Você não fica com medo? – me pergunta Max, brincando com o meu cabelo.
Pisco os olhos pesadamente, não prestando muita atenção no que Max disse, aproveitando sua mão no meu cabelo. É incrivelmente relaxante essa sensação. E depois de termos feito sexo por uma hora, fico meio cansada para fazer qualquer coisa, inclusive pensar.
- Ficar com medo de quê? – pergunto de volta com uma voz preguiçosa, ajeitando a cabeça no meu travesseiro.
Max se mexe ao meu lado na minha cama de solteiro pequena-demais-para-duas-pessoas. Estamos colados um no outro. Por um lado, trocando calor corporal com nossos corpos nus. E por outro, porque não tem como não ficar mais separados sem que um de nós dois caia da cama.
- De ficar sozinha nessa casa – ele explica, sem parar de mexer no meu cabelo – Essa casa é um pouco grande e assustadora, com as luzes apagadas.
Dou de ombros, sem abrir os olhos.
- Já estou acostumada – solto um bocejo, minhas pálpebras ficando pesadas.
Minha casa é mesmo assustadora a noite. Só que já fico em casa sozinha praticamente todas as noites desde que vim morar com o meu pai. Então nem penso mais nisso.
- Mas, você não tem medo de um ladrão invadir aqui? – insiste Max, bem mais desperto do que eu.
Nosso bairro é muito tranquilo, nunca houve nenhum caso de roubo, invasão a domicílio ou morte por aqui. Por isso sempre me senti segura.
- O portão daqui de casa não é fácil de arrombar. E o muro de trás é alto e tem grampos. Para alguém tentar invadir, teria que vir pelo terraço. E para isso teria que usar uma escada, que chamaria muita atenção – respondo, certa de que soei como uma certinha irritante.
Max apenas ri baixinho e me dá um beijo doce na boca. Passo o braço em volta do seu tronco, me aconchegando mais nele. Muito relaxante.
- Você é muito corajosa – ele fala, com um tom de admiração.
Sorrio levemente, sentindo meus músculos relaxem e meu cérebro desacelerar, caindo suavemente no sono.
***
Segunda-feira, na escola, estou mais vigilante do que nunca. Não se compara em como eu estava na semana passada. Dessa vez, estou muito mais amedrontada. Nem consegui sair de casa sozinha para vir para a escola. Implorei para meu pai - cansado de ter acabado de chegar do trabalho - para me acompanhar até a aqui. Disse que estava com medo porque ouvi no jornal que um ladrão estava rondando o caminho da escola e já tinha atacado três estudantes. Ele ficou chocado, e mesmo não tendo ouvido nada sobre isso, me trouxe para a escola sem fazer mais perguntas.
Chegando na escola, disparei para dentro da sala, sendo a primeira a entrar. Fiquei tranquila, segura na minha sala, onde nenhuma daquelas meninas poderiam me atacar, sem nem me atrever a ir ao banheiro, onde estaria sozinha e seria um ótimo lugar para uma emboscada.
E aí, veio o intervalo. E por mais que eu quisesse ficar na sala, não pude, porque as inspetoras fazem questão de trancar todas as salas nesse horário, justamente para ninguém ficar lá.
Tudo bem. São só vinte minutos até o sinal tocar. E, eu posso estar sozinha e vulnerável, mas... não quer dizer que elas vão me atacar. Elas não fariam isso na frente de tantas testemunhas. Não é?
Espero na fila para comprar meu lanche, a todo instante olhando para trás e para os lados. Qualquer vislumbre de cabelos loiros ou vermelhos, ou um vulto enorme perto de mim, me faz gelar. Uma olhada mais atenta, e eu consto que não é nenhuma delas. Volto a respirar. Continuo inquieta.
Pego meu hambúrguer e meu refrigerante e saio da fila. Procuro um lugar para sentar e, ao invés disso, encontro o grupo que eu não queria encontrar. Reunidas perto dos degraus que levam para o refeitório, todas intimidadores e ferozes. Elas olham para mim e sorriem. Não sorrisos amigáveis. Sorrisos cruéis e doentios, de quem sabe que me bota medo e gosta disso.
Torço o nariz e finjo não estar nem aí. Viro para o lado contrário ao delas e saio da área coberta do pátio, em um andar mais normal possível. Ouço umas risadas atrás de mim seguido de uma vozes provocativas:
- Viuvinha! Aonde você está indo? Está fugindo de nós?
