Uma família estranha

— Mãe? Pai? Cheguei!

Martha jogou a bolsa sobre o sofá e esperou por uma resposta de seus progenitores, mas como sempre a casa estava vazia. Aqueles que deveriam cuidar da garota viviam a abandonando desde que era apenas uma criança, eles saiam e voltavam depois de muitos dias e quando voltavam era sempre para a aborrecer. Ela se jogou no sofá logo em seguida, soltando o fôlego com força. Assim que se sentou, ouviu uma notificação em seu celular e foi ver o que era. Haviam mensagens de alguns amigos, entre elas de Fabio, mas a garota ignorou todas, atentando apenas para uma em específico: Luna, sua amiga a chamava para ir em uma festa na mansão do namorado dela e muitos garotos e garotas estariam lá, inclusive um que ela já vinha focando na intenção de se aproximar há algumas semanas. No entanto, naquele momento o garoto não parecia mais tão interessante para ela, que não tirava Faio de seus pensamentos. Soltou o ar pesadamente, tendo uma mistura de sentimentos, entre eles, paixão e arrependimento. Ela não sabia ao certo o que sentir, afinal, havia acabado de ir para a cama com seu melhor amigo, isso soaria extremamente estranho entre suas amigas, elas diriam que fora a coisa mais errada que fizera. Seu celular tocou mais uma vez a tirando de seus devaneios, era Luna mais uma vez, dessa vez em uma chamada de vídeo. Martha atendeu:

— Bom dia, amiga!

— Bom dia, Luna.

— E aí, vai querer ir a festa comigo? Já estou na casa do meu namorado, mas vou até aí te buscar, caso queira.

A garota ruiva dos cabelos escorridos e olhos esticados estava do outro lado da tela com um olhar de implorar, queria muito que sua amiga fosse a festa na casa de seu namorado para que não ficasse sozinha, afinal, quase nenhuma de suas poucas amigas iriam e quando dava festas assim, seu namorado praticamente se esquecia de sua existência. Luna cansou de contar quantas vezes ficara sozinha no canto de um sofá, enquanto pessoas se balançavam, brincavam, bebiam, enloqueciam e seu amor estava em um lugar qualquer com os amigos, enquanto jogavam bilhar, ficavam perto da piscina ou até mesmo desapareciam em meio a multidão, fazendo com que sua namorada não tivesse a menor ideia de onde estariam. A garota se comunicava socialmente com todas as pessoas que compareciam, mas não costumava se misturar entre elas.

— Não sei amiga, estou tão cansada...

Martha procurava uma desculpa para dar. Realmente não tinha cabeça para estar em uma festa naquele momento, mas Luna tratou logo de a cortar.

— Nem pense em negar, Martha! Da última vez você não veio, você e as meninas me deixaram sozinha e agora as meninas não virão novamente. Não quero fica sozinha a noite inteira.

Ela revirou os olhos, pensando ser muito errado que sua amiga aceitasse um namorado que a abandonava para ficar com os amigos, isso não era a atitude de um homem de verdade, um homem que ama a companheira.

— Amiga, seu namorado sempre te deixa sozinha nas festas, isso é errado.

— Eu sei o que pensa sobre ele, não é hora de sermão, apenas me faça feliz e diga que vem!— Fez beiço.— Por favor, Martha, faça um esforço por mim, somente desta vez!

A garota reprimiu os lábios. Luna era muito cabeça dura mesmo! Nunca aceitava um conselho seu e fugia do assunto sempre que via a opinião a respeito de seu namorado ser contrária a que queira ouvir. Fechou os olhos brevemente e respirou fundo, voltando a encarar a amiga do outro lado da linha.

— Tudo bem, Luna, eu irei, mas só dessa vez! Sabe que não gosto muito de ir nas festas que seu namorado dá.

— Isso, amiga, assim que se fala!— Animou-se.— Certo, a festa começa às dez, esteja pronta às nove e meia, vou te buscar com meu carro.

— Ok, até mais tarde então

— Beijos!

A chamada se encerra e a garota logo deixa o celular de lado, jogando a cabeça para trás e fecha seus olhos. Deixa que sua mente seja invadida das melhores/piores lembranças da noite passada, onde fora entregue a Fabio pela primeira e talvez última vez .Ela se lembrava de cada detalhe, tudo estava quente em sua mente, começando com um beijo caloroso e cheio de sinceridade. Eles queriam aquilo, queria aquele momento, queriam tocar e ser tocados. Queriam queimar, incendiar a pele e coração um do outro. Fabio estava meio retraído, como se tivesse medo de a machucar, mas ao mesmo tempo quase se fundia por inteiro nela. Isso foi o que a cativou, tamanha proteção e desejo ao mesmo tempo. O medo que desaparecesse ou que tudo fosse um sonho era mútuo, o desejo carnal era mútuo. Ela sorriu ainda de olhos fechados, se lembrando das mãos quentes dele tocando seu corpo, conhecendo cada partícula de pele. Os beijos quentes, cheios de amor, de vontade e desejo. Quando ele tocou seu mamilo, fazendo-a ficar arrepiada e entregue. Fabio a tinha em suas mãos naquele momento e sequer sabia. Ela era apaixonada por seu melhor amigo, mas nunca o revelou e quando decidiram ficar juntos naquela noite, foi como se seus sonhos mais profundos estivessem sendo realizados.

— Por que está rindo feito uma boba?

