Capítulo 4

Sábado era um dos dias mais agitados na agência. Muitos eventos, muitas festas. Um dia estressante, porém naquele dia nada podia estressar Toni. Ele chegou bem humorado, sorridente e ao se encontrar com “Cristiano” foi tão simpático que todos estranharam.

_ Cristiano Bertti! E aí cara, tudo em cima?_ Disse ele fazendo aqueles gestos tipicamente masculinos com aqueles tapinhas chatos.

_ Tudo!_ respondeu Cris, meio sem graça.

_ Grande Cristiano! E como ficaram as fotos de ontem?

_ Eu ia exatamente lhe falar sobre isso...

_ Então, vem até a minha sala! _ convidou.

Cris o seguiu, mas não estava entendendo a razão daquela simpatia toda.

_ Um café?_ perguntou ele servindo duas xícaras.

_ Não, obrigado!

_ Ah, que é isso? Só um cafezinho!

_ Então tá...

_ Senta aí, o que você estava dizendo mesmo?

_ Pois é, eu sei que você vai ficar chateado, mas não deu pra terminar tudo ontem...

_ Por que não terminaram?

_ O cliente quis deixar pra hoje e...

_ Ah…Não tem problema!

_ Sério?_ admirou-se Cris.

_ O cliente sempre tem razão, não é mesmo?

_ É exatamente o que eu disse pra Alice! Eu dei que hoje é muito apertado, mas já adintei muita coisa do meu serviço hoje e 40 minutos vai ser suficiente pra atendê-lo.

– Tudo bem! Tudo bem!

Cris o olhou meio sem entender, mas continuou:

–Olha, também temos que ver como vai ficar aquela exposição, porque o orçamento já foi todo passado pra Sara e ela confirmou que o gasto não vai ser tão grande. Então eu pensei em trocar as telas que foram escolhidas por umas maiores...

Toni não estava prestando atenção no que o “Cristiano” falava. Distraído, ficou encarando-“o” com um risinho no canto da boca, buscando suas feições femininas. Reparou os traços da boca carnuda, os olhos grandes e esverdeados escondidos por detrás dos óculos, as mãos delicadas, o narizinho bonitinho. Sua voz era rouca e ao impostar, parecia um adolescente em transição de voz. Notou que “ele” nem tinha sinal de barba. Ela continuava a falar.

_ “Como eu não tinha percebido antes?” _ pensou.

_ Toni! Toni?

_ Hã?

_ Você está me ouvindo?

_ Claro!

_ Eu perguntei o que acha...

_ Faça como achar melhor. Confio no seu trabalho!

_ OK então!_ respondeu Cris, ainda sem entender_ Então eu vou nessa.

_ Não, termina seu café! Vamos conversar um pouco, algo que não seja sobre trabalho.

_ Algo que não seja sobre trabalho?

Ao ver a expressão de Cris, ele explicou.

_ Eu sei que nós começamos com o pé esquerdo, mas eu confesso que estava enganado ao seu respeito.

_ Ah, é? E o que te fez mudar de ideia?

_ Algumas coisas que se esclareceram. Pode acreditar que hoje, com certeza, eu te vejo com outros olhos.

_ Fico feliz por isso. Eu vou aceitar o seu convite para conversarmos, mas em uma outra hora, certo? Agora é praticamente impossível conversar coisas que não sejam sobre trabalho.

_ Como você quiser!_ respondeu ele sorrindo.

Cris saiu, enquanto Toni desfazia o sorriso do seu rosto e praguejava:

_ Vagabunda! Sua batatinha tá assando!

Alguns dias se passaram e Toni continuou nessa de tratar bem o “Cristiano”, estudando o que iria fazer. Ele se perguntava: Por que ela estava ali? Por que estava disfarçada? Sua vontade era de gritar pra todos a verdade e acabar com aquela palhaçada, mas resolveu estudá-la mais. Às vezes ele a constrangia fazendo perguntas sobre assuntos masculinos, como futebol, carros e mulheres.

Certo dia em que os dois estavam a sós na sala de edição fazendo trabalhos distintos, ele perguntou indiscreto:

_ Até que nível está a sua relação com a Lorena? Cris não gostou da pergunta.

_ Nível?

_ É, quero saber se vocês já avançaram... Você sabe! Não me diga que ainda só estão nos beijinhos!

_ Você não acha que isso é uma coisa muito íntima?

_ Claro que sim! Mas os HOMENS conversam sobre essas coisas... E agora que somos amigos...

_ Você não é meu amigo, Toni. Você está forçando uma situação que tá muito estranha. Eu só não sei ainda por que.

_ Você está sendo injusto! Eu estou com as melhores das intenções!

_ Não sei por que, mas pra mim isso tudo é papo furado. Eu não vejo verdade em suas palavras!

_ Por quê? _ e murmurou: _ Intuição feminina?

_ O quê?

_ Nada, nada! _ despistou ele_ Vamos falar de outra coisa?

_ Que tal não falarmos de nada?

_ Tudo bem!_ Disse Toni colocando as mãos diante de si, como

se estivesse a defender-se de algo.

Cris tentou se concentrar no que estava fazendo. Depois de uns instantes calados, ele insistiu nas perguntas.

_ Você gosta de malhar, não é mesmo?

Ela, depois de processar a pergunta, disse que sim com a cabeça.

_ Eu não gosto muito, mas malho regularmente. _ disse ele conferindo o próprio braço.

_ Não é que eu goste... Me acostumei, mas não pego pesado. Comecei a malhar pra praticar defesa pessoal.

_ Hum, muito bom! Deve ter um peitoral bem definido, né? Cris sentiu certa ironia na pergunta e fez outra pergunta:

_ Toni, você é gay?

Toni abriu a boca admirado.

_ Gay? Eu? De onde tirou isso, cara?_ perguntou ele fazendo cara de ofendido.

_ É, porque de uns dias pra cá você parece está muito interessado em mim.

Toni deu uma gargalhada e abafando as palavras com uma das mãos, declarou:

_ Se tem alguém gay nessa história, com certeza não sou eu, Cristi...ano!

_ Tá insinuando o quê? Se você quer me dizer alguma coisa, faça como fazia antes. Vá direto ao ponto. Essa nova versão de “Toni” é um pé no saco!

_ Que saco?

_ Hã?

_ Digo, que versão?

_ Essa do “amigo”, “simpático”, cheio de rodeios e

subterfúgios!

_ Subterfúgios? Que palavrinha, hein? E você diz que não pega pesado! Acho que vou te colocar na redação. Pode ficar tranquilo, eu só estou tentando tirar a má impressão inicial… Amigos?

Ele lhe estendeu a mão, mas Cris apenas olhou para mão dele estendida e falou:

_ Até onde eu sei você não vai com a minha cara e, não dá ponto sem nó.

Toni recolheu a mão, coçou o nariz, ajeitou-se na cadeira e tentando fazer cara de vencido, rendeu-se:

_Se você pensa assim, o que eu posso fazer, né? É uma pena que não aceite a minha amizade!

Levantou-se, pegou suas coisas e saiu cantarolando ironicamente, tentando imitar um cantor de ópera:

_ Amigos para sempre é o que nós iremos ser. Na primavera ou em qualquer das estações. Nas horas tristes, nos momentos de prazer. Amigos para sempre.

Cris fez aquela cara de “ninguém merece!”, enquanto ele sumia pela porta.

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