Rafael não conseguia parar de pensar nele.
Nos dias que se seguiram, tentou mergulhar no trabalho, nas aulas, nos livros empilhados na mesa. Mas era inútil. O nome que ele ainda não sabia, o rosto marcado por olhos prateados, a voz grave dizendo “ligação comigo” — tudo isso queimava em sua mente como se fosse parte de si mesmo.
A marca no braço latejava em intervalos irregulares, como um coração fora de compasso. Às vezes, Rafael jurava sentir o calor subir até o ombro, espalhar-se pelo peito, arrepiar-lhe a pele. Nenhum médico teria resposta para aquilo. Nenhuma lógica.
Na terceira noite desde o último encontro, Rafael sonhou. Mas não era um sonho comum.
Estava no mesmo apartamento, só que vazio, como se tivesse sido abandonado há décadas. As paredes descascadas, móveis cobertos por lençóis brancos, janelas abertas para um céu sem estrelas.
E então ouviu.
Um som grave, ritmado, que não era vento, nem trovão.
Um bater de asas.
O chão vibrou sob seus pés, e antes que pudesse reagir, uma sombra atravessou a sala e se ergueu diante dele. O homem — o mesmo de sempre, mas maior, mais terrível. Não mais escondido sob roupas humanas, mas deixando entrever algo impossível.
Atrás dele, as asas se abriam. Não eram brancas, nem negras. Eram feitas de fragmentos de luz e sombra, como vidros estilhaçados que refletiam todas as cores e, ao mesmo tempo, nenhuma. Cada batida levantava um vento que bagunçava os cabelos de Rafael e fazia a cortina bater como se fosse grito.
Rafael recuou até sentir a parede fria nas costas.
— O que você é? — sua voz saiu trêmula, mas firme.
O homem deu um passo à frente, aproximando-se até que Rafael pôde sentir o ar quente e elétrico que emanava de seu corpo. As asas se recolheram lentamente, como se fossem vivas, respirando.
— Não deveria me ver assim — disse ele, a voz soando em ecos múltiplos, como se falasse em várias línguas ao mesmo tempo.
— Mas eu vejo — rebateu Rafael, o coração disparando. — E sinto! — ergueu o braço, mostrando a marca incandescente. — Isso está me consumindo, você entende?
O estranho aproximou-se mais um passo. O espaço entre eles era quase inexistente. Com a ponta dos dedos, tocou a marca no braço de Rafael.
O impacto foi imediato.
Rafael arfou, o corpo inteiro tomado por uma onda de calor que o fez tremer. Sua visão escureceu nas bordas, e a sala pareceu desmoronar, como se não suportasse aquela energia. Imagens fragmentadas atravessaram sua mente: cidades em chamas, rios de luz, vozes cantando em línguas esquecidas.
— Você não devia carregar isso — murmurou o homem, afastando a mão.
Rafael caiu de joelhos, ofegante, suado.
— Então por quê? — gritou, a voz quebrada. — Por que eu?
O silêncio se arrastou por segundos que pareceram eternos. Então, finalmente, veio a resposta:
— Porque eu escolhi você.
O coração de Rafael parou por um instante. Não sabia o que significava — proteção, maldição, destino? — mas aquelas palavras o atingiram como uma revelação impossível de ignorar.
Quando ergueu os olhos, o homem já recuava, as asas recolhendo-se até desaparecerem por completo. Ele o olhou uma última vez, e dessa vez não havia apenas mistério em seus olhos prateados. Havia algo humano. Algo que queimava em silêncio.
— Você ainda não entende — disse. — Mas vai entender.
E com um bater de asas que sacudiu o ar ao redor, ele desapareceu.
Rafael ficou sozinho, de joelhos no chão, o braço latejando sob a marca ardente. O silêncio que se seguiu foi esmagador, mas dentro dele uma certeza crescia, incontrolável:
Aquele homem não era apenas um estranho.
Ele era a chave para algo que Rafael ainda não conseguia nomear.
E queria — precisava — vê-lo de novo.
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Atualizado até capítulo 40
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