Viro a cabeça para trás só um pouquinho, confirmando que, sim, elas estão me seguindo. Em um passo lento e confiante. Elas não precisam correr, eu não tenho para onde fugir.
Continuo a andar, sem aumentar a minha passada. Se eu correr, elas vão correr atrás de mim. É mais seguro manter o ritmo e caminhar. O problema é... para onde exatamente eu vou ir? Qualquer lugar que eu parar, elas vão vir para cima.
Contorno a parede do lado de fora do banheiro, pensando se deveria ir para a quadra de futebol e me misturar com o grupo de jogadores, ou tentar pular o muro da escola que não é baixo o suficiente, e me arrebentar toda.
Elas continuam me provocando, rindo e me chamando de viuvinha. A qualquer comento elas vão chegar perto o bastante de mim. Sem ter tempo de pensar, pendo para o lado da quadra e ouço o som de um violão por sobre toda a cacofonia típica do intervalo.
Meu corpo inteiro se alegra com a visão de Eric, sentado no mesmo lugar de sempre, perto da cerca. Não falo com ele desde sexta, e não posso dizer que somos amigos. Enfim, ele já me salvou tantas vezes, pode me salvar mais uma.
Ando a passos largos em sua direção e paro bem na frente dele. Ele ergue a cabeça, me notando pela primeira vez.
Eric para de tocar seu violão marrom e me encara, confuso.
- Oi?
Permaneço de pé, em saber muito bem qual vai ser meu próximo passo. Uma checada rápida para trás, e as vejo contornando a esquina e se aproximando daqui.
Mais que depressa, me sento ao lado do Eric, como se fôssemos amigos e fizéssemos isso sempre.
- Eu estava te procurando – minto, ajeitando a minha saia para que não mostre a minha calcinha e dobrando as pernas de lado.
Eric me encara com um ar duvidoso.
- É mesmo? – ele apoia os cotovelos no violão.
Dou uma olhada de relance para o lado, e percebo um certo grupo de garotas parada ao longe. Elas ainda estão aqui. Decidindo, talvez, se devem ou não chegar mais perto.
Me achego mais ao Eric, pondo uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Quem sabe, se elas pensarem que nós somos namorados, elas me deixem em paz?
- Eu queria te agradecer novamente por ter me ajudado na sexta – Dou um sorrisinho de flerte, tocando no braço dele. Deslizo meus dedos pelo seu antebraço suavemente. Minha pele se arrepia com esse gesto. Por essa eu não esperava.
Eric e eu nos olhamos nos olhos, e subitamente o ar parece ter sumido. Ele aproxima o rosto do meu e, por um segundo, me pego pensando que se ele quiser me beijar, eu vou deixar.
Ele chega muito perto do meu rosto, e sussurra:
- Você queria me agradecer ou fugir daquelas garotas? – ele aponta com o queixo para a direção aonde o bando da Eliza está.
Me encho de vergonha, por ter sido pega numa mentira, e por meus pensamentos sórdidos. Deixar o Eric me beijar?! Qual o meu problema?!
- Elas estão atrás de mim de novo – confesso, sem me atrever a olhar para elas – só finja que somos amigos, assim elas vão desistir e ir embora.
Eric olha para elas.
- Elas não parecem querer ir embora tão cedo.
- Merda! – digo baixinho – não sei o que eu faço.
Eric volta a olhar para mim.
- Acho que eu tenho uma ideia – ele coloca o violão de lado – elas poderiam desistir, se a gente se beijasse.
Fico paralisada por um instante, em dúvida se devo ou não aceitar essa proposta.
- Eu não vou te beijar! – cuspo, de cara amarrada. Como se não tivesse pensado nisso um segundo atrás. Mas aquilo foi coisa de momento, que já passou.
- Você não precisa me beijar de verdade – ele fala de forma impaciente - se você ficar de frente para mim, seu cabelo vai tampar meu rosto e vai parecer que você está me beijando.
Aperto o hambúrguer e o refrigerante na minha mão, mordendo os lábios. Determino que não tenho outra opção.
Faço o que Eric disse, deixando meu lanche de lado, fico de joelhos na frente dele, de forma a bloquear a visão do seu rosto. Encosto minha testa na dele, de um jeito que suponho que quem estiver atrás de mim vai pensar que estamos nos beijando. Meu cabelo faz uma espécie de cabana para nós, e sua presença tão perto de mim é quase sufocante.
