capítulo 5 o peso das sombras.

A noite parecia mais densa do que de costume. As ruas estavam vazias, mas eu sabia que o silêncio não era natural: era como se a cidade estivesse segurando a respiração. Depois das cartas encontradas, o caso deixou de ser apenas uma investigação; tornou-se um confronto direto com forças que não se importavam em permanecer invisíveis.

Ela caminhava ao meu lado, hesitante, como se tivesse medo de me seguir, mas mais medo ainda de ficar sozinha. Seus olhos estavam arregalados, buscando em cada sombra um rosto que não estava lá. Eu já conhecia esse olhar. É o mesmo que vi em tantas vítimas: a súbita consciência de

que o mundo é mais escuro do que gostariam de acreditar.

— Arthur… — disse ela, com a voz embargada. — E se estivermos mexendo em algo que não

deveríamos? E se for tarde demais?

Respondi sem hesitar, porque hesitar seria deixá-la sucumbir ao pavor.

— O que está feito já nos envolve. Não é questão de escolha. A pergunta não é se devemos continuar, mas se seremos capazes de suportar o que vamos descobrir.

Chegamos à minha sala de trabalho, um espaço que sempre foi refúgio e prisão. Estantes cheias de dossiês, arquivos e recortes de jornais cobriam as paredes. Cada caso resolvido era um fantasma silenciado, mas nunca esquecido. Coloquei as cartas sobre a mesa, sob a luz amarelada

do abajur. Elas me encaravam como olhos mortos.

— O que pretende fazer com isso? — ela perguntou, com receio.

— Ler. Comparar. Conectar. Cada palavra pode carregar um pedaço da verdade.

Comecei a folhear as cartas. Algumas falavam em dívidas antigas, outras em “sacrifícios” e

“equilíbrio”. Mas todas carregavam a mesma assinatura invisível: um autor que escrevia não para convencer, mas para lembrar. Era alguém que sabia mais do que deveria. Alguém que queria ser

ouvido através do tempo.

— Reconhece algo? — perguntei.

Ela balançou a cabeça negativamente, mas percebi que suas mãos tremiam.

— Eu não… não sei. Mas parece… familiar. Como se tivesse lido essas palavras em outro lugar.

Levantei o olhar. — Familiaridade nunca é coincidência. Sua mente guarda mais do que você imagina.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, até que um som quebrou a tensão. Um estalo vindo da janela. Levantei-me de imediato e apontei a lanterna. Nada além do vidro refletindo nossa própria

inquietação. Mas eu sabia que não era apenas o vento. Alguém estava nos observando.

— Eles sabem que você começou a enxergar. — falei. — E isso muda tudo.

Ela empalideceu, apertando as mãos contra o peito.

— Quer dizer que agora eu também sou alvo?

Aproximei-me dela, firme.

— Não é questão de ser alvo. É questão de se tornar parte do jogo. Quem enxerga, não pode mais fingir cegueira.

Naquele instante, percebi o peso real das sombras. Não era apenas o risco de encontrar um assassino ou de revelar segredos ocultos. Era o risco de arrastar outra pessoa para o abismo onde

eu já vivia. Eu podia carregar os meus próprios fantasmas, mas será que teria forças para carregar também os dela?

Ela tocou meu braço, em um gesto de busca por segurança. O contato humano sempre me lembrou que, apesar de tudo, ainda havia algo pelo qual valia a pena lutar: a lucidez.

E talvez fosse esse o motivo de eu desejar que todos vissem o mundo pelos meus olhos. Não para sofrer como eu sofria, mas para não viverem mais no conforto enganoso da ignorância.

Suspirei fundo, encarando novamente as cartas.

— O passado voltou. E não vai descansar até que alguém pague o preço.

E, pela primeira vez, vi nos olhos dela não apenas medo, mas determinação. Talvez, afinal, eu não

estivesse tão sozinho.

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