A terça-feira que antecedeu a entrevista foi um borrão de ansiedade controlada. Cipora mal dormiu na noite anterior, a conversa com a mulher do RH da D'Ávila Corp. repetindo-se em sua mente como um disco arranhado. Cada palavra polida, cada pausa calculada, parecia um teste que ela já estava a falhar. O dia em seu emprego atual foi uma tortura; as planilhas pareciam zombar de sua ambição secreta, e o relógio na parede movia-se com uma lentidão agonizante. O verdadeiro trabalho, no entanto, começou quando ela chegou em casa.
Ela transformou seu pequeno apartamento em um quartel-general para uma operação de guerra. A primeira fase da preparação foi um confronto direto com sua própria identidade fabricada. Ela ligou a impressora e imprimiu uma cópia nova de seu currículo, o papel quente e liso em suas mãos parecendo um documento oficial sobre uma pessoa que ela mal conhecia. Sentou-se à mesa da cozinha, o documento sob a luz amarelada da luminária, e começou a ler.
Cipora Tavares. A primeira mentira. Era apenas um nome; a pessoa por trás dele era um emaranhado de contradições.
Objetivo: Contribuir com minhas habilidades organizacionais e de comunicação para um ambiente corporativo dinâmico. A verdade: Encontrar um lugar onde o vazio não grite tão alto.
Ela desceu pelos tópicos, e para cada qualificação listada, sua mente fornecia um contraponto brutalmente honesto.
Línguas: Português (Nativo), Inglês (Fluente). Em inglês, ela conseguia ser ainda mais precisa e sem emoção, uma ferramenta perfeita para se esconder.
Habilidades:
• Proativa e orientada para resultados. Lia-se no papel. Reativa e orientada para a sobrevivência, corrigia sua alma. Ela não agia, ela reagia, sempre calculando a maneira mais segura de evitar conflitos, de passar despercebida. A candidatura à vaga na D'Ávila Corp. tinha sido a primeira ação verdadeiramente proativa de sua vida adulta, e o terror que se seguiu era a prova de quão estranho aquele território lhe era.
• Excelente comunicação interpessoal. Uma piada de mau gosto. Sua comunicação era um escudo. Ela era perita em usar palavras para construir muros, não pontes. Sabia exatamente o que dizer para encerrar uma conversa, para manter a distância, para projetar uma calma que não sentia. A verdadeira comunicação, a troca vulnerável de ideias e sentimentos, era um idioma que ela não falava.
• Altamente organizada e capaz de gerir múltiplas tarefas sob pressão. Esta era a sua maior verdade e sua maior tragédia. Ela organizava o mundo exterior para compensar o caos interior. A pressão não a tornava forte; apenas a forçava a apertar ainda mais as rédeas de seu autocontrole, um processo que a deixava exausta e oca por dentro.
Ao terminar de ler, um sentimento de fraude a dominou. O currículo era impecável, um retrato da funcionária modelo. Mas era um casco vazio. Quem eles entrevistariam amanhã? A mulher do papel ou a mulher cheia de falhas que o segurava?
A segunda fase da preparação foi a pesquisa. Por horas, ela mergulhou no mundo da D'Ávila Corp. Leu relatórios anuais, artigos em revistas de negócios, notícias sobre suas aquisições agressivas e projetos arquitetônicos que moldavam o horizonte da cidade. A empresa era um império, uma máquina de poder e influência. E no centro de tudo, estava ele. Arthur D'Ávila. As fotos dele eram onipresentes: em eventos de caridade, em inaugurações, ao lado de políticos e celebridades. Em todas elas, ele exalava uma confiança que beirava a arrogância. Tinha um olhar penetrante, um sorriso que não chegava aos olhos e a postura de um homem que nunca teve que pedir permissão para nada em sua vida. Ele era a antítese de tudo o que ela era.
O medo que sentia transformou-se em algo mais denso, quase uma certeza de fracasso. O que ela, Cipora Tavares, com sua alma remendada e seus segredos, poderia oferecer a um homem como aquele?
A fase final foi a escolha da armadura. Em frente ao guarda-roupa, ela ignorou o ponto de cor vibrante do lenço roxo. Aquela mulher não tinha lugar em uma entrevista na D'Ávila Corp. A escolha foi metódica. Uma saia lápis preta, de corte perfeito. Uma blusa de seda em tom marfim, elegante, mas discreta. Um blazer cinza-escuro, estruturado, que lhe dava uma postura mais rígida. Sapatos de salto baixo, confortáveis e silenciosos. Nenhuma joia, exceto por um par de brincos minúsculos. A maquiagem seria mínima, apenas para cobrir as olheiras de uma noite mal dormida e para dar uma cor neutra aos lábios.
Quando terminou, o conjunto estava pendurado do lado de fora do armário, pronto. A roupa era uma declaração: Eu sou competente. Eu sou séria. Eu sou invisível.
Tarde da noite, com tudo preparado, ela se deitou. A cidade lá fora pulsava com uma vida da qual ela não fazia parte. O silêncio do apartamento era total. Ela fechou os olhos, mas a imagem do rosto de Arthur D'Ávila, confiante e poderoso, estava projetada no escuro de suas pálpebras. Amanhã, ela estaria na presença dele, oferecendo seu currículo impecável como um tributo, e rezando para que ele não conseguisse ver, através de seus olhos verdes, a alma imperfeita que tremia por trás dele.
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Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.
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Atualizado até capítulo 43
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