que sei. Só preciso que confie em mim por um pouco mais de tempo.
— Confiança não é meu forte — murmurou ela.
— Também não era o meu — disse Luke, sem virar o rosto. — Até conhecer alguém que me salvou... e desapareceu antes que eu pudesse agradecer.
Hellen o olhou, surpresa. Ele ainda encarava a rua, mas ela percebia: havia mais naquela história.
— Foi você? — ela perguntou, de repente. — A mulher que eu ajudei… era ela importante pra você?
Luke assentiu, sem dizer nada.
O silêncio entre os dois ficou mais denso. Não era vazio — era um pacto silencioso, nascido da dor e da sobrevivência.
Hellen respirou fundo.
— Tá. Eu vou com você. Mas se mentir pra mim… eu acabo com você.
Luke olhou para ela. O sorriso voltou, agora com algo entre respeito e admiração.
— Combinado.
E então, lado a lado, eles deixaram o prédio abandonado. Hellen não sabia para onde estavam indo. Mas pela primeira vez em dias, sentia que não estava sozinha.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 57
Comments
Vanessa Brunner Milantonio Silva
cadê as fotos
2025-06-15
0
minan zuhri
Ei, autora, cadê a próxima parte? Atualiza logo! 🙄
2023-10-13
1