Capítulo 3

Antes de chegar em casa, Hellen sentiu aquele incômodo familiar — um arrepio na nuca, como se algo invisível a tocasse. Seus passos desaceleraram. Olhou discretamente ao redor, tentando identificar a origem da sensação. Nada.

“Vou me misturar à multidão... preciso despistar. Não posso ser descoberta.”

Tentou afastar o pensamento, racionalizar.

“Que estranho... eu realmente senti que alguém me observava. Deve ser coisa da minha cabeça. Preciso chegar em casa logo.”

Ao atravessar o portão de casa, foi recebida pela voz preocupada da tia, que a esperava na sala.

— Querida, onde você estava? Fiquei preocupada. Nem me avisou para onde ia!

— Desculpa, tia. Eu estava... ajudando uma pessoa. Por isso demorei.

Sem prolongar o assunto, Hellen subiu direto para o quarto.

“Preciso de um banho... Hoje foi um dia estressante. Ainda não consegui um emprego, e semana que vem tem outra entrevista. Que saco! Não vejo sentido nenhum em implorar para alguém me contratar.”

 

O fim de semana passou rápido. Na segunda-feira, Hellen se arrumou cedo, escolhendo uma roupa sóbria e tentando manter os cabelos controlados — como se pudesse disfarçar o turbilhão interno com aparência de calma.

No caminho para a entrevista, começou a chover. Ela resmungou, puxando a jaqueta para cobrir a cabeça.

— Que droga... Vou ficar encharcada. Começar a chover agora? Só pode ser piada.

Ao chegar à empresa, foi recebida por uma recepcionista sorridente.

— Seja bem-vinda! A chefe está no andar de cima. É só pegar o elevador.

Hellen agradeceu com um leve aceno e seguiu. Quando entrou na sala, cumprimentou a chefe com um sorriso contido e um aperto de mão firme, tentando demonstrar confiança.

— Sente-se — disse a mulher. — Qual o seu interesse em trabalhar aqui? Pelo que vi no seu currículo, você foi demitida três vezes só este ano.

Hellen ajeitou a postura. A pergunta doía, mas ela decidiu encarar de frente.

— Senhora, é verdade que passei por momentos difíceis. Mas aprendi muito com cada experiência. Estou determinada a mostrar meu comprometimento, minha dedicação e as habilidades que adquiri.

Ela respirou fundo.

— Para ser franca, eu não me comportei como uma profissional adequada antes. Mas agora quero aprender, assumir minhas responsabilidades e evoluir. Tenho experiências que podem ser úteis para sua empresa.

A chefe a observou por alguns segundos silenciosos.

— Eu posso acreditar em você. Darei uma resposta dentro de dois dias.

Hellen agradeceu, e ao sair da sala, pela primeira vez em muito tempo, sentiu um fio de esperança acender dentro do peito.

 

Mas a sensação durou pouco.

Ao virar a esquina de casa, viu o carro da polícia estacionado em frente ao portão. O estômago se revirou.

— O quê...? O que está acontecendo...? Melhor não entrar agora...

Recuou, rápida, e se virou para correr — mas um dos policiais notou. Começou a segui-la.

Ela acelerou, o coração disparado, desviando de pessoas e obstáculos pelas ruas molhadas.

— Vou ter que me esconder... — murmurou, ofegante. — Que nojo... mas não tenho opção.

Jogou-se atrás de uma lixeira num beco estreito. Tapou o nariz com a manga do casaco. O cheiro era insuportável, mas o silêncio salvava. Esperou ali até os passos sumirem.

Quando julgou seguro, saiu com cuidado. Mal deu dois passos e uma mão firme a agarrou pelo braço.

— Me solta! — gritou, virando-se para reagir — mas parou ao ver o rosto do homem.

— Por aqui — disse ele, guiando-a com urgência. — Este lugar está abandonado. Você pode se esconder ali.

— Espera... é você! O cara que me carregou naquele dia! Por que está me segurando assim?

— Desculpa — respondeu ele, soltando-a. O olhar era sereno, mas alerta.

Ela hesitou, desconfiada, mas o seguiu para dentro do prédio velho.

— Não vou te machucar — disse ele. — Eu sei que você sabe se defender. Eu vi quando bateu naqueles caras.

— Então... você estava me seguindo?

— Não. Só passei por ali. Eles estavam te agredindo.

