Capítulo 5 – Depois da Tempestade
A madrugada parecia respirar aliviada. Depois do caos das últimas horas, o hospital estava silencioso de um jeito quase estranho. Laura caminhava pelo corredor da pediatria com passos lentos, ainda com o cheiro de álcool no jaleco, o cabelo ruivo preso num coque desfeito. O garoto da noite anterior — o do acidente — estava estável na UTI. Ela já o havia visitado duas vezes desde a cirurgia.
No fundo, sabia que não precisava estar ali, mas alguma coisa a mantinha perto. Talvez fosse preocupação genuína. Talvez fosse a sensação de que aquele caso tinha deixado uma marca que ainda não se apagava.
— Você de novo — disse uma voz às suas costas.
Laura se virou. Helena estava parada no corredor, mãos nos bolsos do jaleco, expressão tão serena que parecia impossível que tivesse acabado de sair de uma cirurgia de emergência.
— Não consegui ir embora — respondeu Laura, encolhendo os ombros. — Ele está estável, mas… sabe como é.
Helena assentiu. Caminhou até ficar ao lado dela e olhou pela janela para a UTI. Durante um instante, não disseram nada. O silêncio parecia quase confortável.
— Você fez bem em chamar a neuro tão rápido — disse Helena, finalmente.
Laura arqueou uma sobrancelha, surpresa. Não era todo dia que recebia um elogio tão direto da neurocirurgiã.
— Obrigada — respondeu, um pequeno sorriso escapando.
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O dia seguinte amanheceu cinza e frio. São Paulo parecia mergulhada em uma névoa suave. Laura chegou cedo, com uma caneca de café na mão, e encontrou Helena já no posto de enfermagem, revisando exames.
— Você nunca dorme, né? — brincou Laura, apoiando-se no balcão.
Helena ergueu os olhos por cima das folhas, e por um instante Laura achou que veria um sorriso. Mas não. Apenas aquele olhar azul, penetrante, que parecia ler mais do que deveria.
— O sono é superestimado — respondeu, voltando aos papéis.
Laura riu baixinho. Havia algo em Helena que era difícil de explicar — como se ela fosse feita de gelo por fora, mas tivesse um fogo escondido lá dentro, esperando para ser descoberto.
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No meio da manhã, um novo paciente chegou: uma adolescente com crises convulsivas. Laura avaliou o histórico e sugeriu observar antes de partir para exames mais invasivos.
— Prefiro fazer a ressonância logo — disse Helena, sem hesitar.
Laura franziu o cenho.
— Ela está assustada, Helena. Se não houver sinais de urgência, podemos esperar algumas horas.
Por um instante, houve tensão no ar. Mas dessa vez, nenhuma levantou a voz. Apenas se olharam, como se pesassem as palavras uma da outra.
— Vamos esperar — disse Helena, por fim, e saiu da sala.
Laura soltou o ar que nem percebeu que estava prendendo. Não foi exatamente um atrito, mas a sensação de estar em lados opostos deixou seu peito acelerado.
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Horas depois, quando a adolescente estava mais calma, Laura encontrou Helena no corredor, debruçada sobre a prancheta.
— Ela está melhor — disse Laura, aproximando-se. — Obrigada por esperar.
Helena ergueu os olhos devagar.
— Você estava certa. Às vezes eu esqueço que eles não são só casos.
Laura sorriu, sentindo algo quente crescer no peito. Era raro ouvir Helena admitir qualquer coisa desse tipo.
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No final do plantão, o hospital estava quase silencioso. Laura estava no estacionamento quando viu Helena, já sem jaleco, destravando o carro.
— Quer carona? — perguntou Helena, ao vê-la.
Laura hesitou, mas aceitou. Durante o trajeto, o silêncio foi confortável, cheio de uma tensão que ela não conseguia nomear.
Quando chegaram ao prédio de Laura, ela se virou no banco.
— Quer subir para um café?
Helena a observou por um longo instante, e Laura sentiu o coração disparar.
— Não posso ficar muito — respondeu, mas desligou o carro.
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O apartamento de Laura era pequeno e acolhedor. Havia plantas na varanda e livros espalhados pela estante. Helena caminhou até uma das prateleiras e pegou uma foto em que Laura estava abraçada a um cachorro enorme, rindo.
— Ele ainda está vivo? — perguntou Helena, erguendo a foto.
— Sim. O Thor está na casa da minha mãe. — Laura sorriu. — Você gosta de cachorros?
Helena pousou a foto devagar.
— Gosto. Mas nunca tive tempo para ter um.
Por um instante, Laura viu algo diferente na expressão dela. Uma sombra de melancolia.
— Você não é obrigada a estar sozinha o tempo todo, sabe? — disse Laura, quase num sussurro.
Helena a olhou, séria.
— Sozinha é mais fácil.
Laura deu um passo à frente. Não sabia o que estava fazendo, apenas que não queria que Helena se sentisse assim.
— Fácil não quer dizer melhor — respondeu.
O ar parecia mais pesado, carregado de algo que Laura não conseguia ignorar. Helena deu meio passo para trás, como se lutasse contra algo dentro de si.
— Eu deveria ir — disse finalmente, e se dirigiu à porta.
Laura a acompanhou, e quando Helena estava prestes a sair, Laura tocou levemente seu braço. Helena parou. Os olhos azuis se prenderam aos dela, e por um segundo Laura teve certeza de que ela iria beijá-la.
Mas Helena apenas disse:
— Boa noite.
E foi embora, deixando Laura com a mão ainda suspensa no ar e o coração batendo tão rápido que parecia ecoar pelo apartamento.
Lá fora, começou a chover.
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Atualizado até capítulo 94
Comments
Fran Silva
tá muito bom em🥰🥰
2025-09-29
0
Fran Silva
tá muito bom em🥰🥰
2025-09-29
0
Helen
❤️
2025-09-21
0