Ampliar. Dos mais completos exemplos do processo psicológico de
sublimação de perfil humano que o Brasil pôde ver em sua história, esse de
Lampião.
Nos anos 1930 – para sair do abstrato – pulularam “lampiões” por todo
o Brasil e até mesmo no estrangeiro. O cognome arrebentando o substantivo
próprio, dilatando-o em comum e o convertendo em sinônimo perfeito de
salteador rural. Sob a manchete “O Lampião de São Paulo”, o Diário de
Pernambuco de 24 de agosto de 1935 ocupava-se de certo Aníbal Vieira,
“que acaba de escapar de cerco na fazenda Nova Granada”, esclarecendo
que o bandoleiro assim conhecido “costuma atuar no município de Olímpia,
à frente de um grupo de cangaceiros”.
O mesmo jornal, a 30 de março de 1937, abre a manchete “Morto o
Lampião capixaba”, dando conta de ter sido eliminado em Colatina, por
força volante comandada pelo tenente Maia, o “conhecido chefe de
facínoras Levindo Neto”, tombando a uma “rajada de metralhadora”.
No mês seguinte, a 13, a revista nacional A Noite Ilustrada, do Rio de
Janeiro, registrava a morte em combate de José Queiroz de Quadros, ou
José da Cunha, ou José Polaio, que se intitulava o “Lampião do Paraná,
mais feroz e mais temido de que o Capitão Virgulino, o autêntico Lampião”.
E não se tratava de aparição recente. “Há muito tempo, várias cidades do
estado do Paraná viviam alarmadas com as tropelias de quem, em suas
andanças, zombava da polícia que, por mais esforços que envidasse, não
conseguia prendê-lo”.
Em maio de 1939, a 19 do mês, tombava em combate o “Lampião do
Mato Grosso”, Silvino Jacques, famigerado pelos saques e crimes de
sangue com que mantinha em polvorosa os municípios derredor de Bela
Vista, na fronteira com o Paraguai, havia dez anos. O jornal A Tarde, de
Salvador, resenhava o episódio final na edição de 29.
Por fim, o caso trazido pelo jornal Correio de Aracaju, de 11 de julho
desse mesmo 1939, sob a manchete “O fascínio da antonomásia deLampião”, em que se relatam os passos mais recentes do “Lampião de
Portugal”, que agia no município de Faro, “trazendo em polvorosa as
freguesias montanhosas de Alvim, Adruelas e Salgueiros”. Mencionando os
estados do Rio Grande do Sul, de São Paulo e do Mato Grosso, a folha
fechava a matéria sustentando que “apareceram outros bandidos que, com
grande orgulho e garbo, se deram também a antonomásia de Lampião”,
restando claro que o célebre cangaceiro “criou discípulos e êmulos até no
estrangeiro”.
Como nos pareceu adequado, o ponto de partida do trabalho atual foi a
biografia compacta Quem foi Lampião, que publicamos em Zurique, Suíça,
em 1993, e que chegou a uma terceira edição, esgotada há alguns anos. Eis
aí um dos motivos do aproveitamento. No plano do testemunho de época,
trazendo novidades ao que agora vêm a ser os quatro capítulos iniciais do
livro atual, agigantam-se três contribuições de primeiríssima ordem: 1) a de
José Alves de Barros, o Zé Saturnino, ou Saturnino da Pedreira, apontado
invariavelmente por Lampião como seu “inimigo número um”, que nos
confiou, em entrevista gravada na sua fazenda Maniçoba, à sombra da Serra
Vermelha, em Serra Talhada, no ano de 1970, revelações corajosas, por
vezes contra si, somente agora trazidas à luz, sobre o nascedouro das
questões que envolveram seu maior desafeto, no município de origem de
ambos; 2) o esclarecimento que nos deu, nesse mesmo ano de 1970, o
coronel Audálio Tenório de Albuquerque, chefe político de Águas Belas,
agreste meridional de Pernambuco, amigo muito próximo de Lampião,
sobre o arranjo secreto que livrou o governador Estácio de Albuquerque
Coimbra da presença do já então Rei do Cangaço em seu estado de
Pernambuco, empurrando-o para longa sobrevida na Bahia do colega e
amigo Francisco Marques de Góes Calmon, no meado de 1928, “presente
de grego” compreensivelmente mantido à sombra até agora por solicitação
da fonte; 3) os detalhes do dia a dia do cangaço ao tempo de Lampião, que
nos trouxe o ex-cangaceiro Miguel Feitosa Lima, amigo de mocidade do
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 42
Comments