Hellen cruzou os braços, sem disfarçar o ceticismo.

— Suspeito. Vou ficar de olho em você. Agora me diga: o que está fazendo aqui?

Antes que ele respondesse, ele sussurrou:

— Silêncio. Alguém está vindo.

Ambos se calaram e subiram com cuidado por uma escada lateral. Logo, um casal entrou no prédio, rindo e trocando carícias.

— Sério isso? — murmurou Hellen, revirando os olhos.

Um feixe de luz atravessou a janela quebrada e iluminou o rosto do desconhecido. Ela o observou por um momento mais longo do que gostaria. Havia algo no olhar dele… força contida e algo quebrado. Beleza, sim. Mas também dor.

Desviou o olhar, desconcertada.

“Estranho... nem o conheço.”

— Desculpa por isso — murmurou ele.

Ambos ficaram em silêncio por alguns segundos. Hellen quebrou o clima:

— Desculpa pelo susto.

— Tudo bem. Mas... a polícia está atrás de você? Por quê?

Ela o encarou, firme. Depois de um instante de hesitação:

— Isso não importa agora. Temos que sair daqui.

— Não podemos sair assim. Você precisa de um disfarce — disse ele, tirando o chapéu e o moletom. — Vista isso. Se quiser segurança… venha comigo.

Hellen segurou o moletom por alguns segundos, sem vesti-lo. Seus olhos ainda avaliavam o desconhecido à sua frente. Cada detalhe — o jeito como ele mantinha a voz baixa, os olhos atentos aos sons do ambiente, a postura firme, mas não ameaçadora.

“Por que ele me ajudaria? Por que estaria ali... justo naquele momento?”

Ela inspirou fundo. Estava cansada de fugir sozinha.

— Tá bom — disse, finalmente. — Mas só por agora.

Vestiu o moletom e puxou o capuz sobre os cabelos. Ele a observava em silêncio, como se respeitasse o tempo dela.

— Você não me disse seu nome — comentou ela, ainda cautelosa.

— Luke — respondeu, direto. — E você?

— Hellen.

— Eu sei.

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Claro que sabe. Estava me espionando.

Ele sorriu, pela primeira vez. Foi breve, mas real. Um tipo de sorriso que não servia como charme, mas como alívio — como quem se permite abaixar a guarda por um segundo.

— Estava protegendo — corrigiu ele. — Alguém precisava fazer isso.

Hellen cruzou os braços, cética.

— Você sempre salva garotas em beco sem saída?

— Só quando parecem perigosas.

Ela riu, de leve, e pela primeira vez sentiu o peso do dia diminuir. Mesmo assim, os olhos dela voltaram ao alerta.

— Luke… se vai me ajudar, preciso saber no que estou me metendo. Quem eram aqueles homens? E por que a polícia está na minha porta?

Ele hesitou. Caminhou até a janela quebrada e olhou para a rua, avaliando o movimento.

— Não é seguro aqui. Mas eu prometo... vou te contar tudo o que sei. Só preciso que confie em mim por um pouco mais de tempo.

— Confiança não é meu forte — murmurou ela.

— Também não era o meu — disse Luke, sem virar o rosto. — Até conhecer alguém que me salvou... e desapareceu antes que eu pudesse agradecer.

Hellen o olhou, surpresa. Ele ainda encarava a rua, mas ela percebia: havia mais naquela história.

— Foi você? — ela perguntou, de repente. — A mulher que eu ajudei… era ela importante pra você?

Luke assentiu, sem dizer nada.

O silêncio entre os dois ficou mais denso. Não era vazio — era um pacto silencioso, nascido da dor e da sobrevivência.

Hellen respirou fundo.

— Tá. Eu vou com você. Mas se mentir pra mim… eu acabo com você.

Luke olhou para ela. O sorriso voltou, agora com algo entre respeito e admiração.

— Combinado.

E então, lado a lado, eles deixaram o prédio abandonado. Hellen não sabia para onde estavam indo. Mas pela primeira vez em dias, sentia que não estava sozinha.

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Comments

Vanessa Brunner Milantonio Silva

Vanessa Brunner Milantonio Silva

cadê as fotos

2025-06-15

0

minan zuhri

minan zuhri

Ei, autora, cadê a próxima parte? Atualiza logo! 🙄

2023-10-13

1

Ver todos

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