Capítulo 4 — O Primeiro Risco na Máscara

A gala avançava como um teatro bem ensaiado. Risos falsos, taças tilintando, promessas de doações que jamais sairiam do papel. Eu observava tudo da minha mesa lateral, invisível para alguns, incômoda para outros.

Camila já havia me passado o sinal: todos os fotógrafos contratados para o evento estavam, naquele instante, sob minha folha de pagamento. E cada clique de câmera poderia ser tanto uma lembrança quanto uma sentença.

No palco, Celeste descia depois de seu discurso melodramático. A multidão se inclinava para cumprimentá-la, beijar-lhe a mão, como se fosse uma santa. O vestido branco brilhava como se a vestisse de pureza. Eu sabia que era apenas pano — e que bastava uma fagulha para queimar a ilusão.

— Vai fazer agora? — murmurou Camila, ao meu lado.

Ergui minha taça, tomando um gole lento de champanhe.

— Agora.

Levantei-me. Cada passo que dei foi acompanhado de olhares. Alguns de desprezo, outros de curiosidade, outros ainda de medo. Eu, Serena Valmont, a “ex-presidiária”, caminhava em direção ao centro do salão como se fosse o meu território — e era.

Celeste notou minha aproximação. Por trás do sorriso, percebi o estremecer de sua pálpebra. Ela não esperava que eu tivesse coragem de aparecer ali, ainda menos de confrontá-la em seu palco dourado.

— Ora… — ela começou, com a voz doce e ensaiada. — Serena Valmont. Não pensei que compareceria.

Aproximei-me até ficar diante dela. O silêncio se espalhou como pólvora.

— E por que não viria? — perguntei, com um sorriso frio. — Afinal, quando se trata de enchentes, eu entendo mais do que ninguém sobre sobreviver.

Alguns convidados riram nervosamente. Celeste endureceu o maxilar, mas manteve o sorriso.

— Claro… — ela tentou retomar o controle. — Estamos felizes em ver que conseguiu reconstruir sua vida, mesmo depois de… tantos obstáculos.

— Obstáculos são apenas degraus. — Inclinei o corpo levemente, minha voz firme. — E quem sabe usar os degraus, sobe mais alto do que aqueles que tentam viver de glórias roubadas.

O silêncio foi absoluto. Eu não a chamei de ladra, mas todos entenderam. O brilho nos olhos dela vacilou.

Aiden, ao lado, deu um passo à frente, a voz grave:

— Serena. Isso é desnecessário.

Virei-me para ele, e aquele momento tinha um sabor que eu saboreei com calma. Ele me olhava como se eu fosse apenas uma mulher ressentida, pobre, tentando chamar atenção. Ele ainda não fazia ideia.

— Pelo contrário, Aiden. — Sorri, mas meus olhos não sorriam. — É mais do que necessário. Afinal, todos aqui têm o direito de saber quem sustenta de verdade esta festa.

Aiden arqueou as sobrancelhas. Celeste empalideceu. Eu fiz um gesto discreto com a mão, e em segundos, no telão principal, a logomarca da Agência Éden surgiu. A responsável oficial pela organização daquela noite.

E, logo abaixo, em letras douradas, o nome da empresa controladora: Holding Valmont Corporation.

O salão explodiu em murmúrios.

— Como…? — Aiden murmurou, incrédulo.

Aproximei-me de Celeste, olhando-a nos olhos.

— Surpresas acontecem. — Meu tom era baixo, só para ela ouvir. — Assim como salvamentos. A diferença é que alguns pertencem a quem de fato os viveu.

Ela quase deixou a taça escorregar dos dedos.

Voltei-me para o público, a postura ereta, a presença dominando o salão.

— Em nome da Holding Valmont, anuncio que dobraremos o valor arrecadado esta noite. Cada centavo será auditado por empresas independentes, e os relatórios serão tornados públicos. — Pausa. — Porque transparência é o que diferencia quem ajuda de verdade de quem se aproveita da dor dos outros para se enfeitar de heroína.

Palmas ecoaram. Primeiro tímidas, depois fortes. Não eram para mim. Eram para a promessa do dinheiro, para a imagem de poder. Mas não importava. Eu sabia que havia cravado a primeira fissura na máscara de Celeste.

Aiden me encarava como se visse um fantasma. Seus olhos ardiam de perguntas, de confusão. Ele, que sempre acreditou que eu era pobre, que não tinha nada, agora me via como a mulher mais rica e influente do país.

Eu ergui a taça em sua direção.

— Às vezes, Aiden — disse, com a voz calma, mas cortante —, o que parece miséria é apenas uma escolha. E o que parece riqueza… pode ser só roubo.

Deixei o silêncio devorar o salão depois disso. Não precisei dizer mais nada.

Camila estava ao meu lado, os olhos faiscando. Celeste tremia por dentro, ainda que sorrisse. E Aiden… Aiden descobria, pela primeira vez, que nunca me conheceu de verdade.

Eu havia feito meu primeiro movimento.

E ele jamais esqueceria.

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Comments

Nelci Lazzari

Nelci Lazzari

também estou gostando, gosto de mulheres fortes.

2025-09-18

0

Nalva Maia

Nalva Maia

verdade verdadeira.estou gostando do se livro

2025-09-13

0

bete 💗

bete 💗

uma mulher de fibra adorando ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-09-14

0

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