A voz grossa de seu pai invadiu a sala, fazendo-a pular e abrir seus olhos imediatamente, encarando o homem de cabelos loiros parado perto da janela, encarando a filha duramente enquanto era invadido pelos raios de sol que atravessavam a janela. Martha sentia-se incomodada todas as vezes que seu abominável pai a encarava, sentia como se estivesse sendo encarada por um demônio, afinal, era exatamente isso o que ele era, um demônio abominável que maltratava a filha de diversas maneiras. Ela se lembrava de quantas vezes em sua infância levou uma surra e foi dormir sem comer, somente porque este homem chegara em casa de mal humor, ou quando ele a assediava dentro da própria casa, quando era uma garota em plena puberdade. Ele era simplesmente abominável. Respirou fundo, se ajeitando no sofá e desviando os olhos de seu rosto para um ponto qualquer, Daniel ficava nervoso se encarado no fundo dos olhos por muito tempo, era um real psicopata. Gostava quando as mulheres tinham olhares baixos diante dele, era como se fossem submissas.

— Pai, o senhor chegou...

— Estou morrendo de fome.

Ela se levantou imediatamente, sentindo um frio em sua barriga, quando ouvia essa frase era sinal de que se não andasse logo com sua refeição, a surra era certa. Ele caminhou até a mesinha de centro na frente de Martha e depositou suas chaves lá, parando bem em sua frente e a encarando com seu habitual olhar malicioso. Mediu-a de cima abaixo. A garota não entendia como esse tipo de homem poderia ser seu pai, se é que poderia chamá-lo assim.

— Vou preparar o café da manhã para o senhor...

— Shhh....— Colocou o polegar em seus lábios, encarando a região.— Sua mãe está na cozinha, já está preparando . Senta aí.

Martha desviou-se disfarçadamente de seu toque, já sentindo sua garganta amargar e os olhos arder pelas lágrimas que sabia que em breve iriam querer sair. Ela se sentou, mantendo as costas retas e as mãos juntas, sobre seu colo, sendo seguida de Daniel, que imediatamente ligou a televisão no noticiário, gostava de assistir aos jornais, não importava a hora, era como se esperasse por alguma notícia em específico. Martha desconfiava de que o pai já houvesse cometido algum crime. Ela fingia encarar a tela da televisão, enquanto se mantinha em alerta ao lado de quem deveria se sentir protegida, ao lado de quem mais sentia medo. Ele por sua vez adorava ver o sofrimento da garota.

— Dormiu fora?

— Sim, passei a noite na casa do Fábio.

— Como sempre.— Ele revirou os olhos, colocando a mão na coxa de Martha, fazendo-a dar um pequeno e quase imperceptível pulo de susto.— Eu não gosto quando vai dormir nada casa desse garoto.— Quase rosnou possessivamente.— Me diz uma coisa, vocês namoram?

Ela ficou ainda mais dura e apreensiva. Olhou para a região onde estava sendo tocada, era uma área muito perto de sua intimidade, mas não chegava a ser sua virilha. Ela não sabia o que fazer, não sabia como fugir daquele toque que a causava nojo, queria sair dali imediatamente. Seus olhos arderam ainda mais, a visão embaçou pela vontade de chorar que veio com força, mas ela se segurou, não iria demonstrar estar sendo atingida por suas provocações. E sabia que se derramasse uma lágrima em sua frente seria pior, Daniel odiava choros e era capaz de ficar muito agressivo diante de alguém que estivesse chorando.

— Não .. Ele... Ele é apenas meu amigo

— Bom.

Daniel agora acariciava a mesma região com satisfação. Martha fechou os olhos tentando se controlar e engolir o choro. Ela então lembrou-se da festa e decidiu o avisar que sairia mais tarde, pois sabia que se não avisasse levaria uma surra assim que voltasse, mesmo que ele não se importasse para onde estava indo ou quando voltaria. Parecia que seu pai apenas sentia o prazer de a ver apanhar. Quando criança, depois de uma surra, achou ter visto um volume entre as pernas do homem, aquela foi a pior cena de sua vida, ela ficou traumatizada.

— Tem... Tem uma... Festa hoje a noite... Na casa do namorado de uma amiga... Eu vou.

— Tanto faz.

Nesse mesmo momento sua mãe apareceu na sala. Martha encarou a mãe com os olhos grandes e lacrimejando. Logo percebeu que um de seus olhos estava inchado, mas não muito bem disfarçado com maquiagem, resultado de uma possível briga entre o casal na noite passada. A mulher apenas olhou para onde a mão do marido estava, sem se importar com o pedido de socorro silencioso da filha. Ela segurou a respiração brevemente, colocando um pequeno sorriso no rosto, sem mostrar os dentes. Piscou algumas vezes.

— Querido, o café está pronto.

Daniel sorriu, tirando sua mão da coxa da garota e colocando firmemente entre os seus cabelos, enquanto se levantava.

— Ótimo.— Encarou a garota, induzindo-a a se levantar com sua mão.— Levante. Vamos tomar café todos juntos hoje, como uma família.— Encarou-a de cima abaixo novamente.

— Não estou com fome.— Martha quase sussurrou.— Se me permitir quero me deitar em meu quarto.

— Sabe como funciona as regras, querida.— Balançou a cabeça negativamente.— Pelo menos me faça companhia a mesa, já que sua mãe não vai poder.— Ordenou silenciosamente para que a esposa não tomasse o café com eles.— Ela vai estar muito ocupada com as roupas. Não é?

— É claro.— Ela respondeu, entendendo que o marido não a queria na mesa. Sentiu ciúmes.

E aquela foi mais uma das péssimas manhãs que passava em sua casa. Dessa vez não tinha mais a escola para a salvar por alguns momentos de sua esquisita família. Depois que comeram, a garota passou a tarde inteira chorando em seu quarto. Deixou o celular no silencioso para não ser incomodada por ninguém.

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Comments

Imaculada Abreu

Imaculada Abreu

estranho

2024-02-27

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