Capítulo 3 — O Espelho Diante do Palco

O salão do Grand Palais parecia mais um templo erguido para adoração da vaidade. Lustres de cristal pendiam como constelações congeladas, refletindo-se nos espelhos dourados que cobriam as paredes. O ar cheirava a flores raras, misturado ao perfume excessivo de gente rica que acreditava que essência substitui presença.

Entrei com passos firmes, o som dos saltos ecoando como um compasso calculado. Camila caminhava meio passo atrás, postura impecável, como se fosse apenas minha consultora financeira — mas eu sabia que, para mim, ela era muito mais: olhos atentos, voz de alerta, meu fio de ligação com o mundo enquanto estive trancada.

Ninguém esperava me ver ali. Isso se lia no modo como as conversas eram interrompidas assim que meu nome era sussurrado. Serena Valmont. O fantasma que voltou. A mulher que passou cinco anos atrás das grades e, ainda assim, tinha o poder de arruinar qualquer um naquela sala.

Minhas mãos estavam nuas, sem joias. Eu não precisava de diamantes para brilhar. Minha presença era a pedra preciosa mais rara dali.

A música se misturava ao tilintar de taças, e eu me posicionei estrategicamente em uma mesa lateral, última fileira, conforme havia planejado. Eu não queria holofotes ainda. Eu queria ver. Observar. Medir cada gesto.

Foi então que o vi.

Aiden Castellani.

Ele caminhava em direção ao palco, cercado por fotógrafos e bajuladores, o terno perfeitamente alinhado, o olhar frio que eu conhecia bem. Cinco anos não mudaram a forma como ele ocupava o espaço: como se tudo fosse dele, como se fosse inevitável que todos o seguissem. Mas havia algo diferente. Havia um peso nos ombros que antes não existia.

Nossos olhos se encontraram por um breve instante. Não houve choque, não houve surpresa. Apenas um reconhecimento mudo. Ele sabia que eu estava ali. E eu queria que soubesse.

Camila pousou a mão discretamente sobre a mesa, como um aviso silencioso. Eu respirei fundo e mantive o olhar. Não desviaria. Não mais.

— Senhoras e senhores — a voz do mestre de cerimônias ecoou pelo salão, pedindo atenção —, é com grande honra que damos início à gala anual da Fundação Castellani. Este ano, dedicada a apoiar as vítimas das enchentes em Ardênia.

Palmas contidas. Sorrisos ensaiados. Eu continuei imóvel.

— Para abrir esta noite de solidariedade, convido ao palco a patrona deste evento, a mulher que com sua generosidade e coragem marcou para sempre a vida de nosso presidente, o senhor Aiden Castellani: Celeste Varela.

O nome dela foi seguido de aplausos ensurdecedores. As luzes se voltaram para a escada central, onde Celeste descia como uma atriz em sua cena principal. Vestido branco, reluzente, com pedrarias que refletiam cada lampejo de luz. Os cabelos soltos em ondas calculadas. O rosto delicado, angelical.

Mas eu sabia. Sob aquele verniz, escondia-se o veneno.

Ela sorriu, cumprimentando as pessoas enquanto caminhava até Aiden. E quando ele lhe estendeu a mão para subir os últimos degraus, o salão inteiro suspirou, como se assistissem a uma fábula de amor e devoção.

Engoli seco, não por ciúme, mas por nojo. A mulher que roubou a noite do rio, que tomou para si um feito que nunca lhe pertenceu, agora era celebrada como a salvadora. A impostora.

Celeste pegou o microfone com graça ensaiada.

— Boa noite a todos. É uma honra imensa estar aqui, cercada de pessoas tão generosas. — Sua voz era doce, como mel escorrendo. — Ardênia é um país forte, mas, quando a tragédia nos atinge, é a união que nos salva.

Mais aplausos. Mais sorrisos. Mais máscaras.

Ela continuou:

— Há muitos anos, tive a chance de salvar uma vida. Uma vida que, para mim, vale mais do que qualquer tesouro. — Olhou para Aiden, e o público suspirou. — A vida dele.

O salão inteiro pareceu se inclinar para aquela narrativa. Como se fosse a verdade mais pura. Como se não houvesse dúvida.

Meu coração batia firme, mas meu rosto continuava sereno. Eu não estava ali para desmoronar. Estava ali para assistir, gravar cada detalhe, cada palavra. Tudo isso seria usado contra eles.

Aiden então tomou o microfone. Sua voz era grave, firme, carregada de autoridade.

— Celeste não apenas me salvou naquela noite. Ela me ensinou o valor da lealdade, da coragem, do sacrifício. Tudo o que sou, devo a ela.

As palmas que se seguiram ecoaram como uma afronta. Cada aplauso parecia uma gargalhada contra mim, contra minha verdade, contra os anos roubados da minha vida.

Camila inclinou-se e sussurrou:

— Você quer sair?

— Não. — Minha voz era firme, fria. — Quero ouvir até o fim.

Porque era ali, diante de todos, que Aiden selava sua cegueira. Era ali que a mentira se consolidava. Mas também era ali que começava a ruir.

Enquanto eles sorriam para as câmeras, enquanto a imprensa registrava aquele espetáculo, eu já havia acionado as primeiras engrenagens. A agência de eventos que organizava aquela gala já era minha, ainda que ninguém soubesse. As luzes que iluminavam Celeste, os fotógrafos que registravam cada movimento, até os garçons que circulavam com taças de champanhe… todos estavam sob a sombra do meu alcance.

Quando o brinde foi erguido, ergui também a minha taça. Não em homenagem a eles. Mas à queda que viria.

Aiden pode ter esquecido quem realmente o salvou. Pode ter me traído, acreditado na mentira, me condenado a cinco anos de silêncio. Mas agora ele voltaria a me ver. Não como a menina que o amava em segredo. Mas como a mulher que iria destruí-lo.

E quando o primeiro golpe cair, eles não verão apenas vingança.

Verão justiça.

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