O coração de Serena Valente ainda pulsava descompassado quando abriu os olhos naquela manhã. O peso do passado estava tão fresco em sua memória que quase acreditou ter sonhado. Mas a visão das paredes conhecidas, o delicado arranjo de flores na mesa e o perfume de sua antiga governanta pairando no ar lhe confirmavam a verdade: ela havia voltado no tempo. O destino, em sua ironia, dera-lhe uma segunda chance.
Serena caminhou até a janela e afastou as cortinas pesadas de seda. O jardim estava como sempre: impecável, vibrante, repleto de rosas vermelhas que sua mãe tanto amava. O coração dela apertou ao pensar nos pais. Na vida anterior, não conseguiu protegê-los. Eles haviam morrido de vergonha, humilhados pela queda da família, traídos pelas pessoas que mais confiaram. Mas agora seria diferente. Desta vez, ninguém tocaria em seus pais.
Ela se olhou no espelho grande, os cabelos escuros caindo pelos ombros, o rosto sem as marcas da desgraça que já vivera. Tinha apenas dezenove anos novamente. Seus olhos, no entanto, já não eram os mesmos de uma garota ingênua. Havia neles uma frieza contida, uma determinação silenciosa.
— Um ano… — murmurou. — Tenho um ano até o noivado. Um ano para mudar o destino.
Quando desceu para o café da manhã, encontrou seus pais conversando animadamente. O pai lia o jornal, distraído, enquanto a mãe falava sobre os preparativos para o jantar daquela noite, em que receberiam alguns parceiros de negócios. Era uma cena corriqueira, simples, mas que a fez sentir um nó na garganta. Na vida anterior, quantas vezes Serena estivera presente a momentos assim sem valorizar o suficiente? Agora, cada detalhe era precioso.
— Bom dia, minha filha — disse a mãe, sorridente, estendendo-lhe a mão.
Ela a segurou com firmeza. — Bom dia, mamãe.
O pai ergueu os olhos por cima do jornal e assentiu, orgulhoso. — Você está radiante hoje.
Radiante. Quem diria que um simples adjetivo poderia fazer lágrimas ameaçarem cair? Serena conteve-se. Não podia demonstrar fraqueza. Precisava ser firme. Sentou-se e observou os dois com intensidade, como se quisesse memorizar cada expressão, cada ruga de afeto em seus rostos.
Enquanto comia, sua mente fervilhava. Sabia que, naquela época, sua família ainda acreditava na lealdade de sócios e amigos que em breve os trairiam. O inimigo já estava dentro das portas, sorrindo como aliado. E a maior arma de seus inimigos sempre fora a confiança cega de seu pai.
No meio da manhã, a jovem que crescera em seu lugar apareceu em seus aposentos. A mesma garota de sorriso doce e olhos falsamente inocentes, que carregava a aura de quem se achava a verdadeira filha. Na vida anterior, Serena a tratava como irmã, tentando compensar os anos que haviam passado separadas. Mas agora, olhando para aquele rosto, não viu nada além de dissimulação.
— Irmã — disse a falsa herdeira, entrando sem bater. — O que acha do vestido que vou usar hoje à noite?
Segurava um tecido claro contra o corpo, como se buscasse aprovação. Antes, Serena sorriria e elogiaria. Agora, apenas a observou em silêncio, seus olhos penetrantes fazendo a outra estremecer levemente.
— Está bonito — respondeu, seca, antes de virar o rosto. — Mas lembre-se: nesta casa, quem brilha sou eu.
A expressão da falsa herdeira vacilou por um instante, surpresa. Não esperava tal frieza. Rapidamente recompôs-se, rindo. — Claro, claro… você é a verdadeira filha. Eu jamais ousaria…
As palavras ficaram no ar, falsas como sua doçura.
Serena sorriu de leve, mas em seus pensamentos, um juramento ecoava: desta vez, não vou permitir que você roube nada que é meu.
Ao entardecer, recolheu-se em seu quarto e abriu o diário de couro que costumava guardar no fundo da gaveta. Folheou as páginas antigas, lembrando-se de como escrevia sonhos bobos sobre o futuro. Agora, aquele diário se tornaria sua arma. Nele, registraria cada passo, cada nome, cada plano para desmascarar seus inimigos.
Escreveu a primeira frase com firmeza:
"Eu voltei para proteger meus pais e honrar a promessa que fiz."
A imagem do homem que vingara sua morte veio à mente. O amigo de infância, o filho ilegítimo do magnata, agora em coma. Na vida anterior, ele havia se erguido tarde demais, mas nesta linha do tempo, ainda estava indefeso, cercado por parentes ambiciosos que sugavam sua fortuna. Se ela não fizesse nada, acabaria perdendo tudo antes mesmo de despertar.
Eu cuidarei de você, pensou. Mesmo que ainda não saiba, já somos ligados pelo destino.
À noite, a mansão recebeu convidados importantes. Homens de terno, mulheres com vestidos caros, todos circulando pelo salão de mármore sob a luz dos lustres dourados. Serena Valente desceu as escadas como a perfeita filha herdeira, seu vestido vermelho realçando a presença imponente.
Os olhares se voltaram para ela, muitos com admiração, outros com inveja. Caminhou até os pais, cumprimentando-os com elegância. Mas seus olhos, discretamente, avaliavam cada rosto presente. Reconhecia entre eles futuros traidores: aquele sócio sorridente que, em breve, desferiria o golpe fatal contra as finanças da família; aquela mulher de fala doce que, por trás das costas, alimentaria boatos maldosos.
O coração dela se encheu de gelo. Antes, estivera cega. Agora, via cada máscara.
— Você está mais madura hoje — comentou um dos convidados, erguendo a taça para ela. — Quase não a reconheci.
Ela sorriu, fria. — É que aprendi a ver as coisas como realmente são.
As palavras, simples, deixaram alguns rostos tensos.
Ao recolher-se para a noite, exausta, deitou-se na cama com o coração acelerado. O teto dourado parecia girar acima de si, mas sua mente estava clara. Lembrava-se do calor das mãos que seguraram seu corpo moribundo na vida passada. Lembrava-se da promessa feita no orfanato.
— Eu vou até você — sussurrou, olhando para a escuridão. — Desta vez, eu vou te proteger como você me protegeu.
Fechou os olhos, e sentiu-se, enfim, no controle do próprio destino.
A verdadeira herdeira havia renascido.
E a guerra apenas começara.
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Atualizado até capítulo 47
Comments
bete 💗
gistando muito ❤️❤️❤️❤️❤️
2025-09-11
1
Francisca Gomes
mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais por favor atualizar
2025-09-10
0