Se passam cinco, dez segundos que parecem muito longos. Não tenho para onde olhar, e qualquer lugar que meus olhos caem parece inapropriado. Eric coloca uma mão nas minhas costas, e eu me retraio ao seu toque.
- O que você está fazendo?! – sussurro exasperada. Isso tá ficando intimo demais.
- É só para disfarçar – ele sussurra de volta.
Reparo ele olhando para os meus lábios e tenho que me afastar antes que minha cabeça exploda.
- Acho que já deu – balbucio, com visão voltada para baixo. Giro o corpo para trás, e elas não estão mais lá. Sorrio.
- Elas se foram – retorno ao meu lugar ao lado do Eric – deu certo – respiro aliviada. Nem tinha percebido o quanto meu coração estava batendo rápido.
Eric pega o violão outra vez e o coloca no colo.
- Você sabe que elas não vão parar por aqui, não é? – ele torce o pescoço para mim.
Olho do Eric para o hambúrguer e o refrigerante em minhas mãos, sentindo meu estômago embrulhar.
- É, eu sei – falo baixinho.
- Você precisa fazer alguma coisa, se não essas garotas não vão parar de te perseguir nunca – ele arruma a postura ficando mais próximo de mim – eu já sofri bullying, eu sei como é.
Ergo a cabeça e estreito os olhos para Eric.
- Você sofreu bullying?
Ele balança a cabeça em aquiescência.
- Uns valentões costumavam mexer comigo porque eu era muito quieto, me xingando de várias coisas e até me batendo.
Franzo o cenho, meio cética para essa história.
- É meio difícil de acreditar que alguém teria a audácia de te bater – com aqueles músculos e aquele tamanho, eu teria medo só de pensar em levar um soco dele. Mas, talvez com os meninos seja diferente.
Eric parece ficar um pouquinho tímido.
- Bem, eu nem sempre fui assim – ele faz um gesto para o próprio corpo. Consigo ver seu abdômen definido através da camiseta da escola. Olho para o outro lado – eu dei uma esticada no último ano. Eu costumava ser bem magricela, e os outros caras se aproveitavam disso. Enfim, a questão é que eu deixei eles abusarem de mim por tempo demais. Mas um dia eu me cansei e resolvi encarar o problema. Entrei para a academia, fiquei em forma e briguei pra valer com eles. E você deveria fazer o mesmo.
Arregalo os olhos.
- Você quer que eu brigue com elas? Elas são cinco, e eu sou só uma, vou perder feio! – me arrepio só de imaginar.
- Não, isso seria covardia. Eu quero dizer, que você deveria contar para alguém que elas estão te intimidando. Para a direção da escola ou para os seus pais.
Bebo um golinho do meu refrigerante, que está com pouco gás agora. Eric tem razão, é claro. Só que não quero fazer isso hoje.
- Não podemos deixar isso para outro dia? – minha postura desaba, esgotada demais com essa história. Tudo isso por causa de uma brincadeirinha idiota.
- Tudo bem se não quiser fazer isso hoje, mas você tem que fazer alguma coisa – ele transparece seriedade.
- Eu vou fazer – garanto, ainda que não esteja muito certa. Eric está sendo tão legal comigo, e ele já me ajudou tantas vezes, que sinto que devo isso a ele.
- É o melhor. Não quero que isso se repita – ele toca de leve o arranhão no meu rosto causado pelo canivete da Eliza. Quando meu pai me perguntou sobre esse machucado, dei uma desculpa esfarrapada de ter me distraído ao cortar alho e passado a faca sem querer no rosto.
Esse gesto é um tanto estranho. E Eric percebe isso. Ele tira o dedo do meu rosto e se volta para o seu violão, parecendo constrangido.
- É... Se você quiser, eu posso te acompanhar até em casa para você não ir sozinha – ele se oferece.
- Mas você não tem que trabalhar depois da escola? – eu o questiono, ainda que já tenha aceitado sua oferta.
- Eu só entro às 13h, dá tempo de te acompanhar até em casa.
Mordo meu lábio para segurar um sorriso.
- Tudo bem, então – concordo – obrigado – sorrio para ele.
Nós trocamos olhares complacentes e, pela primeira vez, não fico incomodada pela presença do Eric.
Como meu lanche em silêncio e Eric se concentra em dedilhar as notas nas cordas do seu violão.
- Uma pena não termos nos beijado de verdade – ele comenta do nada, e não sei dizer se ele está falando sério ou não.
Reviro os olhos. Mas, bem no fundo, uma vozinha diz na minha cabeça; eu também.
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