capítulo 4.ecos do passado

A madrugada avança de forma diferente quando você carrega a verdade nos ombros. Para mim, não havia sono, apenas vigilância.

Para ela, havia o peso de começar a enxergar além das cortinas que a polícia e o senso comum erguiam. A cada respiração, eu percebia o conflito dentro da mulher: medo do que via e desejo de não ser enganada nunca mais.

Enquanto examinava novamente a sala, percebi que não estava apenas coletando pistas. Eu estava reconstituindo uma memória.

A casa falava comigo, e cada detalhe era um eco.

— Arthur… — ela disse, quebrando o silêncio. — Por que eu não percebi nada antes? Como pude viver ao lado dele sem saber que o perigo estava tão perto?

Respirei fundo antes de responder.

— Ninguém percebe o que não está disposto a ver. As pessoas se acostumam a ignorar o incômodo porque é mais fácil. Mas os rastros estão sempre lá. Sempre.

Ela desviou o olhar, como se buscasse dentro da própria mente sinais perdidos. Talvez quisesse encontrar uma lembrança que explicasse o que aconteceu.

Mas lembranças são traiçoeiras: se moldam ao medo e ao desejo.

Continuei minha investigação. No canto da sala, próximo ao rodapé, havia uma marca escura quase imperceptível. Ajoelhei-me para examiná-la.

Não era sujeira. Era cera de vela derretida.

— Vocês costumavam usar velas aqui? — perguntei.

— Não. — respondeu, confusa. — Temos luz elétrica em todos os cômodos.

Aquela gota de cera me disse mais do que qualquer palavra. Se alguém trouxe uma vela, não foi por necessidade, mas por ritual.

O crime deixava de ser apenas físico. Havia simbolismo, intenção.

— Então, quem fez isso, deixou mais do que rastros materiais. — murmurei. — Deixou ecos.

Ela se aproximou e se abaixou ao meu lado. Pela primeira vez, olhou para a marca como eu olhava.

Os olhos dela se fixaram, como se finalmente entendessem a linguagem oculta.

— Eu vejo… — disse, quase em transe. — Isso não deveria estar aqui. É como… uma assinatura.

Sorri.

— Exato. Agora você começa a entender. Cada crime é um recado. Não para todos, mas para quem sabe decifrá-lo.

Ela passou a mão pelos braços, tentando afastar o arrepio. E então, hesitante, confessou algo que Nos últimos meses, ele vinha recebendo cartas. Eu nunca vi o conteúdo. Ele escondia de mim. Achava que era coisa do trabalho.

Fitei-a sério.

— Onde estão essas cartas?

— No escritório dele, no andar de cima.

Subimos. O corredor era estreito, os quadros antigos observavam nossa passagem como testemunhas silenciosas.

Ao entrar no escritório, senti imediatamente a diferença de energia. Ali não havia encenação. Ali estavam os segredos verdadeiros.

A escrivaninha estava organizada demais, mas não para mim. O excesso de ordem é tão suspeito quanto o caos.

Abri a gaveta inferior. Nada. Segunda gaveta, papéis comuns. Mas atrás de uma pasta encontrei o que procurava: envelopes amarelados, amarrados com um cordão.

Ela colocou a mão sobre a boca ao vê-los.

— Meu Deus… ele guardou todos.

Peguei o primeiro envelope. A caligrafia era firme, quase ritualística. Não precisei abrir para sentir o peso daquilo. Mas abri.

E as palavras que li não eram apenas cartas. Eram ameaças veladas. Eram avisos.

“Você não pode escapar do passado. O que foi feito será cobrado.”

Fechei o envelope e olhei para ela.

— Seu marido não era apenas uma vítima. Ele estava preso a algo muito maior.

O silêncio dela foi mais eloquente que qualquer grito.

Naquele instante, percebi: o caso não era apenas sobre uma morte. Era sobre o retorno de algo antigo, algo que ecoava do passado e que agora caía sobre nós dois.

E se antes ela hesitava em ver, agora não tinha mais escolha.

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